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segunda-feira, 4 de junho de 2018

QUEM NUNCA... DIÁLOGOS ENTRE A SINCRONICIDADE E A ARTETERAPIA



Por Andréa Goulart de Carvalho – BH/MG
goulart17@hotmail.com

Quem nunca...

... Pensou em algo e a “coisa” se materializou! Sem uma causa, sem que alguém ou alguma circunstância tivesse forçado o acontecimento. 

Um medo de insetos, relatado de dia e, de noite, uma mariposa enorme está dentro do quarto de dormir. De onde surgiu? Verdadeiro e, neste caso, terrível mistério! 

Quem nunca sentiu saudades de alguém e, ao dobrar uma esquina, lá está a pessoa, materializada! Assim, do nada! Há alguns dias, no trajeto para um encontro, passei por um local e lembrei de um estilista de bolsas de couro que tem um ateliê ali por perto. Pensamento correu pela história de vida dele e passou. Minutos depois, a amiga com quem me encontraria estava com uma das criações do estilista. 

Sim, nem só mariposas acontecem! Graças a Deus!

Todos vivenciamos acasos corriqueiros e sem importância, não é? Afinal, quem liga para uma mariposa num canto do quarto?... Eu ligo! E a bolsa da amiga, coincidência, uai! Será? Há situações que ultrapassam a esfera doméstica, as coisinhas do dia-a-dia como bolsas e pessoas surgidas do nada. Acontecimentos fora da esfera individual, que vêm através de um pensamento, insights, visões, pressentimos ou em sonhos, como um acidente de avião, tão real e terrível e que o noticiário da manhã mostra a cena exata do sonho. Muita calma nessa hora! 

Fenômenos acausais, complexos, profundos, significativos, mas que têm explicação

Esses acontecimentos são os Fenômenos de Sincronicidade, um conceito empírico, elaborado à partir dos estudos complexos e profundos de Carl Gustav Jung, sobre fatos relacionados entre si por significados, e não por terem sido causados ou terem acontecido casualmente. Jung disse: 

...“a ligação entre os acontecimentos, em determinadas circunstâncias, pode ser de natureza diferente da ligação causal e exige um outro princípio de explicação.” (JUNG, OC8/3, § 819). 

Tais fenômenos não devem ser avaliados de forma simplista. Segundo Jung:

“...para captar de um modo ou de outro estes acontecimentos únicos ou raros, parece que dependemos de descrições ‘únicas’ e individuais.” (JUNG, OC8/3, § 821)

Jung, desde muito cedo em sua carreira, estudava circunstâncias interessantes que ocorriam nos seus atendimentos. Num atendimento em especial, em meados de 1920, enquanto a paciente relatava seu sonho com um escaravelho, um inseto bateu na vidraça do consultório. Jung abriu a janela e o apanhou, em pleno voo e o mostrou à paciente. A incrível semelhança do inseto àquele descrito por ela ressaltou que o fato ocorrido envolvia um elemento diferente, muito além do acaso. Haviam vivenciado um fenômeno de sincronicidade. 

A partir deste fato Jung aprofundou a pesquisa nos fenômenos sincronísticos. Estudou a física clássica e a moderna, a casualidade, a causalidade e a acausalidade dos fatos raros, mas possíveis e reais. Buscou entendimento dos conceitos de serialidade, imitação, atração e inércia, simultaneidade, estatística, probabilidade e finalidades para explicar os acontecimentos, aparentemente casuais. 

No estudo de culturas diversas e de épocas distintas, Jung verificou a  existência de uma ligação entre todas as coisas como se fosse numa grande rede de correspondências. A ideia da existência de uma sabedoria maior e superior à alma humana e a necessidade de retomada de uma visão transcendente sobre os acontecimentos, foi também visualizada por Jung,  para que um sentido mais amplo, mais humano e menos científico, pudesse tentar explicar os fenômenos da psique, as sincronicidades.

