segunda-feira, 7 de abril de 2025

ARTETERAPIA E O ENFRENTAMENTO DO LUTO

 



Por Dani Lyrio – SP

@acordar.arteterapia

 

"A morte também é uma terrível brutalidade – nenhum engodo é possível! – não apenas enquanto acontecimento físico, mas ainda mais como um acontecimento psíquico: um ser humano é arrancado da vida e o que permanece é um silêncio mortal e gelado. Não há mais esperança de estabelecer qualquer relação: todas as pontes estão cortadas." – JUNG, 1988, pp. 272-273).

Todos nós viveremos algum tipo de luto um dia, isso é fato. Mas, estamos preparados para esse momento? A ideia de quebra da ponte, de não esperança de relação com a pessoa e/ou coisa perdida, como cita Jung, e um fato desolador.

Quando falamos a palavra "luto", todo mundo entende o que isso significa, mas cada um de nós, em nossa singularidade, enfrenta o luto à sua maneira. Isso pode ser observado no seio familiar: quando ocorre a morte de um ente querido, todos sofrem e vivem o luto, mas cada um sente e vive essa dor de maneira diferente. Esse raciocínio vale para o enfrentamento de todo e qualquer tipo de luto. Afinal, a dor é pessoal e intransferível.

Em 1995, Margaret Stroebe e Henk Schut introduziram o Modelo de Duplo Processamento do Luto. Este modelo propõe que os indivíduos enlutados alternam entre dois tipos principais de estressores: os estressores de perda e os estressores de restauração.

Estressores de Perda:

·         Foco na Perda: Envolve enfrentar diretamente os sentimentos e pensamentos relacionados à perda. Isso inclui sentir a dor da perda, reviver memórias do falecido e experimentar emoções intensas como tristeza, saudade e desespero.

·         Expressão de Emoções: Processar as emoções dolorosas é uma parte essencial do enfrentamento dos estressores de perda, permitindo que a pessoa reconheça e valide sua dor.

Estressores de Restauração:

·         Foco na Restauração: Envolve lidar com as mudanças práticas e cotidianas que ocorrem após a perda. Isso inclui assumir novas responsabilidades, adaptar-se a um novo estilo de vida e redefinir papéis e identidades.

·         Distração e Recuperação: Engajar-se em atividades que proporcionam uma pausa da dor do luto e que ajudam a restabelecer uma sensação de normalidade e bem-estar.

O modelo enfatiza que os indivíduos não enfrentam o luto de uma maneira linear ou fixa. Em vez disso, eles oscilam entre enfrentar estressores de perda e estressores de restauração. Este movimento dinâmico permite que as pessoas processem a dor da perda ao mesmo tempo em que se adaptam às novas circunstâncias de vida. A oscilação entre esses estressores é vista como uma forma saudável de lidar com o luto, permitindo que os indivíduos alternem entre momentos de enfrentamento direto da perda e momentos de recuperação e adaptação.

Embora cada vínculo seja único e insubstituível, a capacidade de uma pessoa de se “recuperar” do luto não advém da sua habilidade de esquecer a pessoa perdida, mas de construir e remodelar seu mundo presumido de modo que inclua e redesenhe o tesouro do passado. (PARKES, 2009, p. 239)

 

Meu Processo de Luto

Falarei do meu processo de luto, vivido com a morte do meu pai. A morte de meu pai foi repentina. Apesar da idade, a ligação no final de uma sexta-feira trazia a mensagem que ainda ouço na minha cabeça: "O papai morreu." Era minha mãe, que chamava meu pai carinhosamente de "pai/papai". O momento tão temido chegou, e agora? Passados o velório e o enterro, e após aquele período em que a atenção se volta para nós em uma situação dessas, chega a hora de lidar com a nova realidade que a vida nos apresenta. Como será viver a falta de alguém que amamos tão profunda e verdadeiramente?

