Releitura da obra “A Persistência da Memória” -
Salvador Dalí
por Claudia Abe
Por Claudia Maria Orfei Abe -
São Paulo/SP
Instagram: @claudia_abe_
Ah, o tempo...o que você fez
com o tempo que lhe foi dado em 2021?
Essa pergunta fez parte da
vivência que ofereci para várias pessoas, em atendimento individual e grupal,
em dezembro de 2021, como uma proposta de encerramento de ciclo.
A vida
é um fluxo constituído de ciclos... Mutação e ciclo são necessários para que aconteça
a renovação da vida. É preciso ir para ciclos novos, evoluir. Quando
respeitamos os ciclos, a vida flui, se renova e permitimos nossa própria
evolução. (OTSU, 2006, p. 25-27)
Participaram desta vivência
públicos diferentes, ao longo de uma semana, em atendimento online, e
trabalhamos logo de início com uma pintura de Salvador Dalí – “A Persistência
da Memória” (1931), cuja obra original está exposta no Museu de Arte Moderna
(MoMA) em Nova York, Estados Unidos.
Salvador Dalí, pintor
espanhol, pertenceu ao movimento Surrealista. Suas obras são capazes de nos
deixar perplexos, provocar muitas reflexões, além de atiçar nossa curiosidade.
Na cidade onde nasceu, Figueres, construiu um lindo e enorme museu – o
Teatro - Museu Dalí, onde logo na entrada, num pátio aberto, várias estátuas
douradas recebem os visitantes de braços abertos. Há um curioso Cadillac
estacionado, cujo interior está repleto de plantas artificiais por sobre alguns
bonecos/manequins, estes representando um motorista e um casal sentado no banco
traseiro. Ao depositar uma moeda de euro, literalmente chove no interior do
automóvel. Suas obras instigantes estão expostas ao longo de todo o museu. Dalí
presenteou Gala, sua esposa e musa inspiradora, com um castelo medieval em
Púbol – a Casa-Museu Gala Dalí – e teve como residência uma casa em Portlligat,
hoje também museu. Todos na região da Catalunha, Espanha. Vale a pena uma
visita a esse três locais!
Com a imagem da pintura “A
Persistência da Memória”, na tela de seus computadores e aparelhos celulares,
pedi aos participantes que escrevessem três momentos, a partir da observação da
obra:
1-
O que você vê? Faça uma descrição, observe
cada detalhe.
2-
O que você sente ao ver a obra? Deixe suas
emoções virem, anote suas sensações e sentimentos.
3-
O que você imagina? O que você acha que
está acontecendo nesta cena ou o que pode vir a acontecer?
E assim foram surgindo:
1- Relógios deformados, árvore seca, um
entardecer na praia com as falésias ao fundo, areia escura, rochedo, mar,
perfil humano, piscina suspensa. Três relógios de bolso derretem ao tempo.
2-
Sinto que o tempo passa... ansiedade,
tristeza, solidão, sem vida, tudo é fluido, o tempo é fluido,
incontrolável...me dá tristeza, solidão, dureza do cubo, a rigidez do inútil.
3-
Imagino a imensidão do tempo para alguns e
o momento (brevidade) para outros. O mar nos traz uma espécie desconhecida. A
praia – inquietação do mundo científico. Local abandonado. Fim, sensação de
morte, finitude incontrolável. Praia e montanha eternos, calmos, destoam do
resto.
Surpreendente o que cada
participante observou, aliás, nem eu havia percebido tantos detalhes na
pintura, pois ouvi relatos de muitas pessoas que passaram por esta experiência.
Passamos para o momento de
relaxamento onde fui conduzindo os participantes, de olhos fechados, a fazerem
uma retrospectiva sobre o seu trajeto ao longo do ano de 2021, ainda em período
de pandemia pela Covid-19.
Percorremos os meses, fazendo
uma profunda reflexão sobre como haviam utilizado o tempo em relação à sua própria
pessoa, sua saúde, seus relacionamentos com família e amigos, seu trabalho,
estudos, lazer, finanças e o tempo que utilizaram para se reconectarem com
aquilo que acreditam, com a sua fé.
Fizemos uma pausa para
reflexão do momento atual, no caso, dezembro 2021. E em seguida, pedi para
planejarem como pretendiam utilizar o tempo no novo ano que iria iniciar.
Passaram para a construção de
seus relógios, de posse da imagem da obra de Dalí, e com os materiais
escolhidos por cada participante. Considerei como materiais obrigatórios folhas
sulfite brancas e lápis de cor. Tesoura e cola se estivessem disponíveis. Percorreram
seus espaços para encontrarem mais dois materiais usando a intuição nessa
escolha (sugerido: papel de alumínio, lãs, linhas, botões, grãos, lantejoulas,
papéis coloridos etc.).
