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segunda-feira, 11 de junho de 2018

A PINTURA NA PRÁTICA DA ARTETERAPIA: PROPRIEDADES E APLICABILIDADES



Por Eliana Moraes
naopalavra@gmail.com

A partir das perguntas trazidas por arteterapeutas colegas, alunos e supervisionandos, tenho me dedicado à “Série: Arteterapia Clínica”, encontros aos quais estudamos sobre a prática da Arteterapia em atendimentos individuais. Estes encontros têm se configurado em um ciclo de palestras em que estudamos embasamentos teóricos diversos, no campo “psi” e teorias da arte, as propriedades e especificidades da Arteterapia como procedimento terapêutico e estudo de casos clínicos. Penso que o aprofundamento deste estudo para o arteterapeuta que intenta trabalhar com a modalidade clínica, seja estrutural, pois:

“... o refinamento para a escuta clínica arteterapêutica é algo que é construído com o tempo de estudo e prática, pois se difere das modalidades semi-estruturada ou estruturada, típicas de vivências pontuais ou propostas breves, oferecidas principalmente para grupos: aqui, parte do arteterapeuta um disparador inicial para que o paciente/cliente projete de si e crie a partir deste ‘estímulo externo’. Na clínica, o arteterapeuta recebe um paciente, ouve a demanda daquele sujeito e a partir desta escuta aciona algum material para oferece-lo, sendo este um facilitador expressivo e mobilizador de atos criativos, na arte e na vida.” (MORAES) 

Neste sentido, o manejo consciente dos materiais se faz como a espinha dorsal do ofício do arteterapeuta: cabe a ele a escuta do seu paciente/cliente, pois este já pede intuitivamente o material que lhe será facilitador expressivo e mobilizador do ato de criar em um sentido amplo. Assim, o arteterapeuta promoverá o encontro entre o sujeito que fala e o material pertinente, e através deste encontro ele seguirá seu caminho.

Em textos anteriores deste blog, comecei a publicar fragmentos deste ciclo de palestras para potencializar o compartilhamento deste conteúdo para aqueles que estão longe geograficamente, mas que tenham o desejo de estudar conosco. São eles: “Série Arteterapia Clínica: o arteterapeuta como promotor de encontros” CLIQUE AQUI e “A colagem na clínica da Arteterapia: propriedades e aplicabilidades” CLIQUE AQUI

No texto de hoje, a protagonista é a pintura, linguagem da arte tão próxima de nós e amplamente utilizada como técnica expressiva no setting arteterapêutico. Entretanto, mesmo tão presente em nosso cotidiano, cabe a reflexão sobre variados aspectos que a compõem como material em Arteterapia. 

Primeiramente, cabe ressaltar que a pintura pode ser utilizada como estímulo projetivo quando lançamos mão de um infindável acervo produzido por artistas ao longo da história. Tomando como princípio que os artistas possuem o dom de mergulhar nas funduras do inconsciente individual e coletivo, e traduzir na linguagem de seu tempo dando forma aos conteúdos mais profundamente humanos, naturalmente estas imagens farão eco ao fruidor, que os reconhecerá. Assim o arteterapeuta poderá compor um repertório de obras de grandes artistas que entenda que dialogará com questões pertinentes em sua clínica. Em meu repertório pessoal conto com imagens de René Magritte, Salvador Dali, Frida Kahlo, Edward Hopper e outros artistas aos quais apresento para meu paciente quando identifico uma ligação entre sua fala e uma obra artística, com o intuito de aquecer sua associação livre e elaborações. Esta é a maneira que utilizamos a pintura como projeção na clínica da Arteterapia. 

Como processo, a oferta das tintas ao paciente/cliente, possui suas propriedades e aplicabilidades aos quais algumas delas abordarei a seguir: 

a) As propriedades

A pintura é uma técnica diluidora, de flexibilidade e não controle. No diálogo com a imagem coloca o autor em relação prioritariamente com a cor em detrimento da forma.

Todas as técnicas expressivas estimulam as quatro funções psíquicas descritas por Jung, mas naturalmente em cada uma delas, uma função específica se torna protagonista. Na experiência da pintura, a função principal é a Função Sentimento.

Na relação com a cor o autor é acessado em seus sentimentos, emoções, sensações, afetos. Uma grande referência teórica que aqui nos embasa é a literatura de Kandinsky, pois segundo ele, cada cor tem uma potência, uma vibração e provoca um impacto específico. Para ele, as cores têm a capacidade de agir como um estímulo sensorial e psíquico e são um “caminho que serve para atingir a alma.” (KANDINSKY)

No manejo com o material, associado a cor, o autor entra em contato com o elemento água, que proporcionará justamente a “expansão” do traço, a flexibilidade, a diluição e o não controle, quanto mais aguada for a tinta.  

b) O processo: verbos, ações e movimentos externos/internos

Colocar o sujeito na experiência com o material significa colocá-lo para agir sobre suas questões. Desta forma é interessante ao arteterapeuta atentar-se para os “verbos” ou as ações que cada material proporcionará externa e internamente em seu paciente/cliente.

No processo da pintura, em relação à cor, as ações provocadas estão no campo do sentir, perceber, sensibilizar,  expressar. Em relação à água, são estimulados os movimentos para umedecer, lubrificar, azeitar, amolecer, diluir, flexibilizar, expandir, dissolver, fluir, “transbordar”, abrir mão do controle.

c) Os potenciais

c.1) Perfis de pacientes/queixas, palavras chave:

Promover o encontro com a pintura é interessante para pacientes/clientes que apresentam a necessidade e busca de expressão de sentimentos, sensações, conteúdos talvez tão profundos que ainda não possuem nome ou possibilidade de expressão verbal. As cores associadas aos sentimentos e os movimentos corporais provocados por eles, servirão como linguagem expressiva. 

