segunda-feira, 29 de agosto de 2016

PENSANDO AS ESPECIFICIDADES EM BUSCA DA IDENTIDADE





Por Eliana Moraes
elianapsiarte@gmail.com


Os leitores do blog Não Palavra podem perceber que um subtítulo tem se repetido nos meus textos: especificidades da Arteterapia. Pensar sobre este tema tem sido uma das minhas motivações profissionais atualmente. Meu despertar para esta reflexão iniciou-se quando li o projeto de lei 3416/2015 que se propõe a regulamentar a profissão da Arteterapia em nosso país. No texto da lei, o Artigo 6º trata do que compete ao arteterapeuta e cito aqui dois itens:
 I – avaliar, planejar e executar o atendimento arteterapêutico por meio da aplicação de procedimentos específicos da arteterapia;
III – exercer atividades técnico-científicas através da realização de pesquisas, de trabalhos específicos e de organização e participação em eventos científicos;
Neste contexto, entendemos que o projeto de lei coopera para que a Arteterapia seja uma profissão autônoma e que tenha sua delineação própria. Mas a partir de então, a pergunta se apresenta: quais são os trabalhos e procedimentos específicos da Arteterapia?
De fato, a Arteterapia bebeu de várias fontes para ir se constituindo, como a psiquiatria, a psicanálise, a psicologia, a educação, a história da arte e teorias da arte, a terapia ocupacional e até mesmo o artesanato. Mas embora a Arteterapia  faça interseção com estes saberes, ela não é igual a nenhum destes saberes.
Quando temos a perspectiva da Arteterapia como uma profissão em si, percebemos que ela deve ser vista como um saber autônomo, com sua identidade própria. Particularmente tenho observado a Arteterapia como uma técnica que pode tomar diversas teorias para lhe embasar teoricamente. Mas é necessário que o arteterapeuta conheça aquilo que é próprio da Arteterapia para que possa desempenhá-la de forma consistente.  
Vejo como necessário neste processo que a Arteterapia se reconheça, se diferencie e desenhe sua identidade própria. E em alteridade, poderá retornar amadurecida para o diálogo com aqueles saberes que tanto contribuíram para sua constituição.
A partir da minha história profissional, comecei a pensar sobre o que diferencia a clínica da psicologia com a da Arteterapia, pois hoje compreendo que há uma diferença entre ser uma psicóloga que usa das técnicas expressivas para uma arteterapeuta propriamente dita. Esta reflexão tem sido essencial para a delineação da minha identidade profissional e atuação como (por escolha) arteterapeuta.
Uma das especificidades da Arteterapia que a prática me mostrou, se dá pelo fato de que no setting arteterapêutico o cliente/paciente é convidado a não apenas falar sobre sua questão, mas a agir sobre ela, a partir da criação.
Tenho buscado as teorias da arte para me orientar e uma autora que tem me ensinado muito é Fayga Ostrower. Uma artista que teorizava sobre a arte, contribui bastante para nossas articulações como arteterapeutas. A partir de duas de suas citações – e na decorrência da leitura de seu livro – tenho proposto o conceito de agir criativo como uma especificidade da Arteterapia. Ou seja, algo que pertence a ela e a mais nenhum outro saber. Seguem as citações e o conceito:
“Criar não representa um relaxamento ou um esvaziamento pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade; criar representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer; e, em vez de substituir a realidade, é a realidade; é uma realidade nova que adquire dimensões novas pelo fato de nos articularmos, em nós e perante nós mesmos, em níveis de consciência mais elevados e mais complexos.” (OSTROWER, 28)
 “A percepção de si mesmo dentro do agir é um aspecto relevante que distingue a criatividade humana” (OSTROWER, 10)
Conceito: agir criativo
O agir amparado pelo continente do setting arteterapêutico através da criação, é uma especificidade da Arteterapia dentre as técnicas terapêuticas. Desta forma, o setting se configura como um ambiente suportado pela transferência com o arteterapeuta para que o cliente/paciente vivencie-se no fazer, articule-se em si e perante si, alcançando níveis de consciência mais elevados. Que através da criação, ele se perceba em suas repetições,  resistências, sintomas e tenha a oportunidade de enfrentá-las. Que em meio a esta experiência tome decisões sobre este enfrentamento (ou não) e que assim se responsabilize por si como autor e protagonista da sua obra/história, alcançando uma realidade nova em dimensões novas.
Partindo do princípio que o agir criativo é uma especificidade da arteterapia e objeto de trabalho do arteterapeuta, uma série de desdobramentos se fazem na escuta, técnica e articulações teóricas. Pensar sobre estes desdobramentos é algo que tenho me ocupado
Quanto à questão da identidade da Arteterapia, percebo que ela transborda para a identidade do arteterapeuta, individualmente e como classe. Não por acaso, minha escuta foi despertada para este tema pois tem sido recorrente em diálogos com colegas, em supervisões, no Grupo de Estudos “A prática da Arteterapia” e também com minhas parceiras de trabalho. O tema “a identidade do arteterapeuta” continuará sendo pensado neste espaço. E contamos com a participação daqueles que estejam tocados com a mesma questão.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 12ª ed. Petrópolis, Editora Vozes, 1997.



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