segunda-feira, 10 de outubro de 2016

ATELIÊ ARTETERAPÊUTICO – Experiência, sentido e reflexões para um aniversário



Por Eliana Moraes
elianapsiarte@gmail.com

“Dizem que a vida é para quem sabe viver, mas ninguém nasce pronto. A vida é para quem é corajoso o suficiente para arriscar e humilde o bastante para aprender.” Clarice Lispector

Os textos deste blog em geral são escritos na primeira pessoa, pois sua proposta inicial é registrarmos nosso dia a dia de estudo, prática e reflexões. Mas hoje em especial o texto se configura autobiográfico. As pessoas próximas a mim sabem o quanto faço da ocasião do meu aniversário uma experiência*, cada ano em sua singularidade.
Na última semana completei 32 anos de idade e esta data me convidou a celebrar minha biografia, sobretudo neste último ano. 2016 trouxe intensos movimentos, provocando grandes transformações em minha vida, externas e internas. E só Clarice, escritora que frequentemente me presenteia com seu dom, poderia ilustrar este meu processo de vida, não tão doce mas profundo, destacando dois verbos que o resumem: arriscar e aprender.
Mas todo este processo só foi possível como foi, porque nele existia um “espaço sagrado”: o curso “Conhecendo os materiais e aprendo a usá-los” que em seguida caminhou para o “Ateliê para Arteterpeutas” mantido pela Flávia Hargreaves. 
Sou arteterapeuta e trabalho diariamente oferecendo a arte como meio de linguagem e agente de transformações para meus pacientes. Mas este ano tive a privilégio de ter um espaço que eu autorizasse e confiasse para que eu investisse meu tempo e energia em um encontro pessoal com os materiais e ter uma experiência com minha própria produção de imagens. Este lugar me deu a oportunidade de, em meio à tantos pontos de interrogação, revalidar o sentido da Arteterapia para mim, não “somente” pela teoria buscada e estudada, mas por vivê-la. E sim, eu acredito na Arteterapia!
Durante o processo de gestação deste texto, que se estendeu por três semanas, pude  revisitar meus trabalhos desde maio até aqui, e ao colocá-los lado a lado pude contemplar como todo meu processo foi registrado nas imagens produzidas neste espaço sagrado, em paralelo com os acontecimentos da minha biografia. Símbolos que nasceram de forma espontânea, estimulados pelas potências de cores e formas.


Através da pluralidade das técnicas e materiais oferecidos o elemento base das imagens, o triângulo amarelo sem ponta com sua base em um círculo azul e com alguma participação do laranja, foi emergindo,  repetindo-se, desenvolvendo-se, caminhando, ressiginificando-se, até chegar na última semana, uma imagem de integração: uma forma que busca equilíbrio e raízes – meu desejo para os próximos tempos.

Esta sequência de trabalhos é o registro de um intenso processo, carregado de símbolos espontâneos, com profundas elaborações internas e externas, espelhado pelas imagens que transbordaram de mim.
Embasamentos teóricos
Envolvida com tantas reflexões e buscando compreender um pouco mais sobre este processo tão pessoal, encontrei estruturação teórica em uma autora que tanto tem me feito pensar nos últimos tempos, Fayga Ostrower:
“... criar corresponde a um formar, um dar forma a alguma coisa... Toda forma é forma de comunicação ao mesmo tempo que forma de realização. Ela corresponde, ainda, a aspectos expressivos de um desenvolvimento anterior na pessoa, refletindo processos de crescimento e de maturação cujos níveis integrativos consideramos indispensáveis para a realização das potencialidades criativas.” (OSTROWER, p 5)
“Acompanhando o nosso fazer... a tensão psíquica se transmuta em forma física. Desempenha, assim, a função a um tempo estrutural e expressiva, pois é em termos de intensidade, emocional e intelectual, que as formas se configuram e nos afetam.” (OSTROWER, p 28)
“Trata-se de formas significativas... porque através da matéria assim configurada o conteúdo expressivo se torna passível de comunicação.” (OSTROWER, p 33)
Naturalmente este processo proporcionou um efeito singular em minha análise pessoal. Sinto-me bem acolhida por meu analista, que mesmo lacaniano, acolhe amorosamente quando digo que a imagem tem um papel fundamental em minha linguagem. A teoria da arte nos ampara nessa percepção de que a palavra é uma forma de expressão, mas  não a única:
“Traduzir em formas mentais, não significa necessariamente pensar com palavras... a palavra é uma forma e, por ser forma, abrange níveis de significação... além das verbais existem outras formas. São ordenações de uma matéria, formas igualmente simbólicas cujo conteúdo expressivo se comunica.” (OSTROWER, p 35)
Percebo que aqueles que de fato experimentaram um encontro com a Arteterapia vivenciam com mais clareza os limites da palavra. E em seu processo terapêutico sentem a necessidade de materializar e dar forma às suas questões. Em Fayga encontrei a expressão que me responde sobre o papel da produção de imagens dentro de um setting terapêutico, pois ela funciona como a:
 “... objetivação da linguagem pela matéria constitui em referencial básico para a comunicação... A matéria objetivando a linguagem, é uma condição indispensável para podermos avaliar as ordenações e compreender o seu sentido... Sem ter a matéria presente, isto é, sem condições de objetivar a linguagem, as eventuais contribuições subjetivas se desvalorizam, ou seja, não chegam a se concretizar.” (OSTROWER, p 37)
Para o arteterapeuta, fazer um mergulho em sua própria produção de imagens e demorar-se neste diálogo consigo mesmo é essencial para sua estruturação e contornos pessoais mas também para lhe dar subsídios para sua atuação no setting arteterapêutico e evitar:
“... um fenômeno chamado de ‘síndrome de clinificação do arteterapeuta’... descrita como um processo através do qual o arteterapeuta ‘gradualmente absorve as habilidades características de outros clínicos, enquanto, ao mesmo tempo, o investimento e a prática da arte declinam’. (Allen, 1992)

Afastando-se da sua especificidade (a utilização da arte como terapia), o profissional tenderia a lançar mão de intervenções verbais cada vez com mais frequência, descaracterizando o seu trabalho, caindo na interpretação das imagens produzidas pelo paciente. Enfatizando a verbalização, o terapeuta desestimularia o investimento do paciente na produção plástica que se tornaria cada vez mais rudimentar. O potencial transformador da linguagem plástica se esvazia neste contexto, já que cada vez menos energia envolvida na produção de imagens e sem energia não pode haver transformação.” (SANTOS, 31)
Concluo agradecendo à Flávia Hargreaves por sustentar este espaço sagrado e às minhas companheiras de ateliê, que juntas constelamos um fenômeno  grupal, sobretudo, de generosidade.

* Ver texto escrito nesta mesma época, ano passado: “Salvador Dali e Manoel de Barros em diálogo por um aniversário” < http://nao-palavra.blogspot.com.br/2015/10/salvador-dali-e-manoel-de-marros-em.html >
Referências Bibliográficas:
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 12ª ed. Petrópolis, Editora Vozes, 1997.
SANTOS, Marco Antônio. O ateliê e a construção da identidade do arteterapeuta in Revista Imagens da Transformação, vol 1. Belo Horizonte, Editora LUZAZUL Editorial, 1994.

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2 comentários:

  1. Realmente, manter o diálogo a partir das obras e dá produção própria é o mais correto em arteterapia. A produção artística a meu ver, é como uma planilha, um mapa, que mostra tudo de uma vez.A leitura e interpretação dessa planilha ou mapa é um caminho que devemos trilhar junto com nosso cliente e sem esquecer as especificidades do fazer artístico

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