Por Eliana Moraes
elianapsiarte@gmail.com
Os leitores do blog Não
Palavra podem perceber que um subtítulo tem se repetido nos meus textos:
especificidades da Arteterapia. Pensar sobre este tema tem sido uma das minhas
motivações profissionais atualmente. Meu despertar para esta reflexão iniciou-se
quando li o projeto de lei 3416/2015 que se propõe a regulamentar a profissão
da Arteterapia em nosso país. No texto da lei, o Artigo 6º trata do que compete
ao arteterapeuta e cito aqui dois itens:
I – avaliar, planejar e executar o atendimento
arteterapêutico por meio da aplicação de procedimentos específicos da
arteterapia;
III – exercer atividades técnico-científicas através
da realização de pesquisas, de trabalhos específicos e de
organização e participação em eventos científicos;
Neste
contexto, entendemos que o projeto de lei coopera para que a Arteterapia seja
uma profissão autônoma e que tenha sua delineação própria. Mas a partir de
então, a pergunta se apresenta: quais são os trabalhos e procedimentos
específicos da Arteterapia?
De
fato, a Arteterapia bebeu de várias fontes para ir se constituindo, como a
psiquiatria, a psicanálise, a psicologia, a educação, a história da arte e
teorias da arte, a terapia ocupacional e até mesmo o artesanato. Mas embora a
Arteterapia faça interseção com estes
saberes, ela não é igual a nenhum destes saberes.
Quando
temos a perspectiva da Arteterapia como uma profissão em si, percebemos que ela
deve ser vista como um saber autônomo, com sua identidade própria. Particularmente
tenho observado a Arteterapia como uma técnica que pode tomar diversas teorias
para lhe embasar teoricamente. Mas é necessário que o arteterapeuta conheça
aquilo que é próprio da Arteterapia para que possa desempenhá-la de forma
consistente.
Vejo como
necessário neste processo que a Arteterapia se reconheça, se diferencie e
desenhe sua identidade própria. E em alteridade, poderá retornar amadurecida
para o diálogo com aqueles saberes que tanto contribuíram para sua
constituição.
A partir da minha história profissional, comecei a
pensar sobre o que diferencia a clínica da psicologia com a da Arteterapia,
pois hoje compreendo que há uma diferença entre ser uma psicóloga que usa das
técnicas expressivas para uma arteterapeuta propriamente dita. Esta reflexão
tem sido essencial para a delineação da minha identidade profissional e atuação
como (por escolha) arteterapeuta.
Uma das especificidades da Arteterapia que a
prática me mostrou, se dá pelo fato de que no setting arteterapêutico o
cliente/paciente é convidado a não apenas falar sobre sua questão, mas a agir
sobre ela, a partir da criação.
Tenho buscado as teorias da arte para me orientar e
uma autora que tem me ensinado muito é Fayga Ostrower. Uma artista que
teorizava sobre a arte, contribui bastante para nossas articulações como
arteterapeutas. A partir de duas de suas citações – e na decorrência da leitura
de seu livro – tenho proposto o conceito de agir criativo como uma
especificidade da Arteterapia. Ou seja, algo que pertence a ela e a mais nenhum
outro saber. Seguem as citações e o conceito:
“Criar não representa um relaxamento ou um
esvaziamento pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade; criar
representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer; e, em vez de
substituir a realidade, é a realidade; é uma realidade nova que adquire
dimensões novas pelo fato de nos articularmos, em nós e perante nós mesmos, em
níveis de consciência mais elevados e mais complexos.” (OSTROWER, 28)
“A percepção de si mesmo dentro do agir é
um aspecto relevante que distingue a criatividade humana” (OSTROWER, 10)
Conceito: agir criativo
O agir
amparado pelo continente do setting arteterapêutico através da criação, é uma especificidade da Arteterapia dentre as
técnicas terapêuticas. Desta forma, o setting se configura como um ambiente
suportado pela transferência com o arteterapeuta para que o cliente/paciente
vivencie-se no fazer, articule-se em si e perante si, alcançando níveis de
consciência mais elevados. Que através da criação, ele se perceba em suas
repetições, resistências, sintomas e tenha a oportunidade de enfrentá-las.
Que em meio a esta experiência tome decisões sobre este enfrentamento (ou não)
e que assim se responsabilize por si como autor e protagonista da sua
obra/história, alcançando uma realidade nova em dimensões novas.
Partindo do princípio que o agir criativo é
uma especificidade
da arteterapia e objeto de trabalho do arteterapeuta, uma série de
desdobramentos se fazem na escuta, técnica e articulações teóricas. Pensar
sobre estes desdobramentos é algo que tenho me ocupado
Quanto à questão da identidade da Arteterapia,
percebo que ela transborda para a
identidade do arteterapeuta, individualmente e como classe. Não por acaso,
minha escuta foi despertada para este tema pois tem sido recorrente em diálogos
com colegas, em supervisões, no Grupo de Estudos “A prática da Arteterapia” e
também com minhas parceiras de trabalho. O tema “a identidade do arteterapeuta”
continuará sendo pensado neste espaço. E contamos com a participação daqueles
que estejam tocados com a mesma questão.
OSTROWER,
Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 12ª ed. Petrópolis, Editora Vozes,
1997.
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