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segunda-feira, 8 de outubro de 2018

SÉRIE CORES: COR, ALMA, CORPO



Eliana Moraes (MG) RJ 
naopalavra@gmail.com
Instagram @naopalavra

“Passem-se os olhos por uma paleta coberta de cores... O olho sente a cor. Experimenta suas propriedades, é fascinado por sua beleza... Quando penetra profundamente, desperta outras impressões cada vez mais fortes e pode deflagrar toda uma cadeia de eventos psíquicos...” (KANDINSKY, 1990, pag 63)

Ao longo deste ano estive envolvida com algumas pesquisas e experimentações entre teorias da arte e a Arteterapia. Dentre elas, os elementos visuais, principalmente as cores. Desde o início da minha vida profissional, pelo fato de trabalhar com planos de saúde, fui desafiada ao atendimento de pessoas dos mais variados estilos, idades, origens, escolaridades, religiosidades... O ponto em comum, basicamente, era a falta de intimidade ou qualquer contato com a arte e a expressão através dela. Desde cedo percebi que eu precisava buscar estímulos de fácil acesso, compreensão e identificação de forma “democrática”, com potencial de alcance à pluralidade humana, e assim nasceu meu namoro com as teorias e história da arte. 

Desde que conheci Kandinsky (dentre outros elementos me apresentados por ele) tenho pensado, estudado e utilizado as cores como um potencialíssimo estímulo sensorial e psíquico na clínica da Arteterapia. Afinal, Kandinsky propunha algo que podemos considerar um dos pilares para a Arteterapia:

“... Uma evolução da arte afastadas redundâncias do materialismo para se tornar um instrumento com o qual se comunicam emoções ‘puras’ obtidas por meio do impacto sensorial e psíquico de formas e cores.” (ESMANHOTTO, 2011)

“Comunicar emoções puras”, este é um dos pontos orientadores quando escolho oferecer cores aos meus pacientes. Desenvolvi o estilo de associá-las com algumas poesias que foram me atravessando ao longo da minha caminhada, até que há alguns meses estruturei o ciclo “Cores e Poesias” ao qual venho aplicando em grupos arteterapêuticos que sustento. Venho também compartilhando fragmentos desta jornada nas redes sociais do Não Palavra (Fan page, Instagram e Email).

Neste texto inicio uma série em que compartilharei citações de três autores que têm me embasado nesta pesquisa e construção de trabalho. Hoje, o pai de todos, Wassily Kandinsky. O próximo, Fayga Ostrower e por fim uma autora da Arteterapia propriamente dita, Maria Cristina Urrutigaray. 

Kandinsky: Cor, alma, corpo

Em seu livro “Do espiritual na arte” Kandinsky teoriza sobre o caminho para a abstração e a potência expressiva das cores e das formas na pintura. Para ele, a cor tem um acesso direto à alma: 

“A cor... é o meio de exercer sobre ela [a alma] uma influência direta. A cor é a tecla. O olho o martelo. A alma é o piano de inúmeras cordas. Quanto ao artista, é a mão que, com a ajuda desta ou daquela tecla, obtém da alma a vibração certa. É evidente portanto que, a harmonia das cores deve unicamente basear-se no princípio do contato eficaz... Princípio da Necessidade Interior.” (KANDINSKY, 1990, pag 66)

Kandinsky propunha uma inversão no ato de criar: crítico de uma arte extremamente técnica, que tinha um olhar voltado para as demandas exteriores, defendia o resgate de uma arte em que o único princípio norteador para a criação fosse a “necessidade interior” do artista. Para isso utilizaria a vibração psíquica provocada por cada cor, que atingiria a alma e esta diretamente ligada ao corpo imporia a ele uma ação. Cor, alma, corpo, este seria o fluxo do pintar. Em suas palavras: 

