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segunda-feira, 29 de outubro de 2018

SÉRIE CORES: A IMPORTÂNCIA DA EXPERIÊNCIA



Eliana Moraes (MG) RJ
Instagram @naopalavra

“... Há momentos
em que a cor nos modifica os sentimentos,
ora fazendo bem, ora fazendo mal;
em tons calmos ou violentos,
a cor é sempre comunicativa,
amortece, reaviva,
tal a sua expressão emocional...”

Gilka Machado em “Emotividade da cor”

Há algumas semanas iniciei uma série de textos ao qual compartilho alguns fragmentos do meu estudo sobre as cores e aplicações em minha prática arteterapêutica. No primeiro texto o teórico protagonista foi Kandinsky, ao qual defende que a cor exerce sobre a alma uma influência direta, provocando uma vibração psíquica. CLIQUE AQUI

Outra artista que alimenta minha pesquisa é Fayga Ostrower, que em seu livro “Universo da arte” discorre sobre os cinco elementos da linguagem visual:

“Há um dado deveras interessante! Se fôssemos perguntar de quantos vocábulos se constitui a linguagem visual, de quantos elementos expressivos, a resposta seria: de cinco. São cinco apenas: a linha, a superfície, o volume, a luz e a cor. Com tão poucos elementos, e nem sempre reunidos, formulam-se todas as obras de arte, na imensa variedade de técnicas e estilos.” (OSTROWER, 1983, pag 65)

Nesta perspectiva, tenho como projeto me aprofundar em cada um destes elementos, atualmente me debruçando sobre a cor. Conforme defende a autora “cada elemento visual configura o espaço de um modo diferente” (OSTROWER, 1983), sendo assim estrutural conhecermos as propriedades de cada um deles:

“Se compararmos, por exemplo, linhas com cores, sentimos de imediato, o clima expressivo diferente. Enquanto que a linha evoca toda uma ambiência intelectual, a cor é antes de tudo sensual.” (OSTROWER, 1983, pag 68) 

No capítulo X do livro, intitulado “Cor”, Fayga constrói um percurso pelas cores, defendendo que o tema da cor é “uma questão de relacionamentos e não de cores isoladas... O importante é entender que com poucas cores básicas – e sempre as mesmas – é possível estabelecer relações diferentes.” (OSTROWER, 1983) Aborda questões como tonalidades, cores primárias e secundárias, cores quentes e frias, cores opostas e complementares; que serviram como um embasamento para o percurso de experimentação das cores no ciclo “Cores e Poesias” que tenho oferecido em um grupo arteterapêutico. 
Sublinho aqui a importância da experiência com as cores, pois nas palavras da autora, seu conhecimento intelectual não é suficiente:
“A cor se caracteriza pela carga de sensualidade que lhe é inerente. Ao vê-la diante de nós... é que podemos dar-nos conta do quanto nosso conhecimento anterior, através das informações verbais, fora intelectual... Por maior que seja nossa experiência prática, uma coisa é imaginar cores e outra, completamente diferente, é percebê-las... Há uma excitação dos sentidos, que é própria da cor e que não existe em nenhum outro elemento visual.” (OSTROWER, 1983, pag 236)
“Poesias e Cores”: Aplicabilidades para a Arteterapia


“... Lançai olhares investigadores
para a mancha dos poentes:
há cores que são ecos de outras cores,
cores sem vibrações, cores esfalecentes,
melodias que o olhar somente escuta,
na quietude absoluta,
ao Sol se pôr...
Quem há que inda não tenha percebido
o subjetivo ruído
da harmonia da cor?
(...)
 — A Cor é o aroma em corpo e embriaga pelo olhar.
Cor é soluço, cor é gargalhada,
cor é lamento, é suspiro,
e grito de alma desesperada!
Muitas vezes a cor ao som prefiro
porque a minha emoção é igual à sua:
— parada, estatelada
dizendo tudo, sem que diga nada,
no prazer ou na dor.”
Gilka Machado em “Emotividade da Cor”

Conforme nos orienta Fayga, conhecer as cores não é suficiente. Precisamos ser atravessados por elas, e isso só se dá através da experiência. Nas palavras de Gilka Machado, devemos lançar à elas olhares investigadores, para que possamos perceber o subjetivo ruído de cada uma. 

