segunda-feira, 20 de outubro de 2025

O INSTANTE QUE FICA: SOBRE O EFÊMERO NA ARTE



 Por Mônica Ruibal - SP


Recentemente, participei de uma oficina que trazia o tema do efêmero na arte. Foi uma experiência que mexeu profundamente comigo — a ponto de me fazer buscar mais referências e mergulhar nesse universo. Ao vivenciar propostas em que a arte nascia e se desfazia em poucos instantes, percebi o quanto havia de aprendizado e de beleza nesse processo.

Efêmero vem do grego ephemeros, que significa “aquilo que dura apenas um dia”. É o que nasce e se desfaz rapidamente, como o orvalho da manhã ou uma flor que só se abre por instantes. O efêmero nos lembra de que nada é permanente — e talvez, exatamente por isso, seja tão intenso, raro e precioso.

Na arte, o efêmero se manifesta de muitas formas: desenhar na areia e ver o vento ou as ondas apagarem, criar imagens com gelo que se derrete diante dos olhos, riscar o chão com giz sabendo que a chuva logo o fará desaparecer. São obras que não podem ser guardadas ou replicadas, apenas vividas.

Esse caráter passageiro nos convida ao desapego. Não é possível se apegar ao objeto, à permanência ou ao resultado. O que importa é a experiência, o gesto, o encontro entre quem cria e quem testemunha. É a entrega de criar já sabendo que aquilo não permanecerá.

E é justamente aí que a arte efêmera nos ensina sobre presença. Ela nos ancora no instante, convida-nos a viver o agora, sem distrações de passado ou futuro. Porque tudo o que temos, de fato, é o momento presente — e a arte efêmera nos ajuda a percebê-lo com mais clareza e intensidade.

Talvez, por isso, essa forma de expressão nos toque tão profundamente: porque espelha a própria vida. Nós também somos feitos de momentos que se transformam, que passam, que deixam rastros. A arte efêmera não fala apenas da brevidade, mas da potência da presença — e de como podemos encontrar beleza no que não se pode guardar.

Quando penso no efêmero dentro do setting terapêutico, vejo o quanto ele pode ser potente. A arte efêmera abre espaço para que a experiência seja mais importante do que o produto — e isso faz toda a diferença no processo terapêutico.

Um exemplo recente aconteceu no atendimento de uma criança. Ela não queria pintar no papel, mas se deitou no colchonete. Peguei um giz e começamos a desenhar ali, diretamente na superfície. No final da sessão, precisei limpar tudo e percebi: aquele momento foi uma expressão efêmera. A criação se deu no instante e se desfez, mas deixou marcas simbólicas profundas no processo.

Esse caráter passageiro é extremamente fértil em Arteterapia. Desenhar numa bandeja de areia, sabendo que basta um movimento para apagar. Construir uma escultura com objetos soltos, sem colar, permitindo que ela se desmonte. Rabiscar o chão com giz, com a consciência de que a chuva virá. Brincar com água em seringas, deixando-a escorrer ou se misturar em cores que logo desaparecem. Pintar com gelo colorido que derrete. Todas essas propostas trazem o efêmero como experiência criativa e terapêutica.

Na clínica, essas vivências ajudam a trabalhar temas como:

Desapego: aprender a deixar ir e lidar com o não permanente.

Presença: valorizar o aqui e agora, vivendo o momento sem expectativas.

Processo criativo: permitir-se experimentar sem a pressão de um resultado.

Simbólico: reconhecer que mesmo o que desaparece pode ter sentido e transformar.

Na Arteterapia, o efêmero nos lembra de que não é preciso fixar tudo para que algo faça sentido. Muitas vezes, o que desaparece no papel, na areia ou na água permanece dentro de quem viveu a experiência. O traço que se apaga, a cor que escorre, a forma que se desmancha — tudo isso encontra outro lugar para existir: na memória, na emoção, no corpo.

Assim também é a vida. Nada dura para sempre, mas cada instante pode ser pleno de sentido.

A arte efêmera nos convida a acolher a passagem, a transformar o desapego em força e a presença em caminho.

Porque, no fundo, a beleza não está em guardar para sempre — mas em viver verdadeiramente enquanto acontece.

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Sobre a autora: Mônica Ruibal


De São Paulo, graduada em Pedagogia com pós graduação em Arteterapia e Arte Reabilitação

Especialista em autismo, atuando em equipe multidisciplinar.

Em 2024 foi convidada a compor um painel sobre Arteterapia no Tearteiro, maior Festival de Autismo e Arte da América Latina.

 ARTBRAZIL, em Fort Lauderdale, expondo a sua arte e promovendo workshops sociais sobre o tema Autismo. 

Criadora do grupo Arte Autismo onde promove encontros e workshops sobre o tema.

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