Qual o significado do tempo
para você? – Essa foi a grande pergunta.
Compartilhamento
Nesse momento, alguns dos participantes mostraram seus trabalhos pelo vídeo, fazendo um breve relato. De acordo com Hungria (2020, p.101), “...dois artistas não produzem trabalhos iguais, mesmo que a partir de um mesmo tema e técnica. Uma obra é o fruto das vivências do seu criador: suas emoções, percepções, sentimentos e valores.”
“Relógio da Vida”
Palavra
final: Reflexão
“Procurei colocar no relógio
as partes que usei e como vou usar o tempo em cada área da vida. Percebo que tudo está conectado...então, temos que nos dedicar a
tudo!!!!”
“Reflexo
do Tempo – Um Oásis no Deserto”
Palavra
final: Surpreendente
“Gratidão
pela Vida”
Palavra
final: Busca
“Muita gratidão por estar viva
e poder planejar meu futuro: viver com meus amados. Buscar a felicidade e a
simplicidade. Buscar minhas verdades. Minha essência. Viver! Amar! Aproveitar o
tempo que me resta, vivendo com os seres vivos que amo.”
“O Único Tempo”
Palavra
final: Precioso
“Diferente de Dalí, o tempo é
macio e suave. A hora é única, tudo é 1. Sempre em movimento. Único, não é
igual, não tem mostrador, não consegue marcar. Tem uma borboleta fluindo. O
relógio inteiro anda. Cores para o movimento. Pássaros voando. Indo no
amanhecer e no entardecer. Muitas coisas únicas fluindo, indo junto.”
E agora eu te pergunto:
Ah, o tempo...o que você fará
com o tempo que lhe está sendo dado em 2022?
Nota: fotos
e relatos autorizados pelos participantes.
Bibliografia:
HUNGRIA,
Heloisa Soares. Um percurso compartilhado entre Arte Contemporânea e
Arteterapia. Arteterapia no processo do envelhecimento. Selma Ciornai,
Marcia Bombarda Pires de Oliveira, Renata Gabriel Schwinden ( orgs.). Rio de
Janeiro: Wak Editora, 2020.
OTSU,
Roberto. A sabedoria da natureza. Taoísmo, I Ching, Zen e os
ensinamentos essênios. São Paulo: Ágora, 2006.
https://www.wikiart.org/pt/salvador-dali/a-persistencia-da-memoria-1931 : Acessada em 10 dezembro 2021.
https://www.salvador-dali.org/en/museums/ :
Acessada em 03 janeiro 2022.
Se você quiser ler meus textos
anteriores neste blog, são eles:
As Cores em Marilyn Monroe –
13/12/21
Um Desafio – 11/10/21
O Branco no Branco – 23/08/21
Tudo Começa em Pizza –
28/06/21
Um Material Inusitado – O
Carimbo de Placenta – 10/05/21
As Vistas do Monte Fuji –
22/03/21
É Pitanga! – 07/12/20
O que é que a Baiana tem? –
26/10/20
Escrita prá lá de criativa –
27/09/20
Fazer o Máximo com o Mínimo –
01/06/20
Tempo de Corona Vírus, Tempo
de se Reinventar – 13/04/20
Minha Origem: Itália e Japão –
17/02/20
Salvador Dalí e “As Minhas
Gavetas Internas” – 11/11/19
“’O olhar que não se perdeu’:
diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19
Sobre a autora: Claudia Maria
Orfei Abe
Arteterapeuta e Farmacêutica-Bioquímica
Atuei em instituição com o
projeto “Cuidando do Cuidador”, para familiares e acompanhantes dos atendidos.
Atuei também em instituição de longa permanência para idosos com o projeto
“Mandalas”, sua maioria com Doença de Alzheimer.
Voluntária com o projeto
online “Cuidando do Cuidador”, para cuidadores familiares de pessoas com a
Doença de Alzheimer, no grupo GAIAlzheimer, São Paulo.
Idealizadora do projeto
“Simplesmente Eu” com atendimento grupal online, para pessoas que não conhecem
a arteterapia.
Autora do texto “Salvador Dalí
e as minhas gavetas internas”, publicado no livro Escritos em Arteterapia:
Coletivo Não Palavra – organizado por Eliana Moraes, 2020, Semente Editorial.
Participante da Live “Cuidados
na Doença de Alzheimer” do Instituto Alzheimer Brasil – IAB – com o tema
“Arteterapia”, disponível no canal do IAB no Youtube, 2021.