No ciclo “Poesias e Cores” percorremos uma jornada que se iniciou com o preto e o branco, atravessamos o cinza, mergulhamos nas cores primárias, produzimos com as próprias mãos cada uma das secundárias, dialogamos as cores opostas complementares, e por fim, integramos todas as cores do círculo cromático mais o preto, branco e cinza em uma mandala. 

Todo este caminho foi importante para que proporcionasse um “demorar-se” em cada cor. Cada participante pôde experimentar um diálogo profundo com cada uma delas, percebendo suas vibrações e como cada uma o impactava de forma singular.  Creio que ao passar por esta jornada, aquele que experiencia a Arteterapia pode formar uma espécie de “vocabulário próprio”, ao qual utilizará em suas produções posteriores para criar em cores, não por combinações exteriores, mas pelo simbolismo interior. 


Quando experimentamos as cores primárias, uma referência no campo da arte foi o pintor Mondrian, que simplificou a imagem às últimas consequências, chegando ao seu característico padrão de inúmeras variações de relações entre os elementos cores primárias e linhas retas. As imagens que ilustram este texto retratam esta experiência ao qual partimos da inspiração do artista, mas cada participante pôde dar asas à sua criatividade a partir da vibração que as cores primárias os provocavam.

Esta série sobre as cores continua, mas por hora, concluo com a poesia:

Olhar a cor
é ouvi-la
,
numa expressão tranquila,
falar de todas as sensações
caladas, dos corações;
no entanto, a cor tem brados,
mas brados estrangulados,
mágoas contidas,
mudo querer,
ânsia, fervor, emotividade
de desconhec
idas
vidas,
que se ficaram na vontade,
que não conseguiram ser...


Cores são vagas, sugestivas toadas...

Cores são emoções paralisadas...”
Gilka Machado em “Emotividade da Cor”




Referências Bibliográficas:

 OSTROWER, FAYGA. Universo da Arte. 1983.
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Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga. 
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