“A cor provoca portanto uma vibração psíquica. E seu efeito físico superficial é apenas... o caminho que lhe serve para atingir a alma... Estando a alma estreitamente ligada ao corpo, uma emoção qualquer sempre pode, por associação, provocar nele outra que lhe corresponda... A cor... desperta a lembrança de outro agente físico que exerce sobre a alma uma ação... (KANDINSKY, 1990, pag 64)

Para Kandinsky, trazer cor estava intimamente ligado a trazer vida. Em uma passagem de seu livro, faz referência ao pintor impressionista Cézanne, exaltando-o sobre a potência de sua obra que ao ressaltar a cor, dava vida aos objetos. Cézanne: 

“Elevou a ‘natureza morta’ ao nível de objeto exteriormente ‘morto’ e interiormente vivo. Tratou os objetos como tratou o homem, pois tinha o dom de descobrir a vida interior em tudo. Captura-os e entrega-os à cor. Recebem dela a vida – uma vida interior.” (KANDINSKY, 1990, pag 50)

“Poesias e Cores”: Aplicabilidades para a Arteterapia

- A arte como um caminho para a expressão de “emoções puras”:


Em Kandinsky, as cores e os movimentos corporais que acabarão por gerar registros através das formas, serão o caminho para a expressão de “emoções puras”, muitas vezes ainda impossíveis de serem expressadas em palavras. Quando recebo um paciente tomado por uma emoção ao qual tenta e tenta “explicar”, mas as palavras são ineficientes, logo lanço mão da inspiração em Kandinsky. Peço que o paciente entre em contato com aquela emoção. Que perceba como ela o afeta, psíquica e corporalmente. Pergunto quais são as cores que esta emoção lhe traz: cores quentes/frias, claras/escuras, fortes/tons pastéis. Em seguida, peço que perceba os movimentos que aquele sentimento provoca: movimentos para dentro/para fora, movimentos arredondados/retilíneos, fortes/fracos...

Por fim, peço que explore o espaço do papel a partir das cores, movimentos e formas. Abre-se assim a expressão de emoções profundas, ainda sem nome, mas que através da linguagem pictórica se constela. 

- O caminho para a abstração: 



“Sou livre para o silêncio das formas e das cores” Manoel de Barros

Na prática da Arteterapia, Kandinsky me orienta quando me deparo com pacientes extremamente esvaziados, empobrecidos, ensimesmados, como por exemplo deprimidos graves. Este perfil de pacientes apresenta grande resistência à expressão verbal e a arte comparece como um caminho possível. A possibilidade de expressar-se sem o imperativo da palavra ou até mesmo da imagem figurativa tem efeito aliviador, ou parafraseando Manoel de Barros, abre-se a liberdade para o “silêncio” das formas e das cores. Desta maneira, observo que nasce uma abertura no processo criativo, para maior exploração dos materiais e do espaço disponível no papel.

Kandinsky nos ensina também que a cor tem um acesso direto a alma e provoca uma vibração psíquica. Esta vibração atinge a dimensão corporal, o que gera movimento em um sujeito embotado. A arte alcança assim o ser humano de forma integral, nas dimensões psíquica, física e espiritual. 

Por fim, contamos com a cor para o movimento de gerar lampejos de vida em alguém aparentemente “morto”. No chão da clínica recebemos sujeitos “exteriormente mortos”, mas como arteterapeutas, podemos captura-los e entrega-los à cor. A cada criação, dela eles receberão vida, redescobrindo assim uma vida interior. 

Sigo com o estudo e a prática com cores e em breve trarei outros dois textos desta série. 

Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.


A Equipe Não Palavra te aguarda!

Referências Bibliográficas:

ESMANHOTTO, Monica; ESMANHTTO Simone. Coleção Grandes Mestres: Kandinsky. Editora Abril, SP. 2011. 

KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte. 1990.
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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga. 

Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 

Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".

Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 

Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

3 comentários:

  1. Parabéns mais uma vez! Sou sua fã!
    👏👏👏👏👏👏

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  2. Muito interessante o texto.
    Espero ainda a oportunidade de vivenciar essa experiência no Espaço Não Palavra.
    Parabéns,
    Rosângela.

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