Os peixes

A complexidade do tema adiou, por muitos anos, a publicação de estudos sobre a sincronicidade. Em 1949 Jung desenvolvia a simbologia do peixe como símbolo do inconsciente, quando uma série de sete fatos relacionados a peixes, ocorridos nos dias 1o e 2 de abril deste mesmo ano, fez com que ele retomasse o estudo dos eventos sincronísticos à luz da psicologia profunda associada à física moderna. Desta forma pôde evidenciar que o inconsciente coletivo e os arquétipos, conceitos desenvolvidos por ele, têm total participação nos fenômenos de sincronicidade. 

Jung relatou os sete fatos, inicialmente denominados coincidências significativas, uma organização acausal, com caráter numinoso, ou seja, sagradosobrenaturalmisterioso:

1- naquele dia teriam peixe para o almoço;  
2- havia o costume do peixe de 1o de abril, brincadeira que deu origem ao Dia da Mentira em que eram colados desenhos de peixes nas costas de pessoas e eram chamadas de “os peixes de abril”;
3- uma anotação feita por ele, pela manhã - “todo homem é peixe pela metade, na parte de baixo”; 
4- uma paciente ter-lhe mostrado pinturas, feitas por ela, de figuras de peixes; 
5- outra paciente relata seu sonho com peixes; 
6- outras pessoas mostraram bordados de peixes;
7- Jung encontrou um peixe morto na mureta do lago de Zurique.

A sincronicidade acontece quando dois fatos ou mais, sem ligação causal, significativos para quem os vivencia, não necessariamente acontecendo ao mesmo tempo, no mesmo lugar ou repetidamente. 
Jung afirma que a sincronicidade complementa a tríade da física clássica - tempo/espaço/causa, tornando-a uma tétrada ou quatérnio, formando o princípio da totalidade, mais coerente com a física moderna e as leis da relatividade.  Afirma também que as coincidências significativas acontecem quando um arquétipo é constelado em um padrão dinâmico e que se manifestam mediante três categorias: 

a) estado psíquico associado a evento externo e simultâneo (ex.: escaravelho);
b) estado psíquico associado a evento externo e simultâneo, mas sem ligação no espaço (ex.: encontrar uma pessoa/ bolsa);
c) estado psíquico associado a evento externo sem ligação no tempo (ex.: sonho com o acidente  de avião).

Arquétipo e significado

O arquétipo tem uma forma própria de manifestação, numa ordenação acausal, por trás do fenômeno, sem controle por parte da pessoa que o vivencia e está mostrando algo sobre esta pessoa que experimenta o fato.
O significado do fenômeno de  sincronicidade é único e pessoal. É um portal para uma realidade particular. Uma chave para perceber significados ao transpor este portal. Como as imagens e sensações permanecem e/ou modificam seu entorno. Suas atitudes e a sua forma de se comunicar. 

Como poderia a pessoa que sonhou com o acidente de avião criar as imagens ou entender sobre ele, antes de o fato acontecer? De onde surgiu a imagem, a visão no sonho? Qual o significado no contato, quase imediato, de uma pessoa com um dos artigos de um estilista lembrado aleatoriamente? Qual a probabilidade de isto acontecer com alguém e qual seria o arquétipo constelado? Como tudo isto atua na vida de uma pessoa?