 

Arteterapia e Gratidão

Esse meu processo de luto aconteceu durante a formação em Arteterapia. Apesar de toda a dor que o luto nos faz sentir, consegui sentir uma gratidão muito grande por ter tido meu pai ao meu lado por 43 anos. Durante esse meu processo, eu senti uma vontade/necessidade de fazer uma representação da cadeira onde meu pai se sentava. Era o momento que estávamos sentados em volta da mesa, contando histórias, contando causos, tomando nossa cervejinha. Essa imagem sempre vem acompanhada da música "Naquela Mesa":

Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre o que é viver melhor
Naquela mesa ele contava histórias
Que hoje na memória eu guardo e sei de cor
Naquela mesa ele juntava gente
E contava contente o que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho
Eu fiquei seu fã

Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse o quanto dói a vida
Essa dor tão doída não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala do seu bandolim

Naquela mesa 'tá faltando ele
E a saudade dele 'tá doendo em mim
Naquela mesa 'tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim

  (Sérgio Bittencourt, 1972,

em homenagem a seu pai, Jacob do Bandolim)

 

Passado um tempo após a produção do desenho da cadeira, me veio a necessidade/vontade de fazer uma transposição dessa imagem. Foi então que surgiu uma poesia:

A Cadeira do Siqueira

Se essa cadeira falasse
Ela contaria
Sobre uma família
Sobre uma filha
Que não superou a
Partida de seu grande amor
Uma cadeira que agora vazia
Antes sentia
O peso do amor
É, não tem jeito
A dor no peito
Que sua ausência deixou.

A transposição de imagem na arteterapia pode ser definida como um processo de transformação visual e simbólica, no qual uma imagem original é reinterpretada, deslocada ou reconstruída em um novo suporte, técnica ou material, promovendo diferentes leituras e significados.

Esse conceito se fundamenta na ideia de que a imagem não é fixa, mas dinâmica, permitindo múltiplas possibilidades expressivas e projetivas. A transposição pode ocorrer por meio da mudança de material (exemplo: de desenho para colagem), do redimensionamento (ampliação ou redução), da alteração do contexto (inserção da imagem em um novo ambiente) ou da ressignificação subjetiva do conteúdo original.

O texto que escrevo agora também é uma transposição da imagem, auxiliando-me nesse enfrentamento. Ao expressar minha dor, a repito, mas faço uso de diferentes linguagens que favorecem sua elaboração.

Na perspectiva arteterapêutica, a transposição de imagem favorece o aprofundamento do processo criativo e terapêutico, permitindo ao sujeito revisitar, ressignificar e integrar aspectos de sua produção simbólica de maneira fluida e transformadora.

Lendo, estudando sobre enfrentamento do luto, hoje, consigo fazer uma relação direta ao recurso que eu tinha disponível para aliviar a minha dor, a arteterapia, ao Modelo de Duplo Processamento do Luto. Fiz uso dos estressores de perda, focando na expressão de emoções, e dos estressores de restauração, através da distração e recuperação.

Enfrentar o luto é todo dia, ele não passa, ele não acaba, por vezes, ele se torna suportável, algo que aprendemos a lidar, tendo em mente que existirão dias melhores e dias piores de enfrentamento.

Hoje, sinto que a saudade vem em ondas mais suaves, e, em sua maioria, sem o desespero da ausência. O peito ainda aperta, a voz ainda embarga, as lágrimas ainda caem, mas de uma maneira mais tranquila, sinto que ele agora vive em mim.

 

 

 

Referências Bibliográficas:

JUNG, C. G. Memórias, Sonhos, Reflexões. 11ª Edição. Vozes, 1989.      

https://repositorio.pucsp.br/jspui/bitstream/handle/24522/1/Fab%c3%adola%20Mancilha%20Junqueira.pdf

https://psycnet.apa.org/doiLanding?doi=10.1037%2F10397-003

https://blog.ijep.com.br/o-luto-e-o-silencio-da-morte/

https://www.enlutados.com.br/2024/11/modelo-de-processo-dual-de.html

https://novabrasilfm.com.br/notas-musicais/multiversos-naquela-mesa-de-sergio-bittencourt

PARKES, C. M. Amor e perda: as raízes do luto e suas complicações. São Paulo: Summus, 2009.


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Sobre a autora: Dani Lyrio 



Graduação em Administração de Empresas com Ênfase em Comércio Exterior. Especialização em Arteterapia pelo Nape, São Paulo. 

Atendimentos on-line e presencial (Zona sul)  na cidade de São Paulo.