Por Silvia Quaresma
Da necessidade de estágio para cumprir
desígnios de um curso de pós-graduação, num processo intitulado “Cuidando do
cuidador”, surgiu a possibilidade de realizar um outro que fugia da proposta
inicial realizada em grupo.
Atenderia, individualmente um cuidando e não um
cuidador. E assim teve início em 2018 uma linda jornada, uma relação mais que
especial.
Desafios foram surgindo e desde então este
caminho tem sido de muitas conquistas, de muito desenvolvimento e de resultados
que só a Arteterapia consegue explicar.
Um rapaz que há dois anos atrás baixava a cabeça
e mal interagia com as pessoas de maneira direta, que buscava na intervenção da
mãe o auxílio seguro para comunicar-se passou a ser protagonista de sua própria
história. Mostrou-se pronto para atuar neste contexto desafiador. Desde então as sessões passaram a ser cada
vez mais intensas. Aberto estava o canal entre ele e o mundo exterior.
O
processo arteterapêutico permite que simbolicamente e de forma perene, através
das atividades expressivas diversas, sejam retratadas com precisão as sutis transformações
que marcam o desenrolar da existência, documentando seus contínuos movimentos
do vir a ser, que se configuram e materializam conflitos e afetos. Ou seja, o
conjunto de atos que genericamente pode-se nomear por “fazer terapêutico”
expressa a singularidade e identidade criativa de cada um. A descoberta gradual
de eventos psíquicos, cujo significado antes obscuro, amplia possibilidades de
estruturação da personalidade, ativa potencialidades e contribui para a
construção de modos mais harmônicos de comunicação e interação e “estar no
mundo” (PHILIPPINI, , p.14)
Em 2020, porém chegou o isolamento social. Como
segurar uma pessoa que aprendera há pouco como relacionar-se intensamente “para
fora”? Pior que o vírus que muitos não
sabiam explicar e maior número não conseguia entender era a quebra de rotina.
A rotina que servia como norte, que
direcionava, que era a segurança estava não só quebrada, mas não havia sequer
noção se seria restabelecida, alterada, retomada.
Como explicar que apesar da escola estar lá ela
não pode ser frequentada? Que apesar de existirem médicos estes não davam
“jeito” naquela doença? Que não poderíamos fazer as sessões que aconteciam
semanalmente? A solução foi criar uma nova rotina. Atendimento online.
A aproximação com a música, as aulas de teclado
fizeram com que seu repertório crescesse de tal modo que ele sugeriu música. Aquarela,
Toquinho.
A
música torna o mundo menos assustador para quem convive com alguma deficiência
ou diversidade, pois através dela as pessoas podem se comunicar, se conhecer e
se expressar, A educação musical também tem importante papel no desenvolvimento
sensorial e motor, trazendo assim além de um novo olhar sobre o corpo e suas
habilidades, novos limites e possibilidades de um caminho que é tão amplo. (NOGUEIRA,
2007, p.123)
Realizamos duas
sessões. O link com a música, animada com desenhos foi previamente enviado. Como video com animação sempre fascina, escutou
várias vezes, e optamos por não utilizar a canção no momento do processo
arteterapeutico.
Receber o que será feito na véspera faz com que
a rotina seja recriada o que é de extrema importância para B. Ele recebe um
material que consegue abrir, verificar e se preparar. O fato de executar
sozinho traz uma grata sensação de ser capaz. Conhecer a música e lembrar de
vários trechos enriqueceu ainda mais.
Quando
perguntado quem estava cantando ele de pronto respondeu “Toquinho” e quem
estava desenhando: “a esposa dele” pensou e acrescentou “eu mesmo poderia desenhar”. Foi perguntado se ele poderia cantar também
“Eu não, não sou o Toquinho, sou o B.”
As imagens que se seguem mostram a produção das duas sessões. Na primeira,
desenhos livres. Resolveu “misturar” materiais o que demonstra grande
progresso; normalmente só utiliza um. Está se permitindo mais. Na segunda, a construção a partir dos
desenhos realizados.
E
lá pelas tantas quando supostamente o trabalho já estava finalizado, tendo este
olhar arteterapeutico sido enriquecido pela produção de quem mal explicava o
que produzia eis que surge a construção de um castelo, seguido da frase...
“quando o ser humano conseguir construir castelo de garrafas o mundo será bem
especial, você não acha?”
No meu calar momentâneo, e na minha total
incapacidade de articular algo naquele momento, registro aqui minha resposta:
“Acho!!!”
E para fechar com algo que só Arteterapia promove ouvi, tal qual verso de uma canção: “Tô musicando....virando musica”.
Bibliografia
MORAES,
E. Pensando a Arteterapia. Rio de
Janeiro: Semente Editorial, 2018.
PHILIPPNI, ANGELA. Para entender Arteterapia Cartografias da Coragem. 5ª ed. Rio de
Janeiro: Wak Editora, 2013.
NOGUEIRA, Bernardo Gomes Barbosa. A música como instrumento de inclusão e
invenção social. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva, 2017.
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Sobra a autora: Silvia Quaresma
Arteterapeuta
Graduada em Letras
Pós-Graduada em Finanças
Pós-Graduada em Arteterapia e Criatividade
Professora especialista de artesanato
Idealizadora do Projeto Customizando Emoções –Interface entre Artesanato e Arteterapia
Coordenadora de Grupos de Arteterapia em Instituição para cuidadores e voluntários
Atendimento individuais e em grupos em Arteterapia
Silvia,
ResponderExcluirQuero deixar aqui registrado, o que eu venho te falando faz tempo... invista, amplie esse seu atendimento para outros. Você sabe o caminho. Eles encontrarão seus próprios caminhos mas que tal você dar uma mãozinha?
Bjs, Claudia Abe