segunda-feira, 20 de abril de 2020

DISTORÇÕES COGNITIVAS E A ARTETERAPIA


Por Juliana Mello – RJ
entrelinhas.artepsi@gmail.com


A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), como mencionei em textos anteriores, trabalha com o conceito de que os pensamentos influenciam nossas emoções e comportamentos. Quando nossos pensamentos estão disfuncionais, ficamos paralisados diante das situações e/ou nos comportamos de forma inadequada, nos afastando dos objetivos desejados. O que acontece então, é que acabamos em um ciclo vicioso, sem entender o motivo pelo qual não conseguimos chegar aonde queremos. Esses pensamentos são automáticos e nos guiam repetidamente em uma mesma direção.

Esses pensamentos disfuncionais criam ideias distorcidas sobre nós mesmos, os outros e as circunstâncias, o que é conhecido como Distorção Cognitiva, causando prejuízos emocionais e comportamentais. Porém, os pensamentos são só pensamentos e quando identificamos as distorções cognitivas, podemos então buscar evidencias que comprovem ou não esses pensamentos, nos auxiliando a flexibilizar nossa percepção sobre uma situação. A ideia inicial não é fazer com que o pensamento desapareça, mas sim criarmos outras perspectivas de se pensar algo.

A Distorção Cognitiva é um mecanismo automático que nossa mente se utiliza para nos fazer acreditar que um pensamento disfuncional é verdadeiro, real. Ela aparece de forma inconsciente (Cognitivo) e nos faz agir de acordo consigo. De acordo com Leahy e colaboradores (2013):

“Os pensamentos automáticos podem ser categorizados como distorções ou vieses [ ]. Esses pensamentos são conectados às regras condicionais de pressupostos [ ].  Além disso, os pressupostos estão ligados a crenças nucleares ou esquemas pessoais que o indivíduo tem sobre si mesmo ou sobre os outros [ ].” (LEAHY, 2013)

Ao identificarmos as distorções, podemos refutá-las e alcançar a reestruturação cognitiva. Existem várias distorções, e todos nós a temos em algum nível. Como exemplo temos: Atenção Seletiva (foco somente no problema), Pensamento Dicotômico (tudo ou nada, preto ou branco), Leitura mental (saber o que o outro está pensando e vice-versa), Desqualificação dos aspectos positivos (as realizações positivas não têm importância, são triviais), entre outras.

Como a distorção cognitiva é automática, e muitas vezes nem sabemos o que estamos pensando, podemos utilizar de técnicas da Arteterapia para auxiliar nessa tomada de consciência do que está disfuncional. Através de materiais lúdicos, podemos trazer nossos pensamentos para o concreto, dar forma para algo que está no campo das ideias.


Casos clínicos:

G, 27 anos, trabalha na área de beleza, chegou ao consultório com queixa sobre as relações interpessoais (amizade e família). Durante o processo, chegamos a ideias sobre a autoestima. Para realizarmos uma atividade para trabalhar este fator, propus a música “Eu, caçador de mim”, do Milton Nascimento, para que ao escutá-la, fizesse linhas ao acaso, com os olhos fechados. Posteriormente, pedi que procurasse imagens nas linhas, o que foi relatado como: “muito difícil, não consigo encontrar algo concreto no abstrato”. É possível destacar a Distorção Cognitiva “Dicotomia”, sendo reforçado posteriormente pelo surgimento do símbolo Yin-Yang, que tem as cores preto e branco. Foi realizada uma pesquisa sobre este símbolo, no qual ela encontrou como equilíbrio o cinza. Utilizamos, então, tinta preta e branca, na técnica de monotipia. O resultado foi que o preto e o branco não se misturaram. A identificação e flexibilização da Distorção ainda está em andamento.





C, 25 anos, trabalha na área de saúde, chegou ao consultório com crise de ansiedade, ao sentir melhora, encerrou os atendimentos. Recentemente retornou, por preocupação em ter novamente a crise. Em uma das sessões, informou que não tinha nada para relatar naquele dia, então pedi que escolhesse uma música que pudesse descrever seu momento atual. A música escolhida foi “A meta é ficar bem” – Delacruz. Foi solicitado escutar a música e fazer linhas ao acaso. Ao abrir os olhos se sentiu decepcionada, pois acreditava estar utilizando o papel inteiro e sentiu como se não conseguisse prosseguir na sua vida, pois ficava em círculos em um único local. Observamos a Distorção Cognitiva Atenção seletiva, pois o foco foi somente no problema e Desqualificação dos aspectos positivos, pois se a imagem não saiu como planejado, então nada na vida dela está funcionando, que ela nunca vai conseguir, eliminando o que ela já progrediu até o momento.


