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segunda-feira, 16 de novembro de 2020

MUSICANDO

Por Silvia Quaresma

silvia.sasq@gmail.com

 

Da necessidade de estágio para cumprir desígnios de um curso de pós-graduação, num processo intitulado “Cuidando do cuidador”, surgiu a possibilidade de realizar um outro que fugia da proposta inicial realizada em grupo.

 

Atenderia, individualmente um cuidando e não um cuidador. E assim teve início em 2018 uma linda jornada, uma relação mais que especial.

 

Desafios foram surgindo e desde então este caminho tem sido de muitas conquistas, de muito desenvolvimento e de resultados que só a Arteterapia consegue explicar.

 

Um rapaz que há dois anos atrás baixava a cabeça e mal interagia com as pessoas de maneira direta, que buscava na intervenção da mãe o auxílio seguro para comunicar-se passou a ser protagonista de sua própria história. Mostrou-se pronto para atuar neste contexto desafiador.  Desde então as sessões passaram a ser cada vez mais intensas. Aberto estava o canal entre ele e o mundo exterior.

 

O processo arteterapêutico permite que simbolicamente e de forma perene, através das atividades expressivas diversas, sejam retratadas com precisão as sutis transformações que marcam o desenrolar da existência, documentando seus contínuos movimentos do vir a ser, que se configuram e materializam conflitos e afetos. Ou seja, o conjunto de atos que genericamente pode-se nomear por “fazer terapêutico” expressa a singularidade e identidade criativa de cada um. A descoberta gradual de eventos psíquicos, cujo significado antes obscuro, amplia possibilidades de estruturação da personalidade, ativa potencialidades e contribui para a construção de modos mais harmônicos de comunicação e interação e “estar no mundo” (PHILIPPINI, , p.14)

 

Em 2020, porém chegou o isolamento social. Como segurar uma pessoa que aprendera há pouco como relacionar-se intensamente “para fora”?  Pior que o vírus que muitos não sabiam explicar e maior número não conseguia entender era a quebra de rotina.

 

A rotina que servia como norte, que direcionava, que era a segurança estava não só quebrada, mas não havia sequer noção se seria restabelecida, alterada, retomada.


Como explicar que apesar da escola estar lá ela não pode ser frequentada? Que apesar de existirem médicos estes não davam “jeito” naquela doença? Que não poderíamos fazer as sessões que aconteciam semanalmente? A solução foi criar uma nova rotina. Atendimento online.


A aproximação com a música, as aulas de teclado fizeram com que seu repertório crescesse de tal modo que ele sugeriu música. Aquarela, Toquinho.

 

A música torna o mundo menos assustador para quem convive com alguma deficiência ou diversidade, pois através dela as pessoas podem se comunicar, se conhecer e se expressar, A educação musical também tem importante papel no desenvolvimento sensorial e motor, trazendo assim além de um novo olhar sobre o corpo e suas habilidades, novos limites e possibilidades de um caminho que é tão amplo. (NOGUEIRA, 2007, p.123)

 

Realizamos duas sessões. O link com a música, animada com desenhos foi previamente enviado.  Como video com animação sempre fascina, escutou várias vezes, e optamos por não utilizar a canção no momento do processo arteterapeutico.

 

Receber o que será feito na véspera faz com que a rotina seja recriada o que é de extrema importância para B. Ele recebe um material que consegue abrir, verificar e se preparar. O fato de executar sozinho traz uma grata sensação de ser capaz. Conhecer a música e lembrar de vários trechos enriqueceu ainda mais.

 

Quando perguntado quem estava cantando ele de pronto respondeu “Toquinho” e quem estava desenhando: “a esposa dele” pensou e acrescentou “eu mesmo poderia desenhar”.  Foi perguntado se ele poderia cantar também “Eu não, não sou o Toquinho, sou o B.”

 

As imagens que se seguem mostram a produção das duas sessões. Na primeira, desenhos livres. Resolveu “misturar” materiais o que demonstra grande progresso; normalmente só utiliza um. Está se permitindo mais.  Na segunda, a construção a partir dos desenhos realizados.


Desenho 1

Construção 1

Desenho 2

Construção 2


E lá pelas tantas quando supostamente o trabalho já estava finalizado, tendo este olhar arteterapeutico sido enriquecido pela produção de quem mal explicava o que produzia eis que surge a construção de um castelo, seguido da frase... “quando o ser humano conseguir construir castelo de garrafas o mundo será bem especial, você não acha?”


No meu calar momentâneo, e na minha total incapacidade de articular algo naquele momento, registro aqui minha resposta: “Acho!!!”


E para fechar com algo que só Arteterapia promove ouvi, tal qual verso de uma canção: “Tô musicando....virando musica”.




Bibliografia

MORAES, E. Pensando a Arteterapia. Rio de Janeiro: Semente Editorial, 2018.

PHILIPPNI, ANGELA. Para entender Arteterapia Cartografias da Coragem. 5ª ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.

 

NOGUEIRA, Bernardo Gomes Barbosa. A música como instrumento de inclusão e invenção social. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva, 2017.


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Sobra a autora: Silvia Quaresma





Arteterapeuta

Graduada em Letras

Pós-Graduada em Finanças

Pós-Graduada em Arteterapia e Criatividade

Professora especialista de artesanato

Idealizadora do Projeto Customizando Emoções –Interface entre Artesanato e Arteterapia

Coordenadora de Grupos de Arteterapia em Instituição para cuidadores e voluntários

Atendimento individuais e em grupos em Arteterapia

Um comentário:

  1. Silvia,
    Quero deixar aqui registrado, o que eu venho te falando faz tempo... invista, amplie esse seu atendimento para outros. Você sabe o caminho. Eles encontrarão seus próprios caminhos mas que tal você dar uma mãozinha?
    Bjs, Claudia Abe

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