GESTALT E ARTE: AJUSTAMENTO CRIATIVO


Por Valéria Diniz – RJ
valdiniz.td@gmail.com
Instagram @valeriadiniz50

Ajustamento Criativo - É o processo utilizado para alcançar uma autorregulação saudável.
“...todo contato é um ajustamento criativo. Ele não pode ser rotineiro, estereotipado ou simplesmente conservador porque tem de enfrentar o novo, uma vez que só este é nutritivo” (Perls, Heferline e Goodman).
Ajustamento Criativo é o método pelo qual a pessoa sobrevive e cresce, atuando de forma a se manter ativa e responsável, providenciando seu próprio desenvolvimento, suas necessidades físicas e psicossociais” (Orgler).
Em Gestalt Terapia, para além do sintoma ou doença, busca-se descobrir onde está a potência criativa. Ela é o lado saudável, presente em todos nós.
Quando criança somos absolutamente criativos e facilmente encontramos novas formas de agir e lidar com o meio. Um bebê quando aprende a engatinhar contorna obstáculos, passa por cima ou por baixo do que estiver em seu caminho. Rapidamente descobre que precisa descer um pequeno degrau com apoio das mãozinhas. Ele interage com o meio a seu favor. E, conforme se desenvolve e cresce cria nova formas de brincar, inventa novas estórias, se experimenta. Cai, rala o joelho, chora e volta a insistir. Escorrega, cria um galo, mais choro e volta a tentar. Recomeça, de novo, segura de outra forma, com novo apoio. 
Então podemos pensar, talvez um pouco melancólicos ou até meio desanimados:
Já fui assim. Cresci. Tudo mudou!”
Verdade. Sim é verdade! Mudamos, ficamos enrijecidos, engessados em repetições, pesados com os fracassos, ansiosos, medrosos, depressivos, tristes, adoecidos, conformados, presos na rotina que a dureza da vida nos apresenta.
Como nos ajustar criativamente ? 
A Arte nos aponta um caminho. A criatividade está dentro de nós. Talvez um pouco adormecida ou esquecida. Ou até mesmo escondida em um cantinho de difícil acesso.
Mas, sim. Está aqui dentro. Aí dentro e em todos nós.
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Em minha prática clínica e nas oficinas de Técnicas Expressivas, vejo essa criatividade emergir poderosamente, com toda sua potência. E, nesse texto, especificamente, escolhi compartilhar produções das oficinas.
Em uma das primeiras oficinas de Colagem que ofereci a proposta era cortar os papéis sem uso de tesoura, apenas com as mãos. Havia uma jovem com deficiência que a impedia de usar uma das mãos (se eu tivesse visto antes teria mudado a proposta). Percebendo que seria difícil para ela sugeri que quem sentisse necessidade poderia pedir ajuda.
 Ela não pediu. Construiu um cenário colorido de pequenas bolinhas amassadas.
Quando você falou que não tinha tesoura, que era para usar as mãos... pensei que ia ter dificuldade. Mas eu me adaptei e consegui fazer. Foi importante para mim, um novo desafio.” ( TH.LB )
Que bom não ter mudado a proposta. Ela teve a oportunidade de ajustar-se criativamente para realizar a atividade e seu modo de usar as mãos trouxe a possibilidade de fazer novas experiências e a descoberta de capacidades escondidas.
Ainda com a mesma proposta da oficina anterior, escolher o material e criar livremente usando as mãos. Dentre as participantes havia uma médica e, pela profissão, habituada com protocolos, regras e métodos.
“No primeiro momento fiquei pensando como iria cortar o papel para confeccionar desenhos. Para mim foi estranho não ter um objeto facilitador e ter que usar apenas minhas mãos. Eu amei o meu trabalho.” (NT)  .

Descobrir que podia ajustar-se criativamente e produzir sozinha trouxe nova percepção, inclusive, de poder ampliar sua área de trabalho.
Em outra oficina a proposta era partir de uma imagem que simbolizasse o momento da história pessoal e posteriormente fazer intervenções com novos materiais.
“Percebi que estou criando uma nova história de vida, cheia de possibilidades e tirando o foco do passado, mas não preciso deixar toda a minha história para trás. É importante ficar com algumas coisas” (D.R ). 

A capacidade de interferir e criar ou recriar sua própria história e fazer seus ajustes, deixar o que não faz mais sentido e ficar com o que é importante é um belo exemplo de ajustamento criativo.
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Como tenho aprendido, a possibilidade de ajustamento criativo é vivenciada através da Arte, na riqueza de suas técnicas e processos. 
Criar através da Arte para realizar na vida.
Organizar, priorizar, escolher, ajustar e tantas outras habilidades. No colar e nas situações de confusão, desordem, caos.
Diluir, fluir, flexibilizar, expandir, descobrir, preencher, e tantas outras atitudes. Com as tintas e com a auto estima, a consciência, o comportamento.
Modelar, dar a forma, criar um jeito, um novo jeito, tentar , errar e começar de novo e tantas outras alternativas .Com  argila, massa e na  própria história.
Volto à pergunta do começo do texto:
Como nos ajustar criativamente?
Tenho uma ligeira desconfiança de que a resposta está em resgatar a criança que vive dentro de nós. Lembra dela? Onde ela ficou? 
Vou revelar um segredo somente aqui para nós.
Pegue um papel, qualquer coisa que rabisque, pode ser lápis, tinta, canetinha, carvão ou simplesmente use as mãos e comece a cortar pedaços de papéis coloridos ou revistas. Respire e crie.
Então, surpreenda-se ao encontrar sua criança interior!
Permita-se ajustar-se criativamente. 

