As
Vistas do Monte Fuji por Claudia Abe
(Baseado
nas obras de Hokusai)
Por
Claudia Maria Orfei Abe - São Paulo/SP
O
artista japonês Katsushika Hokusai fez uma serie chamada 36 vistas do Monte
Fuji (na verdade é uma série de 46 gravuras em madeira, dez das quais
adicionadas após a publicação).
Foi
justamente me inspirando nesse artista que surgiu a ideia de fazermos mais duas
vistas do monte, desta vez numa sessão arteterapêutica com meu pai (de origem japonesa) e minha tia
materna, em seu domicílio.
Alguns
dias antes da sessão, pensei em fazer uma “cópia” dos trabalhos de Hokusai,
para que eles pudessem ver os mesmos de uma maneira mais fácil, sem ser pelo visor
do celular. Confesso que adorei fazê-la, o que considerei meu primeiro trabalho
com aquarela depois de muito tempo, e fiquei bastante satisfeita e orgulhosa do
produto (imagem no início deste texto).
Ao
chegar na casa, deixei minha pintura com o meu pai, e este ficou por um longo
tempo observando os vários desenhos nela contidos. Depois, já no início da
sessão, fui mostrando cada pintura e lendo o seu respectivo nome. Começaram por
experimentar o pincel, a água, as tintas, o papel próprio para aquarela.
Como a aquarela é uma tinta resultante de
pigmentos de várias cores misturados geralmente com goma arábica, ela precisa
ser dissolvida em água para ser utilizada. Portanto, é a quantidade de água
presente no pincel que determinará a variação dos tons, dos mais suaves aos
mais fortes. (URRUTIGARAY, 2011, pág 64)
Em
seguida, perguntei como queriam o desenho do Monte Fuji, a posição dele, se
queriam incluir rio, montanhas, árvore com flores ou só folhas etc. Meu pai
pediu para fazer apenas o traço do monte no centro da folha, pois o restante
ele queria criar. Minha tia colocou o monte à direita da folha com desenhos de
nuvens e grama.
Começaram
fazendo experimentação das cores num pedaço de papel e logo em seguida, minha
tia iniciou com a cor laranja e meu pai com a cor marrom nos respectivos montes.
Neste momento, eu tive uma sensação de alegria, prazer e orgulho ao ver eles
pintarem.
Precisei
mostrar para tia como fazer o matinho em verde utilizando um pincel mais fino. Pai
foi muito criativo misturando várias cores para fazer o monte; usou bastante
água, tintas e fez movimentos corridos.
Qualidade das tintas: elas são expansivas e
fluidas, permitindo uma maior amplitude dos gestos e movimentos do corpo como
um todo. (CARRANO e REQUIÃO, 2013, pág 140)
Pai:
É bom ficar só olhando? (quando me pegou observando-o trabalhar). E
novamente ele mencionou o uso das cachaças pelos pintores, ao que a minha tia
respondeu: Você precisa arrumar umas cachaças para ele.
Ele
continuou pintando e acabou retirando as impressões de profundidade e as misturas
de cores da sua pintura. Cada vez passou mais camadas de tinta, e depois passou
muitas vezes o pincel sobre a pintura somente com água e foi espalhando a
tinta.
A fluidez das aguadas de tinta permite que
imagens carregadas de conteúdos afetivos brotem das misturas das cores, criando
formas, expressando emoções. (CARRANO E REQUIÃO, 2013, pág 140)
Pai: A parte mais difícil é escrever o título. Posso escrever Mamma Mia? Já sei que você não quer (todos os trabalhos ele quer sempre dar o título de Mamma Mia).
Compartilhamento
Pai: “Pico da Natureza”
A
margem é o limite, o que é para olhar dentro do quadrado. Vou pedir um aumento
de serviço. A natureza que fez/faz isso. A natureza é imprevisível (você também). Surpreendente, só. Dessa vez
eu gostei de usar as três cores básicas (ele disse isso, porém usou verde,
marrom, que não são cores básicas). Achei fácil.
Tia: “Vulcão, Nuvens e Plantas”
Só me lembrei de filmes que eu assisti e que apareceram um vulcão. Achei esse morro, está todo cheio de plantas. Eu acho que como o vulcão é feito de terra, devem nascer plantas, inclusive sozinhas sem ninguém plantar. (Achou fácil trabalhar com aquarela).
Palavra
final
Pai:
Fácil; eu queria por moleza, mas aí pega mal.
Perguntou
se poderia continuar. Falou que queria colocar um cartão como moldura e listas
telefônicas por cima como peso, para colar bem.
Tia:
Fácil, também.
Após
uma hora do término da sessão, meu pai já não se lembrava mais que havia feito
esta pintura.
Bibliografia:
CARRANO,
Eveline e REQUIÃO, Maria Helena – Materiais de arte: sua linguagem
subjetiva para o trabalho terapêutico e pedagógico. – Rio de Janeiro: Wak
Editora, 2013.
URRUTIGARAY,
Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. 5.
Ed. – Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.
Se
você quiser ler meus textos anteriores neste blog, são eles:
É
Pitanga! – 07/12/20
O
que é que a Baiana tem? – 26/10/20
Escrita
prá lá de criativa – 27/09/20
Fazer
o Máximo com o Mínimo – 01/06/20
Tempo
de Corona Vírus, Tempo de se Reinventar – 13/04/20
Minha
Origem: Itália e Japão – 17/02/20
Salvador
Dali e “As Minhas Gavetas Internas” - 11/11/19
“’O
olhar que não se perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” –
19/08/19
____________________________________________________________________
Sobre
a autora: Claudia Maria Orfei Abe
Arteterapeuta
– atuei em instituição com o projeto “Cuidando do Cuidador”, para familiares e
acompanhantes dos atendidos. Atuei também em instituição de longa permanência
para idosos com o projeto “Mandalas”, sua maioria com Doença de Alzheimer.
