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domingo, 4 de abril de 2021

DO FAUVISMO À ARTETERAPIA: A AUTONOMIA DA COR

 

"Mesa posta" Henri Matisse

Por Eliana Moraes

naopalavra@gmail.com

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Dando continuidade a série de textos iniciada na última semana, que se propõe a articular o movimento fauvista com a Arteterapia, hoje teremos como protagonista um dos artistas mais importantes do século XX: Henri Matisse. O artista é uma referência quando o assunto é o uso das cores na História da Arte, como nos diz Ferreira Gullar:

Hoje, um século depois do grande cisma que mudou a história da arte... tendemos a não perceber esse dado fundamental: a descoberta da cor como matéria autônoma da pintura. Antes, a cor da pintura era a cor das coisas, das roupas, das casas, das pessoas – e por isso ela aparecia no quadro conforme as características dos objetos e da luz ambiente. A libertação começa com os impressionistas e chega à sua plenitude com Matisse que, em alguns de seus quadros, a despoja de toda e qualquer dependência naturalista. (GULLAR, 2012, p 39)

 

Henri Matisse

Busco antes de tudo a expressão... Não posso distinguir entre o sentimento que tenho da vida e a maneira como o traduzo. (MATISSE in CHIPP, 1996, p 128)

Matisse nasceu na França em 1869. Era filho de um pai severo que partia do princípio que o filho seguiria seus passos. Chegou a cursar dois anos de direto, mas sua vocação apareceu ainda jovem, após uma apendicite em 1890, que o manteve acamado por quase um ano. Sua mãe ofereceu-lhe uma caixa de tintas para passar o tempo. A partir de então fez vários cursos de desenho e pintura enquanto estudava e trabalhava. Matisse casou-se e teve três filhos.  

O artista é conhecido como “o mestre da cor” por ter desenvolvido uma pesquisa sobre o tema de extrema importância para a Arte Moderna. Matisse não tinha medo de experimentar. Em suas obras as cores foram usadas de forma subjetiva, provocativa, emocional e autônoma de sua representação literal. Ele dizia que sentia através das cores. Em suas palavras:

Afastando-nos da representação literal do movimento, obtemos mais beleza e mais grandeza...

Vou pintar um interior: tenho diante de mim um armário; ele me dá uma sensação de vermelho muito vivo, e coloco um vermelho que me satisfaz. (MATISSE in CHIPP, 1996, p 129-130)

O lado expressivo das cores se impõe a mim de modo puramente instintivo. Para pintar uma paisagem de outono, não tentarei me lembrar das cores que convém a essa estação; inspirar-me-ei apenas na sensação que ela me proporciona. (MATISSE in CHIPP, 1996, 131)

Hoje, pode parecer-nos um tanto natural pintar a partir das cores relativas à nossas sensações e emoções, entretanto este estilo subversivo de pintar não passou ileso aos olhares críticos de sua época:

Até os críticos mais perspicazes achavam que Matisse havia exagerado... consideraram sua recém descoberta liberdade da cor, e a livre interpretação de temas familiares, uma evidência de excentricidade declarada. (WHITFIELD, 2000, 18)

 

Do Fauvismo à Arteterapia

Na Arteterapia de nossos dias, podemos beber da fonte de Matisse quando compreendemos que o artista fazia das cores o elemento principal dos seus quadros por seu potencial expressivo. Através do uso exorbitante e aparentemente aleatório das cores, ele constelava em imagem a efusão espontânea e de suas emoções.

Inspiramo-nos em Matisse quando destacamos o elemento visual da cor para que ela nos sirva de linguagem para sentimentos vivenciados como “não palavra” mas que ainda necessitam de expressão .

 

Práticas arteterapêuticas: "A família do pintor" e "Pintando a quem se ama"

"A família do pintor" Henri Matisse

Matisse tinha o hábito de pintar as pessoas amadas com as cores das emoções envolvidas nestas relações, como no quadro acima pelo qual retratou sua família.

O retrato é uma das formas mais singulares da arte. Esta requer do artista qualidades especiais e uma afinidade quase total com o modelo. (MATISSE in WALTHER)

Os meus modelos são figuras humanas e não simplesmente figurantes de um interior. São o tema principal do meu trabalho... As suas formas não são perfeitas, mas são sempre expressivas. O interesse emocional que despertam em mim... .” (MATISSE in WALTHER)


"A mulher com chapéu" Henri Matisse

Mas sem dúvida o retrato mais subversivo e supreendente de Matisse se deu quando pintou sua esposa:

Ela é colorida? Eu diria que sim. Precisa? Nem um pouco. Quando foi que você viu um nariz verde pela última vez? Embaraçosa para madame Matisse? Muito. Se Matisse tivesse tratado uma paisagem dessa maneira, isso teria causado um estardalhaço, mas retratar assim uma mulher causou indignação. Para piorar ainda mais as coisas, diz-se que, quando perguntaram ao artista o que sua mulher estava realmente usando, ele teria respondido: ‘Preto, é claro.’... A viva explosão de cores de sua expressão pictórica revelava a paixão que esse homem reservado sentia pela esposa. (GOMPERTZ, 115-116)

Podemos nos inspirar em Matisse ao pedirmos que o experienciador da Arteterapia produza um retrato de pessoas amadas, objetos das questões terapêuticas, utilizando as cores de maneira autônoma e análoga aos seus sentimentos. Ou até mesmo o retrato de sua família, de forma que não apenas a leitura do desenho (já conhecida por nós que trabalhamos com essa técnica expressiva) mas também as cores relacionadas às emoções acessadas pelo experienciador, sirvam para a escuta terapêutica.

 



No próximo texto encerraremos esta série trazendo a última fase de Matisse, também tão inspiradora para as práticas arteterapêuticas.

 

Bibliografia:

CHIPP, H.B. (org) Teorias da Arte Moderna. Ed Martins Fontes, SP. 1996

GOMPERTZ, Will. Isso é arte? 150 anos de arte moderna do Impressionismo até hoje. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.

GULLAR, Ferreira. Arte Contemporânea Brasileira. Ed Lazuli, SP. 2012

WALTHER, Ingo F. Matisse. Taschen, 1993.

WHITFIELD, Sarah in STANGOS, Nikos (org). Conceitos da arte moderna, Jorge Zahar Ed, RJ, 2000.

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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga.

Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Dá aula em cursos de formação em Arteterapia em SP e MS. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2
Organizadora do livro "Escritos em Arteterapia - Coletivo Não Palavra" 

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