Gratidão às arteiras que autorizaram utilizar suas palavras e imagens para enriquecer esse texto.
Este é o segundo texto da série GESTALT E ARTE. Para ler o primeiro texto 
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!
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Sobre a autora: Valéria Diniz
Psicóloga 

Gestalt terapeuta

Mestra em Saúde Mental
Atendimento individual e casal .
Oficinas de Técnicas Expressivas em Gestalt 

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

DESENHANDO E PINTANDO COM A TESOURA COMO O VOVÔ MATISSE




Por Tania Salete – RJ, atualmente residindo em Fortaleza CE
taniasalete@gmail.com

“É preciso enxergar o mundo com os olhos de criança”
Henri Matisse

INTRODUÇÃO:

            Dentre todas as lutas internas e externas que travamos, a capacidade de manter um “olhar de criança” sobre as realidades da vida é um desafio. Independente de nossa idade, preservar o olhar, a percepção infantil, traz leveza e muita gratidão ao coração. A vida certamente tem outras cores e formas quando conseguimos abrir este espaço em nós.

Matisse, o grande mestre e gênio, nos estende este convite através de seus últimos anos de vida, com belíssimos trabalhos dedicados à colagem.

Henri Matisse, nasceu na França em 1869, foi   pintor, desenhista, gravurista, escultor e um dos fundadores do “Fauvismo” – o primeiro movimento da arte moderna do século XX.  Foram assim denominados após a participação no Salão de Outono de 1905, em Paris, ao lado de outros artistas que já não aderiam mais suavidade da paleta dos impressionistas. Preferiam as cores fortes, traços mais expressivos e pinceladas bem marcadas. A crítica detestou esta ousadia e os artistas foram chamados de “fauves” (“bestas selvagens”). Surgiu então o Fauvismo, termo pejorativo para definir este movimento, mas que acabou sendo benéfico para divulgação e maior expansão das obras de Matisse, permitindo-lhe muitas viagens pela Europa, África, Ásia, conhecendo novas tendências e sendo por elas influenciados.

“UNE SECONDE VIE”



Após uma carreira bem consolidada, aos 71 anos, Matisse foi diagnosticado com câncer. Após duas cirurgias e pouca expectativa de vidaa, ficou acamado e cadeirante, sem possibilidade de pintar. Foi um tempo bem difícil, de muito sofrimento e dor para o artista. Entretanto, sua capacidade de reinventar-se, a resiliência diante da situação e a imensa vontade de manter-se produzindo, criando, foi mais forte e impulsionou-o à uma das melhores fases de sua vasta produção.
             “Une seconde vie”, uma segunda vida, foi assim que ele chamou seus últimos 14 anos de vida, que soube aproveitar como uma “fera selvagem”, aprofundando uma técnica iniciada em 1937. Matisse descrevia seu processo de criação nesta fase como “pintura com tesouras”, o que para ele jamais deixou de ser uma renúncia a pintura ou a escultura, mas uma espécie de aprimoramento e aprofundamento, com maior liberdade e intensidade de expressão. Matisse disse: “Só o que eu criei depois da doença constitui meu eu real: livre, liberado”. 
            Este novo estilo de viver levou-o a uma extraordinária explosão de expressão, com a simplicidade e vivacidade do olhar de uma criança.  Uma revolução radical em sua carreira que lhe permitiu criar o que sempre desejou: 
                         “Eu precisei de todo esse tempo para chegar ao estágio em que posso dizer o que quero dizer”.    Henri Matisse
 A técnica utilizada consistia em criar formas espontâneas, recortadas livremente em papel, muitas vezes em grande escala, chamadas de “guaches de découpés”. Depois eram pintadas com cores bem vivas e coladas nas paredes de seu quarto-ateliê. Assim, Matisse criava um mundo original, semelhante a um jardim, com formas, cores bem vivas e alegres. Uma celebração à vida envolvia o artista!        

