segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

SÉRIE DO IMPRESSIONISMO À ARTETERAPIA: Da cor à vida


Claude Monet "Por do sol no Sena"

Por Eliana Moraes (MG) RJ 
naopalavra@gmail.com
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“A franja da encosta cor de laranja, capim rosa chá
O mel desses olhos luz, mel de cor ímpar
O ouro ainda não bem verde da serra, a prata do trem
A lua e a estrela, anel de turquesa
Os átomos todos dançam, madruga, reluz neblina
Crianças cor de romã entram no vagão
O oliva da nuvem chumbo ficando pra trás da manhã
E a seda azul do papel que envolve a maçã
As casas tão verde e rosa que vão passando ao nos ver passar
Os dois lados da janela
E aquela num tom de azul quase inexistente, azul que não há
Azul que é pura memória de algum lugar
Teu cabelo preto, explícito objeto, castanhos lábios
Ou pra ser exato, lábios cor de açaí
E aqui, trem das cores, sábios projetos: Tocar na central
E o céu de um azul celeste celestial”

“Trem das Cores” de Caetano Veloso

A música de Caetano Veloso nos ilustra em versos um olhar impressionista. A impressão que nos passa é que ele passeia pela cidade com os canais perceptivos aguçados sobre os objetos e suas cores. A partir deste aquecimento, hoje damos seguimento à série de textos que aborda possíveis inspirações que o movimento impressionista pode proporcionar ao arteterapeuta. 
O impressionismo
As motivações iniciais do grupo de pintores impressionistas se davam em realizar um estudo ao vivo, direto e experimental, trabalhando de preferência às margens do Rio Sena. A ideia era representar da maneira mais imediata, com uma técnica rápida e sem retoques, a “impressão luminosa e a transparência da atmosfera da água” (ARGAN). Estavam fixados assim, na absoluta pureza da sensação visual, inaugurando toda uma nova pesquisa baseada na percepção:
“Se o artista se propõe a exprimir a sensação em estado puro, antes de ser elaborada e corrigida pelo intelecto, é porque ele julga que a sensação é uma experiência autêntica, e a noção intelectual uma experiência não autêntica, viciada por preconceitos ou convenções. A sensação, portanto, não é um dado, mas um estado de consciência; ademais, a consciência não se realiza na experiência vivida e refletida, e sim na experiência que se vive. Identifica-se, pois com a própria existência.” (ARGAN, 1993, p 97)  
Nesta proposta de uma experiência sensorial, apresentou-se uma questão. Monet propunha a eliminação de todos os intermediários entre ele e o objeto: não apenas as convenções de ateliê, mas também deixou de lado o sentimento e a sensibilidade. Seu foco era tão somente a percepção: “a pintura não deve representar o que está diante dos olhos, e sim o que está na retina do pintor”. (ARGAN)
Mas esta perspectiva não era um senso comum dentre os impressionistas. Sisley por exemplo, não conseguia se afastar inteiramente do sentimento da natureza para colocar unicamente a questão visual. Este pintor se concedia tempo para reconhecer a espécie das árvores, nas casas a disposição das paredes, do teto... Detinha-se assim na sensibilidade. 
Já Edgar Degas entendia que não é possível existir um novo jeito de ver sem um novo jeito de pensar, sendo o artista um ser empenhado em captar a realidade, em se apropriar do espaço. Para Degas:
“Não é apenas uma questão da vista, como declarava Monet: o impulso da inteligência que quer ver e captar é também um gesto da mão, de todo o ser físico e psíquico. Não é contemplação... Não é estático, mas dinâmico; como a existência é um todo, não há separação entre o sujeito que vê e o objeto visto.” (ARGAN, 1993, p  106)
Independente das diferentes visões, na imagem impressionista a forma era de certa maneira negligenciada e tudo se apresentava à vista dos artistas através da cor. Isso se dava porque ao observarem as paisagens, a quantidade de luz se identificava com a quantidade de cores. Acreditavam que “O pintor trabalha com as cores, assim como o poeta trabalha com as palavras.” (ARGAN)
Paul Cézanne "Natureza morta com cesta de maças"

