segunda-feira, 26 de setembro de 2016

OBSERVAÇÕES DA CLÍNICA - Histórias que curam em Círculos de Mulheres

Por Maria Cristina de Resende
crisilha@hotmail.com

Neste final de semana tive a oportunidade de participar de um encontro entre mulheres. Fui convidada a facilitar um Círculo de Mulheres e no dia seguinte uma Oficina sobre plantas e flores medicinais também somente com mulheres, ambos em Miguel Pereira, RJ. São trabalhos que realizo há 7 anos na Ilha do Governador, onde tenho consultório de Psicologia e Arteterapia, e pela primeira vez levei este trabalho para outras terras.

Celebração das Fases da Lua, amplamente associada aos ciclos da mulher e da vida

Lá, tive a oportunidade de experimentar um profundo encontro entre muitas mulheres experientes, sábias na vida, com muitas histórias para contar, com muitas feridas para curar – compreendendo cura como um reequilíbrio mental e emocional a partir da tomada de consciência de si mesma – e eu me via ali, como a mais nova e aquela que estaria levando esse trabalho para proporcionar tal movimento de cura e reconexão para elas.

Em muitos momentos fiquei olhando aquelas mulheres, com suas histórias, muitas vezes com a dor marcada na voz e fiquei me vendo com elas, acolhendo e pensando: “Como posso ajudar este grupo?”.

Estamos na Primavera e quando buscamos histórias para falar sobre esta estação chegamos a histórias como as de Coré e Deméter, de Ostara, de deusas jovens, em seus aspectos de donzelas que ajudam o inverno frio e gelado a florescer. O inverno por sua vez, é marcado pelas deusas velhas, anciãs, como Deméter em seu caráter de velha e melancólica pela perda de sua filha querida. A terra então se renova quando a força da jovem chega à superfície e traz um sopro de calor, traz sementes brotando e flores se abrindo, uma lufada de vida após um tempo de frio e escuridão.

O Retorno de Perséfone - Frederic Leighton, 1891

Para este momento de ciclos das estações, na natureza e na nossa vida, penso que as forças invocadas são as do Puer e do Senex, uma dupla, ou melhor, uma sizígia[1] arquetípica que nos ensina sobre o equilíbrio entre o velho e o novo, entre o florescer e o recolher, entre o começar e o manter, entre a ação e o pensamento, entre a coragem e o medo. E quando escutamos histórias de vidas que são cheias de invernos e primaveras, cheias de atos de coragem e de medo, cheias de momentos de ação e momentos de estagnação, penso que o próprio ato de contar essas histórias numa roda já se torna terapêutico, já promove uma escuta de si mesma e um ato de reflexão sobre sua caminhada.

Na Arteterapia temos um braço que falamos pouco aqui no blog, mas que tem sua força, que são as Contações de Histórias, as fábulas, os mitos, os contos e a partir dessas histórias desenvolve-se um trabalho terapêutico, e depois desse final de semana me peguei pensando em como trabalhar tantas histórias fortes, engraçadas, dolorosas e lindas que por si só já nos oferecem muito material para trabalho.

Em um ateliê de Arteterapia temos recursos diversos para amplificar e resignificar momentos dramáticos de uma caminhada, como a linha do tempo, as técnicas com tecido e costura, a própria contação de histórias, e outros tantos movimentos com uso de materiais plásticos ou não. A Gestalt-terapia também nos oferece técnicas muito interessantes para trabalhar esses momentos de difícil compreensão e elaboração, que são as teatralizações feitas por outros participantes do grupo, que encarnam as pessoas a serem trabalhadas e revivem a cena, dando possibilidades criativas para a elaboração do problema.

Sendo assim, me vi dentro deste grupo como aquela que talvez possa fornecer um espaço ritualístico e terapêutico para mulheres que buscam um recontar de suas histórias, um espaço onde falar sobre si já traz a força da cura e da consciência, uma lufada de novos ares que proporcionam a todas nós caminhar sobre as estações, sobre as “deusas” e todos os aspectos que elas nos têm a ensinar. E deixo a reflexão sobre esta percepção nos grupos terapêuticos, onde ouvimos caminhadas às vezes muito mais longas que a nossa e o quanto isso também nos é curador, enquanto terapeutas. O quanto de respeito devemos dedicar a estas pessoas que chegam até nós e nos confiam a alma mais profunda, compartilhando suas vivências e confiando na nossa entrega e dedicação em ajudá-las. E para nós Arteterapeutas, antes mesmo de sabermos o máximo possível sobre cada técnica e material, é preciso ouvir, é preciso estar ali, estar junto, estar ao lado, como Nise da Silveira nos ensinou tão lindamente, o estar ao lado por si só já tem seu potencial de cura.

Agradeço todas as mulheres que fizeram parte dessa caminhada, como Fernanda R. R. da Rosa, Roberta Salgado, Sandra Carvalho, e aqui, neste espaço de leitura e reflexão, agradeço a Eliana Moraes e Flavia Hargreaves por estarem ao lado construindo este conhecimento que vai além da teoria, mas também de vida, pois partilhamos o que nos afeta em nossa prática diária, o lidar com o outro, a dança da vida!


A Dança - Henri Matisse, 1909




Caso tenha dificuldades em postar seu comentário, nos envie por e-mail que nós publicaremos no blog: naopalavra@gmail.com


[1] Quando usamos o termo sizígia, pegamos emprestado da astrologia o termo de conjunção, ou seja, quando dois planetas estão lado a lado no mapa natal, não são opostos trazendo energia complementar, nem quadrados um ao outro trazendo energias conflitantes. Estão juntos, lado a lado, atuando o tempo todo num entrelaçar de forças.

Um comentário:

  1. Comentário enviado por Luciana Pellegrini via facebook em 26/09/16. "Tive a oportunidade de coordenar um grupo neste mesmo formato. Comungo com vc Maria Cristina de Resende, sobre as sensações, enquanto terapeuta, do primeiro encontro do grupo, em que, as participantes nos confiam suas questões mais profundas. Estamos ali para auxiliar nesta caminhada. O objetivo é amenizar a dor e as duvidas trazidas. Nos deparamos muitas vezes, em qual caminho será melhor para iniciar a trajetória. Uma vez iniciada, a troca e o aprendizado que acontecem entre terapeuta e grupo é muito gratificante. Belo texto. Parabéns. Bjs e saudades."

    ResponderExcluir