Autora
do texto “Salvador Dalí e as minhas gavetas internas”, publicado no livro
Escritos em Arteterapia: Coletivo Não Palavra – organizado por Eliana Moraes,
2020, Semente Editorial.
Atendo
em domicílio e on line.
Oi Cláudia boa tarde, você está fazendo um lindo trabalho, parabéns
ResponderExcluirClau, parabéns você é muito talentosa e um ser humano incrível.
ResponderExcluirObrigada por partilhar sua estrela comigo.
Bjs Kamile
Parabéns, continue com este trabalho maravilhoso.
ResponderExcluirSinto uma enorme satisfacão em ler seus textos,de certa forma, sinto-me ali como uma espectadora, encantada com a arte que nasce espontânea, simples, mas profunda das mãos e corações da tia e do "pai"! Ele pode ter esquecido de como fez o Monte Fuji,mas não esqueço do impacto e da emoção que estes trabalhos me causam! Parabéns, Cláudia! Virando fã de carteirinha! Tânia Salete -@caminhartes
ResponderExcluirOlá, Cláudia!
ResponderExcluirSuas sessões de arteterapia são aventuras pelas emoções.
As gravuras de Hokusai sobre o Monte Fuji são belíssimas, por vezes o vulcão aparece grande, às vezes pequenino ao fundo, mas sempre imponente. Na segunda metade do século XIX as gravuras japonesas invadiram a mente europeia através das Exposições Universais de Paris e influenciaram pra sempre a arte ocidental, tamanha é a sua beleza, profundidade e originalidade.
Parece-me que cada desenho de seu pai, cada sessão, é um retorno dele à própria mãe. Daí sempre querer dar o nome de "Mamma mia" a cada uma de suas criações. Como se estivesse gritando por ela, a chamando.
O vulcão no desenho de seu pai... é ele mesmo. Ao retirar a perspectiva a aguada se transforma em um útero azul. Ao envelhecer ele volta para o útero materno. E passar bastante água com o pincel é encher esse útero de possibilidades de vida. Vida voltando a sua essência. E nessa essência não há esquecimento, mas sim... memória que ainda não se efetivou, memória por se fazer , memória que ainda é apenas Vida Pura. Seu pai não está se esquecendo do que fez ou viveu, mas ele vive em essência.
Seu pai caminha para o útero de onde veio. E ele não está envelhecendo, está é se libertando dos anos vividos, está se libertando... aos poucos... do corpo que o trouxe até aqui!
Sua tia, ao preencher todo o vulcão de graminha, está celebrando a vida que surge apesar das agruras. Celebrar um vulcão é enaltecer a adversidade perpétua que a Vida contém.
A Vida se faz pelas adversidades. Somos um eterno caminhar que se faz pelas sendas das tormentas, problemas, confusões, contratempos e adversidades. Ao se gerar a Vida... a navalha se põe imediatamente sob nossos pés.
Vivemos dentro disso tudo o tempo inteiro.
Vida é puro caos.
Sua tia celebra a vida que pode surgir do Monte Fuji da mesma maneira que enche de corações, tornados confetes, na tampa da marmita de isopor em outra sessão. E ela ressalta que a vida , as plantas, podem surgir sem que ninguém as plante, a Vida vem sempre até nós.
Ambos celebram a Vida.
Silenciosos, às vezes cochilando em frente à TV, tropeçando devagar em algum tapete, comendo devagar nas refeições, ou então ávidos por alguma guloseima, dormindo para mais uma vez acordar amanhã... eles estão sempre... celebrando a Vida.
A Vida também é celebrada em silêncios... ou em Arte, arte terapia!
Seu pai não esqueceu que fez a aquarela do Monte Fuji, ele é a própria essência do Monte Fuji sem humanos sobre a face da Terra.
Obrigado por compartilhar conosco suas aventuras pela arteterapia.
Forte abraço a todos da família!
Arthur Blade
Sensacional análise, Arthur ! Obrigada
ExcluirMeus Parabéns,
ResponderExcluirA Arte não tem idade,
Claudia,
Que Bela experiência,
O Arthur falou coisas que eu não tinha visão.
Grande Abraço
É um prazer meu ser seu Amigo 💖
Claudia vendo seu trabalho me veio o pensamento: não dá para tirar leite de pedra, pois vc conseguiu! Outros nem tentariam. Parabéns a vc! M. Teresa de Paula
ResponderExcluirClaudia, antes de mais nada, meus parabéns pela delicadeza e paciência com seus entes queridos.
ResponderExcluirAchei muito interessante, como cada um enxerga e consegue colocar no papel seu ponto de vista; mesmo depois de algumas horas esquecer.
Mas, no momento que está elaborando um trabalho, no caso um desenho, a memória deles estão tentando delinear tudo no papel, suas formas, cores, figuras e tudo que acham importante colocar. Isso é muito bom. Um exercício e tanto para a memória!!
Cecilia Massuyama
Claudia a sutileza como vc dirigi as sessões e obtém os resultados é sublime. Agradeço por me inspirar a cada trabalho seu voltado ao silêncio de quem ainda consegue se expressar através da arte. Parabéns
ResponderExcluirMariangela Brum
Cláudia parabéns pelo seu trabalho! Muita reflexão! Muita interação para melhor cuidar!
ResponderExcluirSeu trabalho é magnífico.
ResponderExcluirÉ um alento observar a forma séria e pura com que Cláudia executa aquilo que se propõe! Admirável! Parabéns, Cláudia!
ResponderExcluir