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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

OS MATERIAIS E A INTENSIFICAÇÃO DO VIVER: EXPANSÃO E LIMITE


Por Eliana Moraes (MG) RJ 
naopalavra@gmail.com
Instagram @naopalavra
Tenho investido em minha observação clínica sobre as singularidades de cada material, aquilo que especificamente ele desperta naquele que o experimenta. Tenho pensado no arteterapeuta como “um promotor de encontros” entre o paciente/cliente e o material expressivo facilitador do seu processo de autoconhecimento e individuação. Uma referência que constrói meu olhar são as palavras de Fayga Ostrower, quando defende que o criar é uma “intensificação do viver”. Ouvir o pedido intuitivo pelo material pertinente, para a intensificação do viver do sujeito que cria, eis a profundidade do ofício do arteterapeuta. 
O estudo, a experimentação, a criação de intimidade com cada material, faz parte da construção do arteterapeuta e só assim desenvolverá a destreza de oferecer os materiais (com riqueza de possibilidades) com naturalidade no momento do atendimento e da escuta clínica. Pois, como defende Cláudia Brasil: 
“Todas as características dos materiais atingem diretamente quem usa, causando determinadas emoções que serão acolhidas na relação terapêutica. Entender essas características e as necessidades de cada pessoa é a chave para saber escolher o material adequado à situação.” (BRASIL)
De posse das propriedades de um determinado material, é possível também dialogá-lo com outro que lhe faça alguma oposição. E aqui está o objeto deste texto. 
Tenho observado em minha clínica pacientes em suas singularidades e biografias, trazendo questões inseridas no eixo flexibilizar/dar forma, diluir/dar contorno, expandir/dar limite. Em Arteterapia, o setting terapêutico se configura como um espaço em que o paciente não “apenas” fala de sua questão, mas age sobre ela através do ato criativo, a partir do material pertinente à sua demanda. Neste contexto, dois diálogos entre materiais se mostraram eficazes em minha clínica:

Lápis Aquarelável e Canetinha


O lápis aquarelável tem se tornado um grande instrumento em minha prática. Um material intermediário, inicialmente se dá como um material de desenho, portanto de controle. Mas através dele, o autor deposita certa quantidade de pigmento no papel, que ao contato com o pincel umedecido, será diluído, tornando-se pintura. Aquarelar significa acrescentar água, amolecer o que está enrijecido e seco, diluir, flexibilizar, expandir. Pela Psicologia Analítica ainda contamos com o simbolismo de entrar em contato com a água que aponta para o investimento da função sentimento.
Por outro lado, estruturante é também investir no elemento linha, que é aquele que dá forma, bordas, contornos, estabelece as fronteiras e os limites. Neste momento a canetinha desempenha o papel de ressaltar este elemento quando há a necessidade de se evitar misturas excessivas e transbordamentos. 
O ponto de equilíbrio está na responsabilização (por si) pelo autor de, apossar-se de seu processo criativo (de individuação) e escolher conscientemente onde deve  expandir e onde deve investir no contorno que estrutura. Pintar, preencher e expandir respeitando os contornos e limites que o próprio autor estabeleceu é o grande desafio. 
Na maioria das vezes tenho proposto este diálogo de materiais e cores na forma da mandala, para encaminhar ainda mais para a proposta do equilíbrio, integração e harmonização dos movimentos de expansão e do estabelecimento de limites: movimentos opostos que se complementam. 

Aquarela e Pastel Oleoso


Outra articulação de materiais interessante se dá com a aquarela e o pastel oleoso devido suas composições químicas: 
“[Pastel Oleoso...] Possue cores fortes, são fáceis de controlar... São viscosos pela oleosidade presente em sua constituição.” (URRUTIGARAY, 2011, pag 63)
“ Como a aquarela é uma tinta resultante de pigmentos de várias cores misturados geralmente com goma arábica, ela precisa ser dissolvida em água para ser utilizada. Portanto é a quantidade de água presente no pincel que determinará a variação de tons...” (URRUTIGARAY, 2011, pag 64)
O diálogo entre estes dois matérias proporciona o contato com dois elementos:  água e óleo, que não se misturam, se respeitam. Assim, um não invade o espaço do outro, mas podem dialogar harmonicamente.  
Através da aquarela, tinta tão aguada, abre-se a oportunidade para a expansão dos gestos, traços e sentimentos além das misturas e até mesmo nascimento de novas cores e possibilidades. O pastel oleoso atuará como traços de contorno, contenção, estrutura. Aqui vale ressaltar a importância de um pastel de qualidade para que o óleo/cera efetivamente possa fazer a barra. Vale também instrumentalizar o paciente, dizendo-o que quanto mais grosso o traço, mais eficaz será a borda.  Nasce então o desafio de uma composição que integre os materiais e tantos movimentos físicos e psíquicos. 
A articulação entre as demandas e quadros clínicos com os materiais em suas especificidades tem se tornado uma grande motivação para as minhas observações e teorizações na Arteterapia. Confiando na potência do processo criativo como mobilizador do ser humano de forma integral – nos campos físico, psíquico, cognitivo e espiritual – cada vez mais acredito que o criar age como fermento do processo de autoconhecimento. Pois como nos diz Fayga Ostrower:
“Cabe ter em mente que na arte, o fazer equivale ao saber e o saber ao fazer.” (OSTROWER, 1983, pag 242)



Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.


A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências Bibliográficas:
BRASIL, Cláudia. Cores, formas e expressão: Emoção de lidar e Arteterapia na Clínica Junguiana
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação

________________. Universo da Arte. 1983.

URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: A transformação pessoal pelas imagens 
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Sobre a autora: Eliana Moraes

Arteterapeuta e Psicóloga. 
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 

Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".

Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 

Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.
Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.


2 comentários:

  1. Sou formada em letras e foi na pós graduação em teoria da literatura que tomei contato primeiramente com a psicanálise. Como sempre usei a escrita e as artes visuais como expressão pessoal, fazia sempre uma ponte entre arte e psicanálise, arte e psicologia. Comecei a participar dos primeiros grupos de estudo em arteterapia em Recife desde os anos 90. A prática artística me direcionou para a minha escolha profissional definitiva. Hoje sou artista visual e arteterapeuta com pós graduação em Arteteraia em linguagens corporais(2012 a 2014). Sou uma pesquisadora de materiais e me identifiquei muito com esse texto. Gostaria de trocar informações com vocês.
    Virginia Neves Baptista.( VICA)

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    Respostas
    1. Bem vinda Virginia!
      Que bom receber seu contato!
      Que belo percurso!
      Eu tb estudo as articulações da Arteterapia com a Psicanálise.
      Por favor, nos envie um email para naopalavra@gmail.com
      Assim vc ficará atualizada sobre nossos conteúdos e também poderemos trocar ideias!
      Um beijo
      Eliana

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