Por
Eliana Moraes (MG) RJ
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@naopalavra
Neste
ano tenho me dedicado mais profundamente à reflexão e busca de possibilidades
quanto ao reaproveitamento de materiais nas práticas da Arteterapia. Este tema
vem me atravessando há algum tempo, porém mais assertivamente desde a
publicação do texto “Hécate” de Laila Alves de Souza. CLIQUE AQUI
Desta
reflexão nasceu alguns textos* e o encontro vivencial “O que é bom para lixo, é bom para poesia”, oferecido pelo Não
Palavra em diversos espaços ao longo do ano. Nesta vivência, refletimos sobre o
tempo de escassez ao qual estamos vivendo. Na escuta clínica, ela se apresenta
com frases como “não tenho”, “não posso”, “não há mais”. Ao acreditarmos nestes
imperativos limitantes, a vida vai reduzindo-se, empobrecendo-se. Mas a pergunta que se faz é: diante de tantas
impossibilidades, o que ainda é possível? Diante de tanto “não ter”, o que
ainda temos?
Esta
reflexão também transborda para os materiais em Arteterapia. Não estamos em
tempos de mesa farta e isto não pode ser vivido como a impossibilidade do
criar. Pelo contrário, aqui nasce o convite à uma outra criatividade, aquela
que se faz a partir do muito pouco ou quase nada. Este é o verdadeiro desafio
de nossos tempos.
Neste
contexto tenho pensado sobre possíveis materiais aos quais inicialmente seriam
descartados e por já terem cumprido sua função primordial, seriam jogados no
lixo. Porém, se sairmos do movimento automático, dispensarmos um pouco de
atenção e nos demorássemos a observar aquilo que em um primeiro olhar seria
desinteressante e desimportante, quantas possibilidades e riquezas seriam
descobertas!
Um
dos materiais que mais ganho como sucata, são bandejas de isopor e suas
variáveis. São aquelas bandejas que servem de suporte de mercadorias, como pizzas, bolos, frios, carnes, frutas... Este
material altamente descartável em nosso cotidiano, vale a pena ser observado. Embora
o isopor seja considerado um material ecológico já que não contamina o solo, a
água e o ar, na natureza ele demora 150 anos a ser degradado. Mas um ponto
positivo é que este material é altamente reciclável e reaproveitável.
Cabe
aqui o discernimento entre o que é reciclar e reaproveitar materiais. A
reciclagem subentende o processamento de um item com o intuito de produzir um
outro produto útil, como por exemplo as garrafas pet que podem se transformar
em fibras de poliéster, o chamado “tecido pet”. Já no reaproveitamento ou
reutilização de materiais o item não é transformado em um novo produto, mas
pode ser reaproveitado em diversas possibilidades de uso, como papéis que podem
ser usados como blocos de rascunho ou garrafas que podem se tornar objetos de
decoração.
Embora
o reaproveitamento de materiais não colabore diretamente na questão dos
resíduos como a reciclagem, ela contribui enormemente para a gestão do lixo,
reaproveitando uma matéria prima que seria facilmente descartada em lixões ou
aterros. Sendo assim ela age contra a cultura do desperdício e colabora para a
redução da exploração de recursos naturais para a produção de novos materiais.
O
discurso do empobrecimento dos recursos é antagônico à uma das grandes
preocupações ambientais da atualidade: o elevado consumo humano de produtos que
são facilmente descartados, quando poderiam ser reutilizados. No entanto, são
transformados apenas em lixo e poluição para nosso planeta.
Como
arteterapeutas, trabalhamos essencialmente com materiais, e assim entendo que
devemos pensar sobre como estamos administrando-os. Se os utilizamos de forma
sábia e sustentável ou se ainda operamos com a lógica da fartura, do consumo e
do desperdício.
Este
é um terreno ainda novo para mim, mas tenho me dedicado à busca de novas
alternativas e inspirações. Hoje compartilho algumas possibilidades que tenho
explorado na reutilização de bandejas de isopor em minha prática
arteterapêutica.
O isopor em técnicas de
Arteterapia
Desenho
O isopor reage muito bem como um suporte para desenho quando utilizado com pastel oleoso e seco. Neste contexto ele pode substituir o uso do papel alcançando um excelente resultado. E ainda possível explorar sua forma original como superfície. Se redondo, serve como uma mandala. Em forma de bandeja é possível explorá-lo como uma superfície tridimensional: além da altura e largura, contempla a profundidade.
Colagem
Para
colagens diversas, a bandeja de isopor também pode ser utilizada como
superfície análoga ao papel. Mas outra técnica interessante se dá com a
possibilidade de quebrá-la em pedaços e dos fragmentos nascer uma nova forma e
composição.
Quando
a questão terapêutica gira em torno da palavra “quebra” – de padrões, de
pensamentos, crenças e enrijecimentos diversos – o ato de quebrar e recompor
sob novas combinações mostra-se um processo bastante simbólico dentro do
setting arteterapêutico. Em um segundo momento é possível explorar as cores
desta nova composição, na imagem e na vida.
Gravura
A
gravura é uma imagem obtida através da impressão dos traços gravados em uma
matriz. O material da matriz pode variar e é ela quem nomeará o tipo de
gravura. Por exemplo, xilogravura é o nome que se dá para a impressão de uma
imagem gravada em madeira. Litogravura, a impressão sobre pedra.
No
contexto do setting arteterapêutico é possível reproduzir esta técnica gravando
traços sobre a superfície do isopor com diversos materiais de corte, como palitos
variados ou pregos. Uma vez que a matriz é preservada, a impressão pode ser
feita e refeita inúmeras vezes em papeis com diferentes gramaturas e cores.
Este
trabalho é interessante ao proporcionar que o autor marque na superfície os
traços aos quais deseja deixar gravado, registrando ali a sua marca e desta forma poderá potencializar a manifestação daquilo que deseja transmitir para si e para "o mundo". Em um
segundo momento, explorar diversas possibilidades de impressão a partir de uma
mesma matriz, mostra-se como uma experiência muito rica e bastante simbólica em
uma jornada de autoconhecimento.
O
exercício do olhar que reaproveita os materiais (a princípio) descartáveis
enfim torna-se uma postura de vida. Ao compreendermos a profundidade deste
hábito dentro do processo criativo, naturalmente conseguiremos enxergar com
outros olhos tantos recursos antes negligenciados, seja na vida objetiva mas
também na subjetiva. Desta forma, é possível atravessar o tempo de escassez de
outra maneira, experimentando outras possibilidades.
E
você? Como reaproveita seus recursos materiais e psíquicos?
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI
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