                          "(...)o meu prazer pelo recorte aumenta a cada dia que passa! Por que é que não pensei nisto antes? Cada vez me convenço mais que com um simples recorte se pode expressar as mesmas coisas do que o desenho e a pintura”.    Henri Matisse

UNIVERSO INFANTIL NA MENTE DO VOVÔ MATISSE

Inicialmente, as colagens de Matisse sofreram resistência por parte dos críticos, devido a simplicidade foram comparadas a brincadeira de criança ou “distração de um velho doente”. Na época, as colagens não foram levadas a sério e nem se percebia a inovação radical desse trabalho, muito menos a escolha de cores, formas e como eram complexas e interessantes. Sobre a coragem e esforço para inovar, disse Matisse:      
“(...)o esforço necessário para libertar-nos exige uma espécie de coragem; essa coragem é indispensável ao artista que deve ver todas coisas como se as visse pela primeira vez; é preciso ver a vida inteira como no tempo em que se era criança, pois a perda desta condição nos priva da possibilidade de uma maneira original de expressão, isto é, pessoal”.
            Quando uma criança está diante de algo novo é tão agradável perceber o maravilhamento que a envolve, quantas possibilidades brilham em seus olhos, quanto desejo de usufruir do objeto admirado. Imagino que este mesmo sentimento envolvia Matisse diante de seus recortes e colagens. Como uma criança diante de algo completamente novo e cheio de possiblidades para uma mente tão criativa.
            O desenho no mundo infantil é algo natural e muito prazeroso, assim como pintar, colar, recortar, rasgar. Porém, o desenho é uma das maneiras que a criança tem de se comunicar, de expressar seu universo e de como se sente no mundo que a cerca. 
            Outro fato é que frequentemente elas preferem desenhar ou pintar aquilo que querem e não necessariamente aquilo lhe mandam fazer, pois apreciam a liberdade de criar, de expressar-se do seu jeito.  
            Segundo Nancy Rabello, “a criança quando desenha traz imagens mentais para o papel e cria sua obra de arte. Isso significa transformar o que tem na sua imaginação em linguagem artística”. (p 21).

UMA VIVÊNCIA ARTETERAPÊUTICA

      Em uma oficina criativa para um grupo de crianças, foi apresentada a obra de Matisse através da exibição de um vídeo bem curto, em desenho animado, focado nos últimos anos de seu trabalho. As crianças foram estimuladas a criar recortes do jeito que desejassem e depois poderiam colar em uma folha. A proposta era: vamos pintar de maneira diferente; vamos pintar como fez o Vovô* Matisse, usando a tesoura. Eles escolheram as folhas coloridas de gramaturas diferentes e rapidamente a liberdade de criar tomou conta do ambiente. Foi possível perceber o impasse de alguns quanto a forma que escolheriam, a dificuldade de outros com a tesoura, como organizar seus recortes na folha, o lidar com a frustração, pois nem sempre a imagem estava de acordo com o que imaginavam fazer, as inúmeras tentativas de cortar, o papel rasgar por aplicar mais força do que deveria, como  colar desta ou daquela forma. Os resultados foram muito interessantes, mas a melhor parte foi o prazer que as crianças sentiram em fazer uma obra de arte com a liberdade e com um instrumento diferente, no caso a tesoura.  
A vida de Matisse é uma inspiração em muitos aspectos, pela sua obra grandiosa, por sua capacidade de superação e por não abrir mão de seu olhar de criança sobre o mundo, as cores e as formas da vida. 
“Meu papel é apaziguar. Porque de minha parte, eu também preciso de apaziguamento."
Henri Matisse

*Pelo fato de Matisse, no vídeo ser um idoso, as crianças o chamaram de Vovô Matisse.

Bibliografia: 
Rabello, Nancy – O desenho infantil – Ed Wak, 2013
Oaklander, Violet – Descobrindo crianças – 17ª edição – Summus Editorial
Textos do Blog Não Palavra
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Sobre a autora: Tania Salete

Graduação em fonoaudiologia, pós graduação em psicopedagogia. Especialização em Arteterapia pela POMAR, Rio de Janeiro, atuando com grupos terapêuticos e de apoio em casa de recuperação feminina e masculina. Atualmente residindo em Fortaleza.

