segunda-feira, 5 de agosto de 2019

SOBRE A ARTE E OS SORRISOS DE GENUÍNA GRATIDÃO


Suzane Guedes - RJ
olharparasi@gmail.com

Uma das alegrias de morar no Rio é me deparar vez ou outra com a arte na rua. Uma arte que nem sempre foi “de rua”, mas que com os desdobramentos políticos e sociais está cada vez mais presente nos espaços públicos. Artistas que querem dar a voz, literalmente, ao seu talento e não encontram espaço para expressá-lo. E essa falta de espaço vai sendo observada inclusive nos pequenos espaços que eles ocupam e fazem destes, grandes palcos e marcam seus lugares.

Nos trens dos metrôs isso fica visível e claro. Fazer do pouco o muito, do pequeno o grandioso. E a arte não é mesmo trabalhar com a criatividade, resiliência e adaptação? Quem teve a oportunidade de fazer um curso de teatro sabe da importância da improvisação. Na arte e na vida.

E num desses dias, entre minhas idas e vindas em vagões, me deparei com uma arte que não costumo enaltecer ou mesmo olhar com mais demora, mas parei para observar. Uma arte hip hop de alguns jovens que faziam barulho, mas em harmonia, e seus corpos dançavam como se tivessem elástico e muito ritmo. Nossa que incrível! A energia que eles emanavam contagiava os que estavam presentes e dispostos a presenciar. Tirou-me de um estado de desligamento e me convidou a entrar no clima e na vida real para além de meus próprios pensamentos e reflexões. Trouxe-me um sentimento de genuína gratidão por estar ali, vivenciando a vida na arte.

Pausa no texto que se iniciou em janeiro de 2019 e não foi concluído. 
Interessante, não?

Chegamos em junho do mesmo ano de 2019 com uma notícia de tirar o fôlego e nos depara no real da nossa política atual. “O Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) considerou inconstitucional a Lei Estadual 8120/2018, que regulamentava performances artísticas em estações de barcas, trem e metrô.” A decisão foi divulgada após uma ação movida pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), hoje senador, como informado por vários meios de comunicação.

"A cada um cabe escolher, de acordo com os seus valores e convicções, que tipo de arte e em que momento pretende assisti-la, não sendo razoável ou proporcional qualquer imposição, haja vista a possibilidade de simplesmente pretender exercer seu direito ao sossego, o que não é possível, diante da exposição a gritarias e ruídos estridentes de aparelhos musicais", escreveu o desembargador relator Heleno Ribeiro Pereira Nunes, do Órgão Especial do TJ-RJ.



Direito ao sossego... Essas palavras fizeram eco em meus ouvidos perante a disparidade que encontramos nossos meios públicos de transporte: que sossego? Desde quando andar em um transporte público na cidade do Rio de Janeiro é exemplo de sossego? Não querendo entrar em questões políticas, mas já entrando, pois arte é também um ato político, um ato de conexão e transferência.

 Inclusive em arteterapia, como bem coloca Eliana Moraes no texto “O manejo do fenômeno da projeção em Arteterapia”, do livro Pensando a Arteterapia, o material utilizado na produção arteterapêutica faz também um papel de contratransferência na relação terapeuta-cliente, e acredito sim, que a arte de rua também tem esse papel a nos tirar de nossas próprias projeções pessoais e sociais e conhecer o novo, novos sons, novos movimentos e que sejam, novos ruídos, para além dos nossos barulhos internos e das violências externas e medos cotidianos.

Fico pensando no que senti no metrô naquele dia do hip hop que me convidou a sair de mim e ir a outros mundos e o quanto me fez bem. Fico me lembrando das pessoas que também observo sendo espectadoras da arte nos locais públicos e os quantos sorrisos de genuína gratidão a arte desperta. Fico pensando em quantas vezes eu pude sentir alegria com a arte e em quantos desdobramentos já vi meus clientes sentirem boas emoções também através da arte, muitas vezes tendo sido convidados a experimentar pela primeira vez materialidades que eles não tinham vivência ou conforto algum. Fico pensando o quão potente a música é e nos desperta de estados de ânimos esvaziados nos reportando a estados de alma cheios de vivacidade. Fico pensando se quando os autores e executores das leis viajam para fora do país, se eles dão suas costas às artes ou admiram como superficiais, mas genuínos espectadores.

Meu convite sempre será para a simplicidade, genuinidade e sensibilidade. E existe caminho melhor que pela arte?

Com amor, Suzane Guedes.

Referência Bibliogrática:

MORAES, Eliana. Pensando a Arteterapia. Divino de São Lourenço, ES: Semente Editorial, 2018.

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Sobre a autora: Suzane Guedes


Suzane Guedes é Psicóloga (CES-JF), Especialista em Psicologia e Desenvolvimento Humano (UFJF) e Arteterapeuta (POMAR).
Colunista no blog O psicólogo Online, no qual escreve sobre Autoestima.
Atua nas cidades do Rio de Janeiro e Três Rios-RJ com atendimento clínico presencial a crianças, jovens, adultos e idosos; ministra grupos e oficinas terapêuticas. Também trabalha como orientação psicológica online.
Suzane acredita na psicoterapia e arteterapia como grande ferramenta de auxílio à transformação e desenvolvimento pessoal e social.

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