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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

GESTALT E ARTE: O CONTATO


Por Valéria Diniz – RJ
valdiniz.td@gmail.com
Instagram @valeriadiniz50
“...a Gestalt não reivindica o estatuto de ciência, mas tem a honra de permanecer uma arte.” Ginger                                                                                                                                                                                                            
Era uma das primeiras sessões com Jhony. Tinha 34 anos, profissional da área de finanças. Veio encaminhado por seu psiquiatra com diagnóstico de “Transtorno de ansiedade”.

Levantava  da poltrona umas 5 vezes para beber água e consequentemente ir ao banheiro.

Cruzava e descruzava as pernas na tentativa de disfarçar sua dificuldade em ficar parado.
Em Gestalt, a proposta de estar em contato ou entrar em contato com o que sente, o que diz, o que percebe é sempre um convite desconhecido. Pode ser assustador, menosprezado, incompreensível, dentre tantas outras estranhezas, mas, sei que, no primeiro momento não é nada fácil.
Fazer contato é uma forma de trazer à consciência os conteúdos desconhecidos, sentimentos, sensações, partes importantes da psique que  ajudam na compreensão do modo de funcionar, de se relacionar consigo e com o meio.
Gosto de explicar aos clientes a proposta do contato, qual o objetivo e importância desse aprendizado, não só no espaço terapêutico, mas para a vida de modo geral.
Então o convite: 
- Jhony , quero te propor que faça contato com o que você está sentindo agora.
- Eu to muito ansioso!
- Estou vendo, mas quero te convidar a fazer contato com o que você chama de ansiedade.
- Como assim??”

A resposta inicial do convite costuma vir em forma de explicação ou repetição de uma palavra ou um conceito já predeterminado.
Fazer contato com a ansiedade, aqui no caso de Jhony, é uma possibilidade de ampliar a consciência e entender o que a palavra “ansiedade” significa para ele. O que ela traz de percepção e consciência. É aprofundar-se para além do conceito. É tornar consciente e conhecida suas emoções, compreender, aprender de si e do seu modo de relacionar-se com o meio.
Não temos o hábito em nossa cultura ocidental de conhecer sobre nossa subjetividade e, não fomos ensinados, ou melhor, não somos alfabetizados na linguagem das emoções.
A proposta de “fazer contato com o que sente” é um novo aprendizado e, como tal, cada pessoa aprende a seu modo e a seu tempo.
Em minha prática clínica tenho percebido que as Técnicas Expressivas facilitam e suavizam esse aprendizado de estar em contato. O que soa estranho e abstrato nas palavras fica mais concreto e visível através da arte.
O que me leva a mudar o convite:
- Jhony , “sinta “ as imagens e separe aquelas que sobressaem para você.  
Essa forma de convidar ao “sentir” através de variadas figuras é como “uma alfabetização”. Primeiro, sentir através das imagens diminui a ansiedade do desconhecido, do novo aprendizado. As figuras são nossas conhecidas e quando voltamos a atenção para a escolha temos a “ilusão” de estar fazendo algo fora de nós mesmos, o que diminui consideravelmente a angústia (natural) de começar uma viagem para dentro de nós.
Com Jhony escolhi trabalhar inicialmente com as figuras que posteriormente foram coladas em um fundo.
A colagem é uma técnica simples usando apenas imagens diversas, cola e cartolina. Separo apenas três cores de papel cartão (branco, preto e o lado avesso que oferece uma textura rústica.
Na própria escolha do fundo já estamos trabalhando o contato com suas emoções, de um modo mais sutil.
- Escolhi o fundo rústico porque parece a terra.
É o máximo que ele consegue dizer, no primeiro momento. Durante a escolha das imagens sua inquietação foi diminuindo, conseguiu sentar no chão e passear pelas figuras, soltava suspiros e sua respiração foi desacelerando. Escolheu e colou rapidamente, sem domínio da quantidade de cola que acabava “borrando” sua criação.
E trabalhamos colagens por algum tempo. Colagem de figuras, de papéis, de sobreposições variadas. Como foi ganhando controle na quantidade de cola  assim como ganhava controle sobre sua vida.
E, no caminho do aprendizado fomos (eu e ele) conhecendo um pouco mais de seu movimento. Percebemos que conseguiu ficar mais focado quando escolhia porque entrou em contato com seus conteúdos internos. Que a respiração tranquilizou porque, finalmente, não estava com a cabeça a “’mil por hora’, perdido em tantas preocupações”. 
Posteriormente, ele mesmo escolhia o material que desejava trabalhar. Com as cores aprendeu a fazer contato com suas emoções. Com as colagens aprendeu a fazer contato com seu movimento de priorizar, organizar. Com a cola aprendeu a fazer contato com sua impotência em fazer tudo certinho, que é possível errar e tudo bem.
E através da arte foi aprendendo a fazer contato consigo. A estar em contato no aqui e agora com consciência do que sente e do que faz. Já alfabetizado na linguagem das emoções percebeu que sua ansiedade tem muito a ensinar e agora, podemos dar mergulhos mais profundos.
Em um dos nossos últimos encontros antes de escrever esse texto, fizemos um desenho cego. Onde o contato externo é quase nenhum, apenas os lápis em suas mãos encontram o papel. De olhos fechados aos estímulos externos o referencial é seu próprio interior. O contato é ampliado com a riqueza de sua subjetividade e meu objetivo é despertar seu potencial criativo. Em Gestalt Terapia, para além do sintoma ou da doença, valorizamos a potência criativa, o ajustamento criativo e saudável do ser humano.
Mas, sobre ajustamento criativo vou falar em outro texto.
Para finalizar quero usar duas frases:
“..que a Arte nos aponte um caminho....” de Oswaldo Montenegro, que nos indica uma possibilidade. A possibilidade de oferecer uma clínica mais suave utilizando a riqueza das técnicas expressivas para facilitar o caminhar, nosso e de nossos clientes.
 “Se a gente cresce com os golpes duros da vida, também podemos crescer com os toques suaves na alma” de Cora Coralina, que nos mostra uma forma de tocar com delicadeza, respeito e suavidade. Tocar a nós mesmos e aqueles que confiam em nosso trabalho.
Que através da arte a minha forma de fazer contato seja tocar com suavidade a alma daqueles que me colocam em suas histórias.
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!
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Sobre a autora: Valéria Diniz


Psicóloga 

Gestalt terapeuta

Mestra em Saúde Mental

Atendimento individual e casal .
Oficinas de Técnicas Expressivas em Gestalt 


6 comentários:

  1. Muito maravilhoso estou ,encanta com a sutileza do trabalho, fiquei com gosto de "quero mais "...

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    1. Gratidão pelo feedback.Esse é o primeiro texto de uma série. Teremos mais.

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  2. "Alfabetizar na linguagem das emoções." Gostei muito dessa proposta! Você, como em tudo que faz,se revela eficiente! Grato por compartilhar comigo. Beijos querida!

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  3. Valeria querida, sensacional e estimulador!
    Fiquei emocionada em ler seu texto e também com gostinho de quero mais...
    Parabéns pela delicadeza e sensibilidade, habilidades tão importantes em nosso trabalho.
    Bjao!!

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  4. Lindo texto! Parabéns! E obrigada por compartilhar. Bjs

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