Por Eliana
Moraes – MG
naopalavra@gmail.com
Abre-se 2022, um novo ciclo com suas dores e delícias. Mais
um ano que se inicia com suas interrogações e incertezas: o que temos pela
frente? O que está por vir? No campo da escuta clínica, dos temas trabalhados
com mais frequência são o lidar com a flexibilidade, a habilidade de
“naturalizar os imprevistos” (com todo o paradoxo que esta expressão carrega),
a tolerância ao não controle da vida, saber planejar-se e organizar-se à curto
prazo, o ancoramento interno em meio às oscilações externas, a liberdade
individual perante os movimentos coletivos.
Nesse cenário, tenho estimulado aos terapeutas de minha rede
que agucem sua escuta para outras temáticas, além dessas, para que possamos
buscar instrumentalizações teóricas e práticas previamente. Tomando emprestado
a expressão cunhada por Ezra Pound, a qual se refere aos artistas como “antenas
da raça”, acredito que os arteterapeutas são participantes da alma do artista,
além de carregar em si a sensibilidade do terapeuta. Exercendo assim, a função
de “antena da raça”, um dos temas que mais tem me atravessado para a escuta de
2022 são os relacionamentos humanos.
O tema “relacionamentos” sempre fez parte da escuta terapêutica.
Entretanto, observo que dos últimos anos até aqui, esta temática tem tomado um
lugar cada vez mais central e específico nas angústias trazidas pelos
pacientes, culminando neste ano que se inicia. Ao que tudo indica teremos um
ano extremamente desafiador em vários aspectos políticos, econômicos, sociais,
que naturalmente se configurarão em angústias individuais que irão carecer de
acolhimento dentro do setting terapêutico. Dentro disso, os encontros e
desencontros interpessoais fatalmente se farão bastante presentes.
Encontrei eco nas palavras de Beatriz Cardella, aos quais
compreendo que se encaixam como uma luva para as reflexões atuais:
Observo no cotidiano da clínica as
formas do sofrimento produzidas pela contemporaneidade; muitos sofrem ao
viverem num mundo excessivamente competitivo, de relações superficiais e de
dilaceramento dos vínculos humanos; testemunho o anseio de meus pacientes por
viverem relações significativas, amorosas, de confiança e de intimidade.
Vivemos, como nos diz o sociólogo polonês
Zigmunt Bauman, num mundo líquido, do homem sem vínculos; as relações foram
substituídas por conexões, que implicam sempre a facilidade de desconectar,
característica do descartável. A clínica revela que muitas pessoas estão
ávidas e carente de vínculos, porém pouco disponíveis e preparadas para a
desarrumação que uma verdadeira relação certamente provoca. Amar e ser amado
implica consentimento para ser perturbado. (CARDELLA, 2020, 34)
Receber, ouvir, acolher, tolerar. Aqui estão grandes desafios
para aqueles que desejam relacionar-se mas esquecem que para isso, é necessário
dialogar com o outro.
Por outro lado, embora um movimento tão desafiador, Beatriz
nos lembra que aspectos envolvidos com os relacionamentos fazem parte das
necessidades ontológicas do ser humano. Estas são necessidades do ser, em
oposição às necessidades concretas, ônticas:
Há formas de sofrimento que têm sua
origem no registro ontológico... que implicará o conhecimento do paciente como
ser humano. (REHFELD, 2009)
Na clínica isto significa que o
terapeuta precisará reconhecer as necessidades fundamentais da dignidade
humana que constituem o Ethos, como por exemplo: a hospitalidade, o
pertencimento, o reconhecimento, a singularidade, a criatividade, a
responsabilidade, a transcendência, entre outras...
Essas formas de sofrimento se
caracterizam como desenraizamentos, a perda das raízes na condição
humana. (CARDELLA, 2020, 52-53)
Grupos arteterapêuticos em 2022
Neste contexto, tenho pensado e retomado meus estudos e
produção de conteúdos sobre um dos temas mais próprios da Arteterapia: as
práticas em grupos arteterapêuticos em suas mais variadas modalidades.
Estar em grupo dentro de um setting terapêutico significa não
apenas “falar” sobre as relações, mas “vivenviar” relações no contexto de um
espaço para o autoconhecimento. Assim, um grupo arteterapêutico se configura
como:
... uma subversão ao convite tão
subjetivo de nossa cultura, os participantes de um grupo de arteterapia
têm a oportunidade de saírem de sua zona de conforto, se deslocarem ao encontro
com outros seres humanos e a partir das propostas expressivas e criativas se
perceberem, se pensarem como sujeitos (de) em relação e se assim desejarem,
ensaiarem movimentos de mudança que certamente transbordarão para suas relações
em outras esferas. (MORAES, 2018, 109)
Desta forma, acredito que como arteterapeutas poderemos
exercer nossa micropolítica: em tempos tão propício aos desencontros, a prática
arteterapêutica poderá servir como um vetor de encontros, vínculos, saúde
integral individual e coletiva:
[Grande é] a importância dos grupos
para constituir redes sociais criativas, base para a construção de
comunidades mais harmônicas, fraternas e saudáveis, que são geradas e
multiplicadas a cada grupo arteterapêutico... (PHILIPPINI, 2011, 14)
Mas uma das especificidades que a Arteterapia nos oferece é,
de fato, inserir a arte – o ato criativo e a linguagem ampliada através das
imagens – na presença, diálogo e coparticipação do outro. Com a introdução da
arte, a teia afetiva, projetiva e relacional, sem dúvida, ganha outros
contornos e dinâmicas dentro do setting, aos quais o arteterapeuta deve buscar
aprofundar-se em seus estudos, seja em literatura teórica, supervisões, grupos
de estudos e diálogos com seus pares.
De posse deste propósito, no último dia dois de fevereiro, iniciamos
nossa jornada com o primeiro Webinar para o diálogo sobre diversos olhares
sobre o tema, com as participações de Paula Ribas, Lidia Lacava, Silvia
Quaresma e mediação de Regina Rasmussen do Espaço Crisântemo. A partir de nosso
próprio olhar e os tantos feedbacks que recebemos, percebemos que este foi um
encontro muito potente para o estímulo e instrumentalização de arteterapeutas
para a adesão ao convite de investirmos em grupos com energia e atenção
específicos neste ano que se inicia.
Para fechar a webinar e concluir este primeiro texto de 2022,
mais uma vez escolhi a poesia para sintetizar nossa reflexão e nos sensibilizar
de forma mais profunda. E encontrei nas palavras de Leminsky uma grande
inspiração do porquê nós arteterapeutas devemos investir em grupos
arteterapêuticos neste ciclo que se inicia:
Contranarciso
em mim
eu vejo
o outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente centenas
o outro
que há em mim é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós
Paulo Leminsky
Referências Bibliográficas:
CARDELLA, Beatriz. De volta para casa. Ética e Poética na
Clínica Gestáltica Contemporânea. 2020.
MORAES, Eliana Pensando a Arteterapia Vol 1, 2018.
PHILIPPINI, Angela. Grupos em Arteterapia: Redes criativas
para colorir vidas. Ed Wak, Rio de Janeiro, 2011.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
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