Recentemente, participei de uma oficina que trazia o tema do
efêmero na arte. Foi uma experiência que mexeu profundamente comigo — a ponto
de me fazer buscar mais referências e mergulhar nesse universo. Ao vivenciar
propostas em que a arte nascia e se desfazia em poucos instantes, percebi o
quanto havia de aprendizado e de beleza nesse processo.
Efêmero vem do grego ephemeros, que significa “aquilo que
dura apenas um dia”. É o que nasce e se desfaz rapidamente, como o orvalho da
manhã ou uma flor que só se abre por instantes. O efêmero nos lembra de que
nada é permanente — e talvez, exatamente por isso, seja tão intenso, raro e
precioso.
Na arte, o efêmero se manifesta de muitas formas: desenhar na
areia e ver o vento ou as ondas apagarem, criar imagens com gelo que se derrete
diante dos olhos, riscar o chão com giz sabendo que a chuva logo o fará
desaparecer. São obras que não podem ser guardadas ou replicadas, apenas
vividas.
Esse caráter passageiro nos convida ao desapego. Não é
possível se apegar ao objeto, à permanência ou ao resultado. O que importa é a
experiência, o gesto, o encontro entre quem cria e quem testemunha. É a entrega
de criar já sabendo que aquilo não permanecerá.
E é justamente aí que a arte efêmera nos ensina sobre
presença. Ela nos ancora no instante, convida-nos a viver o agora, sem
distrações de passado ou futuro. Porque tudo o que temos, de fato, é o momento
presente — e a arte efêmera nos ajuda a percebê-lo com mais clareza e
intensidade.
Talvez, por isso, essa forma de expressão nos toque tão
profundamente: porque espelha a própria vida. Nós também somos feitos de
momentos que se transformam, que passam, que deixam rastros. A arte efêmera não
fala apenas da brevidade, mas da potência da presença — e de como podemos
encontrar beleza no que não se pode guardar.
Quando penso no efêmero dentro do setting terapêutico, vejo o
quanto ele pode ser potente. A arte efêmera abre espaço para que a experiência
seja mais importante do que o produto — e isso faz toda a diferença no processo
terapêutico.
Um exemplo recente aconteceu no atendimento de uma criança.
Ela não queria pintar no papel, mas se deitou no colchonete. Peguei um giz e
começamos a desenhar ali, diretamente na superfície. No final da sessão,
precisei limpar tudo e percebi: aquele momento foi uma expressão efêmera. A
criação se deu no instante e se desfez, mas deixou marcas simbólicas profundas
no processo.
Esse caráter passageiro é extremamente fértil em Arteterapia.
Desenhar numa bandeja de areia, sabendo que basta um movimento para apagar.
Construir uma escultura com objetos soltos, sem colar, permitindo que ela se
desmonte. Rabiscar o chão com giz, com a consciência de que a chuva virá.
Brincar com água em seringas, deixando-a escorrer ou se misturar em cores que
logo desaparecem. Pintar com gelo colorido que derrete. Todas essas propostas
trazem o efêmero como experiência criativa e terapêutica.
Na clínica, essas vivências ajudam a trabalhar temas como:
Desapego: aprender a deixar ir e lidar com o não permanente.
Presença: valorizar o aqui e agora, vivendo o momento sem
expectativas.
Processo criativo: permitir-se experimentar sem a pressão de
um resultado.
Simbólico: reconhecer que mesmo o que desaparece pode ter
sentido e transformar.
Na Arteterapia, o efêmero nos lembra de que não é preciso
fixar tudo para que algo faça sentido. Muitas vezes, o que desaparece no papel,
na areia ou na água permanece dentro de quem viveu a experiência. O traço que
se apaga, a cor que escorre, a forma que se desmancha — tudo isso encontra
outro lugar para existir: na memória, na emoção, no corpo.
Assim também é a vida. Nada dura para sempre, mas cada
instante pode ser pleno de sentido.
A arte efêmera nos convida a acolher a passagem, a
transformar o desapego em força e a presença em caminho.
Porque, no fundo, a beleza não está em guardar para sempre —
mas em viver verdadeiramente enquanto acontece.
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Sobre a autora: Mônica Ruibal
De São Paulo, graduada em Pedagogia com pós graduação em Arteterapia e Arte Reabilitação
Especialista em autismo, atuando em equipe multidisciplinar.
Em 2024 foi convidada a compor um painel sobre Arteterapia no Tearteiro, maior Festival de Autismo e Arte da América Latina.
ARTBRAZIL, em Fort Lauderdale, expondo a sua arte e promovendo workshops sociais sobre o tema Autismo.
Criadora do grupo Arte Autismo onde promove encontros e workshops sobre o tema.
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