Instagram: .instagram.com/caminhartes.arteterapia/
Blog: caminhartesarteterapia.blogspot.com/

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

SÉRIE CORES: COR, ALMA, CORPO



Eliana Moraes (MG) RJ 
naopalavra@gmail.com
Instagram @naopalavra

“Passem-se os olhos por uma paleta coberta de cores... O olho sente a cor. Experimenta suas propriedades, é fascinado por sua beleza... Quando penetra profundamente, desperta outras impressões cada vez mais fortes e pode deflagrar toda uma cadeia de eventos psíquicos...” (KANDINSKY, 1990, pag 63)

Ao longo deste ano estive envolvida com algumas pesquisas e experimentações entre teorias da arte e a Arteterapia. Dentre elas, os elementos visuais, principalmente as cores. Desde o início da minha vida profissional, pelo fato de trabalhar com planos de saúde, fui desafiada ao atendimento de pessoas dos mais variados estilos, idades, origens, escolaridades, religiosidades... O ponto em comum, basicamente, era a falta de intimidade ou qualquer contato com a arte e a expressão através dela. Desde cedo percebi que eu precisava buscar estímulos de fácil acesso, compreensão e identificação de forma “democrática”, com potencial de alcance à pluralidade humana, e assim nasceu meu namoro com as teorias e história da arte. 

Desde que conheci Kandinsky (dentre outros elementos me apresentados por ele) tenho pensado, estudado e utilizado as cores como um potencialíssimo estímulo sensorial e psíquico na clínica da Arteterapia. Afinal, Kandinsky propunha algo que podemos considerar um dos pilares para a Arteterapia:

“... Uma evolução da arte afastadas redundâncias do materialismo para se tornar um instrumento com o qual se comunicam emoções ‘puras’ obtidas por meio do impacto sensorial e psíquico de formas e cores.” (ESMANHOTTO, 2011)

“Comunicar emoções puras”, este é um dos pontos orientadores quando escolho oferecer cores aos meus pacientes. Desenvolvi o estilo de associá-las com algumas poesias que foram me atravessando ao longo da minha caminhada, até que há alguns meses estruturei o ciclo “Cores e Poesias” ao qual venho aplicando em grupos arteterapêuticos que sustento. Venho também compartilhando fragmentos desta jornada nas redes sociais do Não Palavra (Fan page, Instagram e Email).

Neste texto inicio uma série em que compartilharei citações de três autores que têm me embasado nesta pesquisa e construção de trabalho. Hoje, o pai de todos, Wassily Kandinsky. O próximo, Fayga Ostrower e por fim uma autora da Arteterapia propriamente dita, Maria Cristina Urrutigaray. 

Kandinsky: Cor, alma, corpo

Em seu livro “Do espiritual na arte” Kandinsky teoriza sobre o caminho para a abstração e a potência expressiva das cores e das formas na pintura. Para ele, a cor tem um acesso direto à alma: 

“A cor... é o meio de exercer sobre ela [a alma] uma influência direta. A cor é a tecla. O olho o martelo. A alma é o piano de inúmeras cordas. Quanto ao artista, é a mão que, com a ajuda desta ou daquela tecla, obtém da alma a vibração certa. É evidente portanto que, a harmonia das cores deve unicamente basear-se no princípio do contato eficaz... Princípio da Necessidade Interior.” (KANDINSKY, 1990, pag 66)

Kandinsky propunha uma inversão no ato de criar: crítico de uma arte extremamente técnica, que tinha um olhar voltado para as demandas exteriores, defendia o resgate de uma arte em que o único princípio norteador para a criação fosse a “necessidade interior” do artista. Para isso utilizaria a vibração psíquica provocada por cada cor, que atingiria a alma e esta diretamente ligada ao corpo imporia a ele uma ação. Cor, alma, corpo, este seria o fluxo do pintar. Em suas palavras: 

