Por Eliana Moraes (MG) RJ
Instagram: @naopalavra
Tenho estimulado o estudo da
ARTE aos arteterapeutas e estudantes. Em minha jornada profissional, o mergulho
no estudo da arte foi o grande pulo do gato para que eu migrasse de uma
psicóloga que utilizava de técnicas expressivas para uma arteterapeuta
propriamente dita, e assim me encontrei profissionalmente.
Neste sentido tenho sustentado
o grupo de estudos “Teorias da Arte e Arteterapia” e tem sido um espaço muito
potente de pesquisa, troca, aprendizado, aplicações e teorizações, para cada
participante, incluindo-me.
Percebo que não apenas na
formação de Arteterapia, mas em diversos seguimentos que contemplam a
disciplina História da Arte, o conteúdo transmitido academicamente se dá de
forma racionalizada, impessoal e pouquíssimo contextualizado ou aplicável ao
ouvinte e sua área de interesse. Estudar História da Arte é muito mais do que
absorver datas, períodos, (apenas) pinturas e nomes de artistas. Ali existe um
verdadeiro universo a ser explorado, verdadeiramente compreendido e aplicado
como ensinamentos ou inspirações para nossa vida prática e atual, em diversos
contextos e seguimentos. Basta desenvolvermos nosso olhar e escuta da maneira
apropriada.
No caminho de estudar História
da Arte para dialoga-la com a Arteterapia, me deparei com o livro “Arte como Terapia”, que muito
enriqueceu meu estudo. Hoje trago alguns fragmentos e comentários deste livro,
ao qual recomento a leitura aos arteterapeutas, pois com sua linguagem tão
acessível e próxima do leitor, corrobora com este pensamento:
“Este livro sugere outra abordagem. Os
especialistas deviam pensar em como conectar melhor o espírito das obras que
admiram às fragilidades psicológicas dos seus ouvintes... A essa luz, os acadêmicos
tratariam... todas as obras de arte com a seguinte pergunta humana: ‘Quais
lições você está tentando nos ensinar que podem nos ajudar na vida?’ Qualquer
coisa que não seja isso, por mais inteligente e carregada de informação que
seja, não passaria de mera preparação ou distração.“ pag 87
É importante ressaltar que,
embora o livro traga em seu nome “A Arte como terapia”, ele não contempla a
perspectiva ao qual o arteterapeuta está habituado: o fazer arte, o ato
criativo, o sujeito em contato direto com os materiais e a criação. Sua
reflexão se dirige ao potencial terapêutico de se contemplar uma obra de arte, tendo o sujeito como espectador e fruidor da obra:
“... a arte tem o poder de ampliar nossas
capacidades para além dos limites originalmente impostos pela natureza. A arte
compensa algumas de nossas fraquezas inatas, nesse caso, mais mentais do que
físicas, fraquezas que podemos chamar de fragilidades psicológicas.
Aqui, propomos que a arte... é um meio terapêutico que pode ajudar a guiar, incentivar e
consolar o espectador, permitindo-lhe
evoluir.” Pag 5
De fato, seus autores, Alain
de Botton e John Armstrong falam do campo da filosofia e não do campo psi. Ao
longo do livro, fica claro que os conteúdos abordados pelos autores são
problemas da filosofia, como o amor, a natureza, o dinheiro e a política, além
de ficar nítido não haver alguma teoria da psicologia para embasar suas
reflexões.
De toda forma, os temas
abordados, profundamente humanos, e a maneira de expô-los são extremamente
ricos para instrumentalizar nossa escuta clínica – individual e coletiva –
enquanto nos coloca em contato direto com obras de arte que dialogam com
questões humanas variadas.