Arteterapia,  sincronicidade,  arquétipo



Existem muitas formas de compreender e tentar responder às inúmeras questões que surgem depois da vivência de um evento sincronístico.  Devemos porém, permitir que nossos conteúdos sejam assimilados e não necessariamente entendidos. As respostas vêm da emoção mais do que da razão.
A Arteterapia tem se apresentado como uma das mais eficazes maneiras de acessar o inconsciente e obter respostas e elaborar conteúdos psíquicos, de forma lúdica, prazerosa e profunda, tendo a arte como ferramenta. 
No setting ou fora dele é muito provável que o fenômeno de sincronicidade se apresente. De certa forma já o esperamos antes, durante ou depois do atendimento como motivo ou parte da elaboração dos conteúdos.
Há pouco tempo, num atendimento a um grupo formado por 4 mulheres, foi pedido que se apresentassem como gostariam de serem reconhecidas. Foi usada a técnica da Imaginação Ativa, um dos muitos recursos de abordagens terapêuticas, utilizada por Jung e sistematizada por Robert Johnson. Coincidentemente todas as mulheres se descreveram como árvores, com as dores e as delícias de serem árvores grandes ou pequenas, com flores e frutos ou não. Uma se apresentou como uma mangueira. Outras duas como arbustos com flores e uma delas se apresentou como um loureiro, uma arvorezinha franzina, inicialmente sem grandes expectativas para elaboração de conteúdos da participante. 
Porém, o loureiro não se tratava de imaginação e sim de uma lembrança, uma árvore real que fazia parte das memórias de sua infância, passada no quintal da casa de uma tia querida, chamada Apolônia.  Apesar da vívida lembrança do vasto quintal, com flores e árvores de espécies variadas, grandes e maravilhosas, o loureiro era a imagem que teimava em representá-la na atividade solicitada. 
Uai, gente!
Durante a sessão sentiu uma imensa saudade de si mesma e um forte ardor no estômago. O mal estar perdurou e a obrigou a ingerir um medicamento. Costumava tomar daquele tipo de remédio, mas pela primeira vez teve necessidade dar uma olhadinha na bula. Com surpresa, leu que o remédio era feito de louro. Uai, gente!!  
Mais tarde, a viu uma postagem na internet uma reportagem sobre o louro e suas propriedades curativas e de harmonização energética em ambientes e corporais. A noite, ao assistir a uma aula de mitologia, o tema estudado foi o mito de Dafne, uma ninfa transformada em um loureiro para fugir do deus Apolo.  Eu, hein!! Como assim? O remédio, os nomes e o mito!
Mito pessoal revelado! E Agora?
Amplificação do símbolo é necessária ao processo  e com Arteterapia para ficar melhor, mais bonito e mais gostoso!  Tudo mudou de figura e um sentido incrível começou a transparecer, num descortinar de véus. Sincronicidades numa sequência avassaladora, logo após o atendimento arteterapêutico, com sensações físicas, emocionais e significativas para a pessoa que as vivenciou, possibilitando um diálogo intenso com conteúdos profundos e o reconhecimento do mito pessoal, de extrema importância para o desenvolvimento do processo de individuação que se iniciara. Muitos trabalhos de desenho, pinturas e SoulCollage® foram elaborados após a vivência.
Sabemos que teoria e embasamento do conhecimento são importantes para a compreensão do nosso universo pessoal e o coletivo e, podendo associá-lo ao fazer artístico da Arteterapia, coagulando as imagens vindas das vivências, dão ainda mais sentido às nossas vidas, possibilitando o autoconhecimento e a individuação. 
Desta forma, convido a todos para nos entregarmos ao cotidiano com mais atenção aos sinais. Convido a percebermos o nosso entorno e voltarmos para conversar mais sobre as  sincronicidades e a Arteterapia com ferramentas que ajudam a trazer nossos conteúdos à tona, com a beleza da arte e a sabedoria da psicologia analítica.
Até breve, com a Graça de Deus e das sincronicidades!
Referência Bibliográfica: 
JUNG,C.G. OC., Sincronicidade 8/3, 21a. Petrópolis: Vozes, 2014.
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Sobre a autora: Andréa Goulart de Carvalho


Bacharel em Desenho e Gravura pela EBA/UFMG; 
Arteterapeuta - AMART 107/0112, afiliada a UBAAT. 
Especialista em Psicologia Analítica.
Facilitadora de SoulCollage®/2015; Artista Plástica; 
Atendimento arteterapêutico individual e em grupos no AME – Arteterapia
Ministrante de curso introdutório de SoulCollage® e aulas de desenho nos Ateliês de Artes AGC e AREA


5 comentários:

  1. Sincronicidade.
    Observar o que nos cerca e perceber o quão estamos orientados e guiados. Obrigada por compartilhar seu belo trabalho. Parabéns!

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    1. Obrigada pela leitura e pelo seu carinho comigo! Muito grata , desde muito tempo! Bj

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  2. Sincronicidade é a vida dialogando conosco...

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  3. MUITO BOM O TEXTO!
    ACONTECE MUITO COMIGO!
    PARABÉNS!

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