segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

“ARTE COMO TERAPIA”: Leituras, reflexões e comentários



Por Eliana Moraes (MG) RJ
Instagram: @naopalavra


Tenho estimulado o estudo da ARTE aos arteterapeutas e estudantes. Em minha jornada profissional, o mergulho no estudo da arte foi o grande pulo do gato para que eu migrasse de uma psicóloga que utilizava de técnicas expressivas para uma arteterapeuta propriamente dita, e assim me encontrei profissionalmente.
Neste sentido tenho sustentado o grupo de estudos “Teorias da Arte e Arteterapia” e tem sido um espaço muito potente de pesquisa, troca, aprendizado, aplicações e teorizações, para cada participante, incluindo-me.  
Percebo que não apenas na formação de Arteterapia, mas em diversos seguimentos que contemplam a disciplina História da Arte, o conteúdo transmitido academicamente se dá de forma racionalizada, impessoal e pouquíssimo contextualizado ou aplicável ao ouvinte e sua área de interesse. Estudar História da Arte é muito mais do que absorver datas, períodos, (apenas) pinturas e nomes de artistas. Ali existe um verdadeiro universo a ser explorado, verdadeiramente compreendido e aplicado como ensinamentos ou inspirações para nossa vida prática e atual, em diversos contextos e seguimentos. Basta desenvolvermos nosso olhar e escuta da maneira apropriada. 
No caminho de estudar História da Arte para dialoga-la com a Arteterapia, me deparei com o livro “Arte como Terapia”, que muito enriqueceu meu estudo. Hoje trago alguns fragmentos e comentários deste livro, ao qual recomento a leitura aos arteterapeutas, pois com sua linguagem tão acessível e próxima do leitor, corrobora com este pensamento:
“Este livro sugere outra abordagem. Os especialistas deviam pensar em como conectar melhor o espírito das obras que admiram às fragilidades psicológicas dos seus ouvintes... A essa luz, os acadêmicos tratariam... todas as obras de arte com a seguinte pergunta humana: ‘Quais lições você está tentando nos ensinar que podem nos ajudar na vida?’ Qualquer coisa que não seja isso, por mais inteligente e carregada de informação que seja, não passaria de mera preparação ou distração.“ pag 87
É importante ressaltar que, embora o livro traga em seu nome “A Arte como terapia”, ele não contempla a perspectiva ao qual o arteterapeuta está habituado: o fazer arte, o ato criativo, o sujeito em contato direto com os materiais e a criação. Sua reflexão se dirige ao potencial terapêutico de se contemplar uma obra de arte, tendo o sujeito como espectador e fruidor da obra:
“... a arte tem o poder de ampliar nossas capacidades para além dos limites originalmente impostos pela natureza. A arte compensa algumas de nossas fraquezas inatas, nesse caso, mais mentais do que físicas, fraquezas que podemos chamar de fragilidades psicológicas. 
Aqui, propomos que a arte... é um meio terapêutico que pode ajudar a guiar, incentivar e consolar o  espectador, permitindo-lhe evoluir.” Pag 5 