Fechamento:

No momento atual do COVID-19, o que as Distorções Cognitivas podem nos apresentar? Muitas pessoas acabam apresentando a Atenção Seletiva, focando somente no problema (falta de condições em hospitais, notícias desagradáveis, mortes) com o Catastrofismo, onde tudo que está acontecendo é insuportável e que o mundo não será capaz de passar por essa crise. Além da Adivinhação do Futuro, que as coisas só vão piorar e que não haverá solução para essa doença. Isso gera muita angústia, pode resultar em crises de ansiedade, pânico e depressão.

É importante então, se unir a família como uma forma de suporte e buscar um lado mais criativo para vivenciar a quarentena, buscando novas possibilidades, como leitura em família, contar histórias positivas sobre o passado (acontecimentos marcantes), escutar música, dançar, se for possível estudar algo que estava querendo há muito tempo. Essa pandemia nos traz a possibilidade de autoconhecimento. Entendendo que, vão existir momentos ociosos, onde não se tem vontade de fazer nada, mas que isso também faz parte desse momento que é novo para todos nós.

Bibliografia:

LEAHY, L Robert. Técnicas de Terapia Cognitiva: Manual do terapeuta. Artmed: Porto Alegre, 2006.

LEAHY, L Robert; TIRCH, Dennis; NAPOLITANO, Lisa A. Regulação Emocional em Psicoterapia. Artemed: Porto Alegre, 2013. 


_______________________________________________________________________________

Sobre a autora: Juliana Mello



Psicóloga, Arteterapeuta e Coach
Atendimento clínico  individual e grupo om criança, adolescente, adulto e idoso.
Abordagem em Terapia Cognitivo- Comportamental e Arteterapia
Palestras e Workshop motivacionais.

8 comentários:

  1. Comentário enviado por Beatriz Coelho:
    Adorei o texto Juliana. Muito esclarecedor e nos presta um grande auxílio para monitorarmos esses pensamentos automáticos, involuntarios, que tanto nos prejudicam Vou reler. Muito muito obrigada Beatriz Coelho

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Juliana. Texto bem elaborado e esclarecedor. Amei.

    ResponderExcluir
  3. Juliana muito bom.Seu trabalho e Ímpar, continue !precisamos ler, nos envolver e continuar caminhando e cantando. Denise Montalvao

    ResponderExcluir
  4. Adorei os esclarecimentos e estratégia, tentarei colocar em prática!

    ResponderExcluir
  5. O seu texto está muito bom. Completo e pertinente.
    As pessoas estão sem enxergar possibilidade de vida após o "codovid" e na realidade a História conta que humanidade já passou por muitas situações semelhantes e até maiores. Então qual seria o real problema?
    Segundo o doutor Augusto Cury em seu estudo sobre a Inteligência Multifocal, ele relata que o grande problema é que somos emocionalmente crianças, sem capacidade de receber um não ou lidar com perdas e frustrações. Por isso surtamos e não sabemos lidar com nossos medos.
    Que possamos nos reinventar, buscar saída além do caos e superar os limites. Parabéns seu material é oportuno, sensato e encorajador.

    ResponderExcluir
  6. Parabéns Ju adorei o texto...com tanta coisa sobre depressão quase não se fala dessas distorções..que são tão ruins quanto, devido ao nosso atual momento.. aliás creio eu, que depois de tudo isso o número de pessoas com doenças psicológicas e depressão tende a aumentar... concordo com vc quando, em meio a tudo isso, só nos resta esperança do verbo esperançar...ou seja tentar nesse momento agarrar as oportunidades apresentadas e sair dele mais forte do que nunca. Desejo a todos nós muita força e fé para passar por tudo isso. Flavinha. Bjs.

    ResponderExcluir
  7. Juliana,
    hoje li pela segunda vez o seu texto.
    Sua introdução me ajuda a conhecer um pouco mais sobre conceitos; as práticas descritas acho sempre muito interessantes pois ao mesmo tempo que vou lendo, minha mente já começa a visualizar futuras sessões como as propostas aqui ou mesmo utilizando-as como inspiração, pois a nossa mente é capaz de ir além do que nos é apresentado.
    Aproveitei para escutar a música “A meta é ficar bem” enquanto lia o segundo caso, pois não a conhecia ...
    E esse fechamento caiu como uma luva para mim.
    Parabéns pelo texto !
    Claudia Abe

    ResponderExcluir
  8. Excelente texto Como sempre muito esclarecedor, com seu trabalho hoje consigo identificar quando esses pensamentos estão me rondando e rapidamente acendo a luz , hoje até consigo identificar esses pensamentos disfuncionais em outras pessoas, já até ajudei um amigo a procurar terapia. Obrigada por sua dedicação e amor ao que faz. Parabéns bjus

    ResponderExcluir