 Kandinsky ao falar de Cézanne, dizia que este:
“Elevou a ‘natureza morta’ ao nível de objeto exteriormente ‘morto’ e interiormente vivo. Tratou os objetos como tratou o homem, pois tinha o dom de descobrir a vida interior em tudo. Captura-os e entrega-os à cor. Recebem dela a vida – uma vida interior.” (KANDINSKY, 1990, pag 50)

Em resumo, os impressionistas fizeram história quanto ao uso das cores:

“Hoje, um século depois do grande cisma que mudou a história da arte... tendemos a não perceber esse dado fundamental: a descoberta da cor como matéria autônoma da pintura. Antes, a cor da pintura era a cor das coisas, das roupas, das casas, das pessoas – e por isso ela aparecia no quadro conforme as características dos objetos e da luz ambiente. A libertação começa com os impressionistas e chega à sua plenitude com Matisse que, em alguns de seus quadros, a despoja de toda e qualquer dependência naturalista.” (GULLAR, 2012, p 39)
Do Impressionismo à Arteterapia 
Do que apreendemos da história dos impressionistas, nossa primeira inspiração se dá em estimular que o experimentador da Arteterapia invista em abrir seus canais perceptivos para aquilo que os cerca. Acredito que, como terapeutas, não nos interessa fazer uma diferenciação da percepção visual  dentro experiência humana de forma ampla. Ainda assim, a ampliação do olhar e o deixar-se impressionar com a “natureza”, promove uma ação de ampliação de perspectivas da visão sobre a vida como um todo.  

"Vaso de planta, pote de ouro" Trabalho de Arteterapia 

O despertar sobre as cores dos objetos e transpô-las para trabalhos plásticos tem a ação, conforme Kandinsky, de trazer vida. Cor é energia psíquica, emoções, afetos. Investir em cores é trazer vida para que pacientes exteriormente mortos reencontrem uma vida interior.

Outra inspiração bastante interessante se dá no fato de que os impressionistas tinham uma relação muito próxima com a cidade. Ao transporem as quatro paredes da academia, se deslocaram inicialmente para as margens do Rio Sena e dali partiram para outras paisagem de Paris e da França em geral. 


Neste contexto, podemos trazer como estímulo gerador, a relação do experimentador da Arteterapia com a sua cidade. Este tema foi vivenciado por um grupo arteterapêutico de idosos que coordenei em setembro de 2018. Neste dia refletimos sobre nossas impressões, percepções e relações com o Rio de Janeiro. Pensamos sobre as cores da cidade, aquecidos por fotografias de pontos turísticos. Pudemos  observar que cada fotografia trazia uma cor predominante: verde, azul, amarelo, lilás...

Levei ao grupo imagens com traços minimalistas de pontos turísticos da cidade, pedindo que eles trouxessem as cores do Rio de Janeiro para cada um deles, não necessariamente as cores literais, mas cores a partir de suas experiências com o lugar onde vivem. O material foi lápis aquarelável, para facilitar a experiência da pintura e mistura de cores em tons e degradês. 


Sem dúvida, este foi um encontro riquíssimo em que cada um pôde se experimentar como um impressionista do Rio de Janeiro. 

O ideal para esta atividade seria, naturalmente, que estivéssemos às margens dos pontos turísticos. Porém, não havendo esta oportunidade, trabalhamos sem prejuízo da técnica, com a fotografia destes pontos. 

Aliás, a amizade entre a fotografia e a pintura para a prática da Arteterapia é o tema do próximo texto. Até lá!


Referências Bibliográficas: 
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Ed Companhia das Letras, SP. 1993

GULLAR, Ferreira. Arte Contemporânea Brasileira. Ed Lazuli, SP. 2012

KANDINSKY, Wassily. Do Espiritual na Arte. Ed Martins Fontes, SP. 1990
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Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga. 

Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI

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