Palestrante especialista do
tema Arteterapia na disciplina "Cuidado integral ao longo do ciclo da vida
à luz das Práticas Integrativas" – Escola de Artes, Ciências e Humanidades
da Universidade de São Paulo – EACH – USP, 2021.
Atendo em domicílio e online,
individual e grupal.
Olá, Cláudia!
ResponderExcluirÉ sempre instigante como você conduz o pensamento a partir de uma obra e o direciona para a pessoa com quem está trabalhando.
Eu jamais pensaria em questionar o que fazemos com o tempo que nos resta a partir de Dali.
É como se você fizesse um salto surreal e nos colocasse dentro da obra nos obrigando a refletir sobre o que é viver, para quê viver e, enfim... para que sentir.
Os seus clientes passaram de uma visão onírica do quadro para uma reflexão onírica sobre a própria vida, sobre esse sonho que é viver de fato.
Vivemos , de alguma maneira, sempre um sonho continuado, que não se acaba, que tem tropeços, que é como um déjà vu, pois estamos sempre acordando para as mesmas coisas, para os mesmos trabalhos, para a mesma família e amores... mas, a partir do quadro, você trás a possibilidade de vermos que esse nosso sonho, a vida real, é a possibilidade única de vivermos por completo utilizando o tempo que nos resta.
Pois, por mais jovens que alguns sejam, é sempre o tempo que nos resta, pois só existe o hoje de fato, amanhã... será outro sonho, será outra visão onírica que iremos vivenciar.
Em qual sonho vale mais a pena viver? Aquele em que nos deixamos levar pelo tempo, ou aquele que dominamos o tempo?
Nós estamos em uma Matrix ? Ou criamos a nossa própria Matrix?
Muito grato a você e ao Dali!
E agora sigo para trabalhar com algo a mais em meu coração!
Forte abraço a você e ao Leonardo!
Obrigado pela amizade!!!
Nas obras me senti extremamente comovida pois , me vi entrar no túnel do tempo onde fui no meu íntimo do caos ao melhor momento do meu "eu"interior, sentir que podemos fazer do TEMPO nosso aliado através de nossas lembranças refletindo no nosso presente e futuro.
ResponderExcluirAdorei
Olá!!!!
ResponderExcluirParabéns, minha amiga!!!!
Emocionante e profunda reflexão!
Viver o tempo...pois não sabemos até quando....
Gratidão!
Beijos,
Érica
Uau!! Vou fazer a prática 😊..Que riqueza de narrativa, conteúdo e inspiração. Siga em frente nesta amorosa e generosa proposta. Congrats
ResponderExcluirAh Claudia....que perfeito. Este trabalho traz a reflexão do período vivido, possibilitando olhar com gratidão o que foi e até dando a possibilidade de corrigir algo...mas entrega de presente, em um período tão incerto e confuso, a dádiva de fazer planos, de ter esperança, de agir. Que façamos com este tempo ofertado algo tão especial que possamos contar ao final deste ano como glória alcançada. Parabéns!!! Vivência para ser multiplicada, pois acende o acreditar e amplia o olhar do é possível, ensina a caminhar . Simples assim
ResponderExcluirQue trabalho inspirador, Claudia. Parabéns. Muito bom refletir através dos trabalhoa. Gratidão
ResponderExcluirAndréa dos Santos
Nossa! Quanta sensibilidade! Parabéns por seu lindo trabalho! Profundo! Cheio de vida! Já dá para publicar um livro com suas produções textuais!!! Beijos
ResponderExcluirParabéns, Cláudia!
ResponderExcluirMuito bom ter unido Dali x tempo para lançar a proposta de reflexão.
Gostei dos trabalhos e escritos, me identifiquei com o seu "gratidão pela vida".
Sua ideia foi ótima.
Gratidão!
Claudia, Parabéns !!
ResponderExcluirSempre nos surpreendendo com trabalhos e textos emocionantes.
Interessante essa reflexão através dos trabalhos.
Adorei conhecer um pouco sobre Dali. Obrigada!
Abraços, Cecilia Massuyama
Claudia, finalmente consegui fazer uma leitura mais atenta ao texto. Que profundo! Que relevante! Privilegio destas pessoas participarem de uma vivencia tão potente como esta que voce proporcionou. A riqueza na descrição da atividade e os depoimentos estão excelentes! Parabéns! Obrigada por compartilhar mais um texto lindo! Tania Moreira.
ResponderExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirClaudia, mais uma vez, surpreendente seu trabalho. Muita sensibilidade e dinâmico. Realmente, cada análise da figura é única. Adorei . Parabéns!!!!
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