Para aqueles que demonstram seus excessos, misturas, espalhamentos  ou transbordamentos, escoar este conteúdo para uma superfície externa, seja ela um papel, tela ou outros, promove um contorno, um tamanho. Este processo de catarse inicial, promove uma “diferenciação”, a visualização destes conteúdos como se fosse um terceiro e como um espelho encaminha-os para a conscientização e elaboração.

Já os que apresentam enrijecimentos diversos, mas que a dinâmica fluida da vida convoca a capacidade de flexibilizar ou lidar com o não controle, o diálogo com as tintas promove a tolerância com as surpresas de traços que escapam das mãos e fogem daqueles idealizados racionalmente.   

Em relação ao elemento água, podemos também explorá-la metaforicamente,  em diálogo com aquilo que é trazido como “seco” ou “ressecado” - objetivo e/ou subjetivo, literal e/ou simbólico, corporal e/ou psíquico – apresentando um material que traz em seu processo o “aguar”.  

c.2) Resistência

A prática nos mostra que a proposta da pintura apresenta alguma resistência quando não há intimidade com o material e uma autoexigência de fazer uma imagem figurativa/símbolo. De fato, originalmente a pintura figurativa demanda alguma técnica para que a imagem se forme. E como arteterapeuta não tenho o procedimento de deslegitimar quando um paciente/cliente demonstra incômodo com sua criação, quando não se trata de resistência ao conteúdo acessado, mas sim pela falta de intimidade com o material. 

Penso que esta sensação deve ser acolhida e compreendida no sentido de que quando recebemos aqueles que chamo de “pacientes leigos”, recebemos sujeitos que ainda “não aprenderam a falar” naquela linguagem (outra que não é a verbal). Visualizo estes sujeitos como uma criança que ainda está em processo de formação de seu vocabulário. Não devemos esperar dela uma associação livre, mas sim acolher seus sentimentos e investir para que ela, passo a passo, se instrumentalize para se expressar. 

Expressar-se através da arte, para quem não possui este histórico, se mostra como um processo de “alfabetização” para uma nova gramática. E este é um caminho construído na companhia do arteterapeuta que orientará o autor no que for necessário. Naturalmente, o arteterapeuta não é um professor de artes, porém faz parte do seu ofício instrumentalizar seu paciente/cliente sobre os materiais, encaminhando-o para a autonomia criativa na expressão por outras linguagens. 

Neste contexto, um caminho eficaz é apresentar o que os surrealistas chamavam de automatismo ou do que Susan Bello chama de Pintura Espontânea: 

“... relaxar a mente crítica racional e pintar corajosamente o que aparecer na mente inconsciente. Na Pintura Espontânea, em vez de usarmos nossos olhos sensoriais para copiar e reproduzir o mundo exterior, expressamos nossa visão interior... A psique fará o trabalho. Nossa mente racional somente tem de suspender seu domínio...” (BELLO) 

Além destas, mais uma vez tomo como referência a literatura de Kandinsky, que tanto teorizou sobre o caminho para a abstração com o intuito de expressar “emoções puras” através das cores e das formas. (Ver texto “Contribuições de Kandinsky ao arteterapeuta” CLIQUE AQUI). Apresentar as imagens abstratas para o autor e estimulá-lo que utilize destas na busca da expressão de seus sentimentos, mostra-se um recurso muito potente na clínica da Arteterapia. 

Quando um “paciente leigo” encontra a Arteterapia, recorrentemente diz a célebre frase: “mas eu não sei desenhar, eu só faço bonequinhos de palitinhos...!”. Penso que o material de desenho – que por definição proporciona maior controle do traço – já se demonstra desafiador para aquele sujeito na produção de uma imagem figurativa, assim as tintas se mostrarão mais desconfortáveis ainda para aqueles que não possuem uma intimidade com a técnica da pintura. A prática nos mostra que neste contexto, a introdução da pintura abstrata inspirada a partir da expressão das emoções, associando cores, movimentos e formas, se dá como uma excelente porta de entrada para a pintura pelo sujeito que cria dentro do setting arteterapêutico. 

Conclusão:

“A forma e a cor harmonizam-se para criar o quadro, segundo o Princípio da Necessidade Interior. Nasce então a obra de arte autêntica, a composição entra em contato ‘eficaz’ com a alma humana, estabelece-se a ressonância” (SERS in KANDINSKY)
A partir destas considerações, podemos concluir que a linguagem da pintura na clínica da Arteterapia se apresenta como um processo menos racional, mais espontâneo, ao qual será encaminhado para a expressão dos sentimentos e emoções mais puros daquele que deseja se expressar. Ao arteterapeuta cabe promover o encontro entre o autor e os materiais de pintura quando entender a partir de sua escuta, que as tintas serão o material mais facilitador para esta profunda expressão. 
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!

Referências Bibliográficas: 
BELLO, Susan PhD. Pintando sua alma: Método de desenvolvimento da personalidade criativa. Ed Wak, Rio de Janeiro, 2007.
KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte. 
MORAES, Eliana. SÉRIE ARTETERAPIA CLÍNICA: O ARTETERAPEUTA, UM PROMOTOR DE ENCONTROS. Disponível em http://nao-palavra.blogspot.com/20
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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga. 

Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 

Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".


Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.
Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

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