“A cor provoca portanto uma vibração psíquica. E seu efeito físico superficial é apenas... o caminho que lhe serve para atingir a alma... Estando a alma estreitamente ligada ao corpo, uma emoção qualquer sempre pode, por associação, provocar nele outra que lhe corresponda... A cor... desperta a lembrança de outro agente físico que exerce sobre a alma uma ação... (KANDINSKY, 1990, pag 64)

Para Kandinsky, trazer cor estava intimamente ligado a trazer vida. Em uma passagem de seu livro, faz referência ao pintor impressionista Cézanne, exaltando-o sobre a potência de sua obra que ao ressaltar a cor, dava vida aos objetos. Cézanne: 

“Elevou a ‘natureza morta’ ao nível de objeto exteriormente ‘morto’ e interiormente vivo. Tratou os objetos como tratou o homem, pois tinha o dom de descobrir a vida interior em tudo. Captura-os e entrega-os à cor. Recebem dela a vida – uma vida interior.” (KANDINSKY, 1990, pag 50)

“Poesias e Cores”: Aplicabilidades para a Arteterapia

- A arte como um caminho para a expressão de “emoções puras”:


Em Kandinsky, as cores e os movimentos corporais que acabarão por gerar registros através das formas, serão o caminho para a expressão de “emoções puras”, muitas vezes ainda impossíveis de serem expressadas em palavras. Quando recebo um paciente tomado por uma emoção ao qual tenta e tenta “explicar”, mas as palavras são ineficientes, logo lanço mão da inspiração em Kandinsky. Peço que o paciente entre em contato com aquela emoção. Que perceba como ela o afeta, psíquica e corporalmente. Pergunto quais são as cores que esta emoção lhe traz: cores quentes/frias, claras/escuras, fortes/tons pastéis. Em seguida, peço que perceba os movimentos que aquele sentimento provoca: movimentos para dentro/para fora, movimentos arredondados/retilíneos, fortes/fracos...

Por fim, peço que explore o espaço do papel a partir das cores, movimentos e formas. Abre-se assim a expressão de emoções profundas, ainda sem nome, mas que através da linguagem pictórica se constela. 

- O caminho para a abstração: 



“Sou livre para o silêncio das formas e das cores” Manoel de Barros

Na prática da Arteterapia, Kandinsky me orienta quando me deparo com pacientes extremamente esvaziados, empobrecidos, ensimesmados, como por exemplo deprimidos graves. Este perfil de pacientes apresenta grande resistência à expressão verbal e a arte comparece como um caminho possível. A possibilidade de expressar-se sem o imperativo da palavra ou até mesmo da imagem figurativa tem efeito aliviador, ou parafraseando Manoel de Barros, abre-se a liberdade para o “silêncio” das formas e das cores. Desta maneira, observo que nasce uma abertura no processo criativo, para maior exploração dos materiais e do espaço disponível no papel.

Kandinsky nos ensina também que a cor tem um acesso direto a alma e provoca uma vibração psíquica. Esta vibração atinge a dimensão corporal, o que gera movimento em um sujeito embotado. A arte alcança assim o ser humano de forma integral, nas dimensões psíquica, física e espiritual. 

Por fim, contamos com a cor para o movimento de gerar lampejos de vida em alguém aparentemente “morto”. No chão da clínica recebemos sujeitos “exteriormente mortos”, mas como arteterapeutas, podemos captura-los e entrega-los à cor. A cada criação, dela eles receberão vida, redescobrindo assim uma vida interior. 

Sigo com o estudo e a prática com cores e em breve trarei outros dois textos desta série. 

Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.


A Equipe Não Palavra te aguarda!

Referências Bibliográficas:

ESMANHOTTO, Monica; ESMANHTTO Simone. Coleção Grandes Mestres: Kandinsky. Editora Abril, SP. 2011. 

KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte. 1990.
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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga. 

Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 

Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".

Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 

Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.