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segunda-feira, 29 de março de 2021

DO FAUVISMO À ARTETERAPIA: PINTANDO COM CORES SELVAGENS

 


                                                              "Alegria de viver" Henri Matisse

Por Eliana Moraes

naopalavra@gmail.com

Instagram @naopalavra 

No percurso da pesquisa que busca articular a História da Arte com a Arteterapia em suas diversas práticas, fiz um recorte para a Arte Moderna como objeto de estudo continuado e prolongado. Ao longo deste percurso tenho o hábito de eleger algum movimento e/ou artista para passar algumas semanas ou meses dialogando com tudo o que envolveram, representaram e possam colaborar para minha escuta e manejo como arteterapeuta. 

Hoje inicio uma série de textos como registro de alguns fragmentos da pesquisa sobre o movimento fauvista, estudado no último ano e compartilhado em palestras e encontros vivenciais. 

O fauvismo 

"Restaurante em Marly-le-Roi, ca Mu" Vlaminck

O Fauvismo foi um movimento artístico que iniciou-se na França, em 1905. Seus artistas protagonistas são André Derain, Maurice Vlaminck, e Henri Matisse – este considerado um dos mais importantes artistas do século XX. Nesta ocasião, participaram de uma exposição no Salão dos Autônomos (ou Independentes), um novo salão criado em oposição à exposição anual da Academia, cada vez mais inatingível, mas parte do comitê de seleção olhou para as pinturas psicodélicas e pronunciou-se contra sua exposição pública. Mesmo assim, todas as obras foram penduradas na mesma sala, permitindo ao visitante beneficiar-se do impacto da estonteante e “violenta” paleta de cores usada pelos artistas. 

Com pinturas em cores bastante vivas e intensas, os fauvistas inauguraram “... uma nova abordagem à pintura que privilegiasse a cor e a expressão emocional em detrimento da representação literal.”  (GOMPERTZ, p 111) Ou seja, ressaltando o elemento cor e simplificando a forma, tinham a intenção de demonstrar sentimentos nos quadros. 

O influente crítico de arte Louis Vauxcelles, de gosto bastante conservador, disse de modo depreciativo que as pinturas eram o trabalho de “Les Fauves” – as feras em francês. Foi um comentário desdenhoso feito por um crítico, mas (como aconteceu com outros movimentos da Arte Moderna) dele nasceu o nome de um novo movimento. 

 

Mas cabe dizer em defesa de Vauxcelles... suas experiências os haviam levado a desenvolver uma paleta que deve ter parecido descontrolada e indomada a um crítico de arte em 1905. Seus olhos não deviam estar acostumados a ver combinações de cor conscientemente escolhidas para chocar... Para um mundo artístico que ainda estava chegando a um acordo com os impressionistas e pós-impressionistas, as cores intensificadas usadas pelos fauvistas deviam parecer vulgares e berrantes ao extremo. (GOMPERTZ, 114) 

A cor é o elemento visual protagonista para os fauvsitas por causa de seu potencial expressivo. Nas palavras de Vlaminck:

 

Intensifiquei todos os meus valores tonais e transpus para uma orquestração de cor pura cada coisa que senti. Eu era um selvagem sensível, repleto de violência. Traduzi o que via instintivamente, sem qualquer método e transmiti a verdade, não tão artisticamente quanto humanamente. Apertei, destrocei tubos e tubos de águamarinha e vermelhão. (VLAMINCK in WHITFIELD, 2000, 19) 

Ou seja:

Para ele, a tinta era o único agente expressivo... Ele encorajava o espectador a tomar consciência da tinta como parte física do quadro, de modo que essas paisagens não são meramente registros do rio... mas principalmente e acima de tudo, veículos de expressão.” (WHITFIELD, 2000, 23-24)

 

Do fauvismo à Arteterapia 


"Abrir janela em Collioure" Henri Matisse

As práticas arteterapêtuicas inspiradas nos fauvistas nos servem quando desejamos estimular o “pintar com cores selvagens”, ou seja, fazer o uso de cores de forma liberta das cores naturalistas, mas utilizando a intensidade dos sentimentos como o mobilizador para o pintar.

São interessantes para experienciadores que necessitem fazer contato com sentimentos através da imagem e necessitem expressar-se com toda intensidade, “violência”. Desta forma, é importante ressaltar que para pintar como os fauvistas é essencial que, de alguma maneira, o tema e/ou a imagem despertem no autor afetos, emoções. Do contrário, não haverá contato com os sentimentos, impossibilitando sua relação com as cores de forma profunda.  

Neste contexto, estamos estimulando a função sentimento de acordo com a Psicologia Analítica. Quanto aos materiais, se utilizarmos a pintura, é essencial que sejam tintas mais concentradas, com cores puras (não tão transparentes). Se utilizamos o desenho, é interessante trabalhar com o pastel oleoso por suas cores intensas, que se aproximam mais dos traços fauvistas, menos preocupados com a precisão da forma. Porém, a prática nos mostra que a pouca precisão no traço pode causar resistência no experienciador, sendo neste caso uma boa opção as canetinhas, que também oferecem as cores intensas com maior controle do traço e linhas finas.

Prática arteterapêutica: “paisagens vividas”


"Barcos no porto de Collioure" Andre Derain

Podemos nos inspirar em André Derain que pintou o porto de Collioure, sem se preocupar em ser fidedigno com as cores realistas, mas sim a partir de seus sentimentos:

Cores naturais, perspectiva, realismo, tudo isso foi dispensado em favor da apreensão do que Derain sentiu ser o caráter essencial do porto. Isso significou uma representação muito diferente da clássica praia mediterrânea... O resultado é uma pintura evocativa que não só nos mostra Collioure, como nos fazer sentir o lugar. A mensagem do artista é clara: o porto é quente, rústico, sem complicações e pitoresco. Eles estavam usando a cor como um poeta usa palavras: para revelar a essência do tema... Ele girou o botão da intensidade da cor ao máximo, transformando um ambiente tranquilo numa alucinação multicor. (GOMPERTZ, 112-113)

Podemos estimular que o criador nos conte sobre suas experiências, paisagens visitadas ou lugares que fazem parte de sua história, pintando-as não com as cores literais, mas com as cores dos seus sentimentos. Este é um processo bastante mobilizador e revelador de memórias afetivas latentes ou manifestas.

 

Trabalho arteterapêutico

Na próxima semana dedicarei um texto especial à Henri Matisse, artista tão importante e tão inspirador para a História da Arte e para Arteterapia.

 

 

Bibliografia:

GOMPERTZ, Will. Isso é arte? 150 anos de arte moderna do Impressionismo até hoje. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.

WHITFIELD, Sarah in STANGOS, Nikos (org). Conceitos da arte moderna, Jorge Zahar Ed, RJ, 2000.

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Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga.

Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2
Organizadora do livro "Escritos em Arteterapia - Coletivo Não Palavra" 

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