De fato, seus autores, Alain de Botton e John Armstrong falam do campo da filosofia e não do campo psi. Ao longo do livro, fica claro que os conteúdos abordados pelos autores são problemas da filosofia, como o amor, a natureza, o dinheiro e a política, além de ficar nítido não haver alguma teoria da psicologia para embasar suas reflexões. 
De toda forma, os temas abordados, profundamente humanos, e a maneira de expô-los são extremamente ricos para instrumentalizar nossa escuta clínica – individual e coletiva – enquanto nos coloca em contato direto com obras de arte que dialogam com questões humanas variadas. 
Nesta perspectiva, os autores apontam cinco possíveis leituras da arte: leitura técnica, leitura política, leitura histórica, leitura do caráter contestador e por fim uma leitura terapêutica, proposta por eles:
“Este livro apresenta um quinto critério para julgar a arte: ela pode ser importante por nos ajudar de maneira terapêutica... A adoção desse quinto critério traz uma série de consequências para o entendimento do cânone. Tal leitura permite esboçar o que pode estar acontecendo no nosso íntimo quando dizemos que uma obra é boa ou ruim. Podemos acabar gostando das mesmas obras consideradas importantes pelas outras leituras, mas será por motivos diferentes: porque ajudaram a nossa alma. Obter algo com a arte não significará apenas aprendermos a seu respeito, mas também uma autoinvestigação. Teremos de estar dispostos a olhar dentro de nós mesmos, reagir ao que vemos. A arte será considerada boa ou ruim não per se, mas para nós...” pag 72
Embora os autores não tragam formalmente o conceito de projeção, percebemos que em todo tempo, fazem referência a este fenômeno: quando o sujeito tem um encontro com um objeto e nele deposita conteúdos inconscientes para si, animando-o e elevando-o à condição de uma espécie de espelho, ao qual tem a capacidade de iluminar e trazer para a consciência aquilo que ele não se reconhece:
“... de vez em quando, topamos com obras de arte que parecem agarrar algo que sentimos, mas que nunca havíamos notado com clareza. Alexander Pope identificou como função central da poesia tomar os pensamentos que sentimos incompletos e lhes dar expressão clara: aquilo que ‘era pensado com frequência, mas nunca tão bem expressado’. Em outras palavras, uma parte esquiva e fugidia do nosso pensamento, da nossa experiência, é pega, editada e devolvida a nós melhor do que era antes, de forma que enfim sentimos que nos conhecemos com mais nitidez.” Pag 44
Sendo assim, a arte atuaria como: 
“Um guia para o autoconhecimento: A arte pode nos ajudar a identificar o que é central para nós, mas difícil de expressar em palavras. Boa parte do que é humano não está prontamente acessível na linguagem. Podemos segurar um objeto artístico e dizer, de maneira confusa mas significativa: ‘Isso sou eu’.” Pag 65
Ao longo do livro, fica clara a perspectiva otimista pelo qual os autores visualizam e abordam os temas e manifestações artísticas (ao meu ver, até um pouco excessiva. Por outro lado, eu também acredito que uma boa dose de otimismo é bem-vinda nos dias atuais). Ainda assim, eles não deixam de mencionar os momentos em que as expressões artísticas podem nos causar estranheza, desconforto e incômodo: 
“O envolvimento com a arte é útil porque nos apresenta exemplos vigorosos do tipo de material estranho que aciona as defesas de tédio e medo e nos concede tempo e privacidade para aprendermos a lidar de forma mais estratégica com isso. Um primeiro e importante passo para superar a posição defensiva diante da arte é nos tornarmos mais receptivos à estranheza que sentimos em certos contextos. Não precisamos nos odiar por causa disso: muitas obras de arte, afinal, resultam de concepções de mundo radicalmente distintas da nossa.” Pag 53
Sem mencionar diretamente o conceito de sombra, os autores refletem sobre a importância de nos expormos àquilo que nos é estranho para que possamos nos (re)conhecer e assim crescer como seres humanos: 
“A arte que começa nos parecendo estranha é valiosa porque nos apresenta ideias e atitudes que dificilmente encontraríamos em nosso ambiente costumeiro e que nos são necessárias para termos pleno envolvimento com nossa humanidade... elas continuarão adormecidas até serem atiçadas, espicaçadas e provocadas de modo útil pelo mundo... É quando encontramos pontos de contato com o desconhecido que somos capazes de crescer.” pag 58
Este livro nos presenteia com inúmeras reflexões relativas ao campo da arte aplicada à vida cotidiana que em próximos textos pretendo mencionar e reitero o convite desta leitura aos arteterapeutas e estudantes. Por hoje, encerro com um dos benefícios terapêuticos à contemplação de obras de arte, desenvolvidos pelos autores, o sensibilizar. Pois a arte é:
“Um instrumento de recuperação da sensibilidade: A arte remove nossa casca e nos salva do habitual descaso pelo que está ao redor. Recuperamos a sensibilidade; olhamos o velho de novas maneiras.” pag 65 

Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referência Bibliográfica: 
BOTTON, Alain de & ARMSTRONG, John. Arte como terapia. Editora Intrínseca, Rio de Janeiro, 2014. 
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Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga. 
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI

Um comentário:

  1. Comentário enviado por Beatriz Coelho:

    Verdade. Através da Arte podemos nos ver melhor, Ela "amplia nossas capacidades", as obras "consolam o espectador", "ajudam a nossa alma", "iluminam": os céus de Van Gogh, as meninas engolidas pela onda de Camille Claudel, a serenidade doméstica das pinturas de Vermeer, o mistério das mulheres de Gauguin, as reverberações impressionistas, as deformações de El Greco, a Crítica sutilmente colocada em Goya, "O Grito" de Munch que até viralizou nas redes, (sinal dos tempos?), as camadas de realidade e inconsciente de Dali... Sim, continuemos de mãos dadas com a Arte que corajosamente esfrega nossas cegueiras! Parabéns, Eliana!

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