Por Cris Silva – RJ
@arteterapia_crissilva
Dia desses estava atendendo uma pessoa no individual e ouvi a seguinte
frase durante a partilha na sessão:
"No
começo, me senti ridículo fazendo isso (...)”.
Escutei com respeito. O sentimento de
“ridículo” que muitas pessoas expressam em contextos terapêuticos costuma ser,
na verdade, uma manifestação do medo de se expor em sua vulnerabilidade.
A partir da devolutiva, pudemos dialogar
sobre como esse desconforto inicial revela não apenas uma resistência, mas
também uma oportunidade. Conversamos sobre o valor de se permitir experimentar
sem garantias, sobre o receio de julgamento e sobre como a expressão criativa
pode abrir caminhos para ressignificar esse olhar, tanto o próprio quanto o do
outro.
Vivemos em uma cultura que nos treina para a
performance, para o resultado, para o aplauso. E quando entramos num espaço
onde o convite é simplesmente sentir, experimentar, errar, brincar, algo dentro
de nós se contrai. A criança interna, tantas vezes silenciada, quer pintar com
os dedos, cantar desafinado, colar papel torto, mas o adulto racional diz: “Isso
não é sério, não é bonito, não é útil.”
A Arteterapia nos devolve o direito de não
saber, de não dominar e de não agradar. É justamente nesse espaço de liberdade
que reside a potência.
Quando alguém se permite atravessar o
desconforto inicial, aquele sentimento que costuma dizer “isso é bobo”, e
escolhe permanecer, algo começa a se transformar. O gesto ganha sentido, a
forma revela conteúdo e o que antes parecia sem propósito aparente se torna
símbolo.
A pesquisadora Brené Brown, autora de A
Coragem de Ser Imperfeito, afirma:
“A vulnerabilidade é o berço da inovação,
criatividade e mudança.”
Essa frase, presente em suas palestras e no
livro, nos lembra que o desconforto de se expor é também o portal para o que há
de mais genuíno em nós. Na Arteterapia, isso é visível: o que começa como
hesitação pode se tornar expressão profunda.
O medo do ridículo nasce, muitas vezes, do
olhar que imaginamos que o outro terá sobre nós. Mas quando esse olhar é
acolhedor, como na Arteterapia, ele se torna espelho, não julgamento. E nesse
espelho, podemos nos ver com mais compaixão.
Outro trecho marcante da obra diz:
“A coragem de ser imperfeito é aceitar e
abraçar nossas fraquezas, deixar de lado a imagem de quem deveríamos ser e
aceitar quem realmente somos.”
Essa aceitação não é passiva; é uma escolha
ativa, transformadora. É o ponto de partida para uma expressão genuína, para
vínculos mais profundos e para uma vida com mais autenticidade.
Na Arteterapia, o “ridículo” é bem-vindo.
Porque ele carrega a chance de romper padrões, desafiar crenças limitantes e
abrir espaço para o novo. E quando o novo chega, ele raramente vem com formas
perfeitas, mas quase sempre vem como um processo. Um processo que não é linear,
nem imediato, mas que vai se fazendo aos poucos, no ritmo de quem cria. É nesse
percurso que mora a potência: na liberdade de experimentar sem saber o
resultado, na coragem de permanecer mesmo diante do desconforto e na entrega ao
gesto que revela mais do que a forma, revela sentido.
A coragem de ser imperfeito é, talvez, uma
das maiores ousadias terapêuticas. E é também uma das mais libertadoras. Porque
é nela que reencontramos o prazer de criar sem meta, de expressar sem filtro,
de existir sem máscara.
Na arte, como na vida, não há erro quando há
expressão genuína, apenas caminhos que revelam quem somos.
Referência:
BROWN, Brené. A coragem de ser
imperfeito: como aceitar a própria vulnerabilidade, vencer a vergonha e ousar
ser quem você é. Tradução de Fernanda Abreu. Rio de Janeiro: Sextante,
2016.
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Sobre a autora: Cristiane da Silva
Arteterapeuta: AARJ 1125 /08. Formada em Pedagogia (UERJ/RJ), tem trinta e três anos de regência em sala de aula – da Educação Infantil à Educação de Jovens e Adultos neurodivergentes na rede pública de ensino do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Arteterapia em Educação e Saúde (UCAM/RJ) e formada em Arteterapia pelo Atelier de Artes e Terapias Eveline Carrano. É graduanda em Psicologia (UVA/RJ). Foi voluntária por 4 anos na ONG Anjos da Tia Stellinha, atuando no projeto CONSTRUINDO A MINHA HISTÓRIA – resgate de vínculos entre mães e filhos. Realiza oficinas e vivências em Arteterapia, é mediadora de Biblioterapia e Escrita terapêutica. Acredita que as artes, as leituras, a escrita e a cooperação mudam o sentido da vida e que, sempre, abrem caminhos para o desenvolvimento pessoal e social.

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