Nesta perspectiva, os autores
apontam cinco possíveis leituras da arte: leitura técnica, leitura política,
leitura histórica, leitura do caráter contestador e por fim uma leitura terapêutica,
proposta por eles:
“Este livro apresenta um quinto critério
para julgar a arte: ela pode ser importante por nos ajudar de maneira
terapêutica... A adoção desse quinto critério traz uma série de consequências
para o entendimento do cânone. Tal leitura permite esboçar o que pode estar
acontecendo no nosso íntimo quando dizemos que uma obra é boa ou ruim. Podemos
acabar gostando das mesmas obras consideradas importantes pelas outras leituras,
mas será por motivos diferentes: porque
ajudaram a nossa alma. Obter algo com a arte não significará apenas
aprendermos a seu respeito, mas também uma
autoinvestigação. Teremos de estar dispostos a olhar dentro de nós mesmos,
reagir ao que vemos. A arte será considerada boa ou ruim não per se, mas para nós...” pag 72
Embora os autores não tragam
formalmente o conceito de projeção, percebemos que em todo tempo, fazem
referência a este fenômeno: quando o sujeito tem um encontro com um objeto e
nele deposita conteúdos inconscientes para si, animando-o e elevando-o à
condição de uma espécie de espelho, ao qual tem a capacidade de iluminar e
trazer para a consciência aquilo que ele não se reconhece:
“... de vez em quando, topamos com obras
de arte que parecem agarrar algo que sentimos, mas que nunca havíamos notado
com clareza. Alexander Pope identificou como função central da poesia tomar os
pensamentos que sentimos incompletos e lhes dar expressão clara: aquilo que
‘era pensado com frequência, mas nunca tão bem expressado’. Em outras palavras,
uma parte esquiva e fugidia do nosso pensamento, da nossa experiência, é pega,
editada e devolvida a nós melhor do que era antes, de forma que enfim sentimos que
nos conhecemos com mais nitidez.” Pag 44
Sendo assim, a arte atuaria
como:
“Um guia para o autoconhecimento: A arte
pode nos ajudar a identificar o que é central para nós, mas difícil de
expressar em palavras. Boa parte do que é humano não está prontamente acessível
na linguagem. Podemos segurar um objeto artístico e dizer, de maneira confusa
mas significativa: ‘Isso sou eu’.” Pag 65
Ao longo do livro, fica clara
a perspectiva otimista pelo qual os autores visualizam e abordam os temas e
manifestações artísticas (ao meu ver, até um pouco excessiva. Por outro lado,
eu também acredito que uma boa dose de otimismo é bem-vinda nos dias atuais).
Ainda assim, eles não deixam de mencionar os momentos em que as expressões
artísticas podem nos causar estranheza, desconforto e incômodo:
“O envolvimento com a arte é útil porque
nos apresenta exemplos vigorosos do tipo de material estranho que aciona as
defesas de tédio e medo e nos concede tempo e privacidade para aprendermos a
lidar de forma mais estratégica com isso. Um primeiro e importante passo para
superar a posição defensiva diante da arte é nos tornarmos mais receptivos à
estranheza que sentimos em certos contextos. Não precisamos nos odiar por causa
disso: muitas obras de arte, afinal, resultam de concepções de mundo
radicalmente distintas da nossa.” Pag 53
Sem mencionar diretamente o
conceito de sombra, os autores refletem sobre a importância de nos expormos
àquilo que nos é estranho para que possamos nos (re)conhecer e assim crescer
como seres humanos:
“A arte que começa nos parecendo estranha
é valiosa porque nos apresenta ideias e atitudes que dificilmente
encontraríamos em nosso ambiente costumeiro e que nos são necessárias para
termos pleno envolvimento com nossa humanidade... elas continuarão adormecidas
até serem atiçadas, espicaçadas e provocadas de modo útil pelo mundo... É
quando encontramos pontos de contato com o desconhecido que somos capazes de
crescer.” pag 58
Este livro nos presenteia com
inúmeras reflexões relativas ao campo da arte aplicada à vida cotidiana que em
próximos textos pretendo mencionar e reitero o convite desta leitura aos
arteterapeutas e estudantes. Por hoje, encerro com um dos benefícios
terapêuticos à contemplação de obras de arte, desenvolvidos pelos autores, o
sensibilizar. Pois a arte é:
“Um instrumento de recuperação da
sensibilidade: A arte remove nossa casca e nos salva do habitual descaso pelo
que está ao redor. Recuperamos a sensibilidade; olhamos o velho de novas
maneiras.” pag 65
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
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Referência Bibliográfica:
BOTTON, Alain de & ARMSTRONG, John. Arte como terapia. Editora Intrínseca, Rio de Janeiro, 2014.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI
Comentário enviado por Beatriz Coelho:
ResponderExcluirVerdade. Através da Arte podemos nos ver melhor, Ela "amplia nossas capacidades", as obras "consolam o espectador", "ajudam a nossa alma", "iluminam": os céus de Van Gogh, as meninas engolidas pela onda de Camille Claudel, a serenidade doméstica das pinturas de Vermeer, o mistério das mulheres de Gauguin, as reverberações impressionistas, as deformações de El Greco, a Crítica sutilmente colocada em Goya, "O Grito" de Munch que até viralizou nas redes, (sinal dos tempos?), as camadas de realidade e inconsciente de Dali... Sim, continuemos de mãos dadas com a Arte que corajosamente esfrega nossas cegueiras! Parabéns, Eliana!