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Já se passaram dois meses que
nossas vidas foram absolutamente atravessadas pelo fenômeno corona vírus. Antes
de sermos terapeutas, somos seres humanos também inseridos neste fenômeno e
inicialmente, no meu íntimo, precisei de um tempo para me compreender em meio
ao caos e compreender como eu poderia atuar e contribuir nas funções de
psicóloga e arteterapeuta. Afinal, terapeutas, precisamos também acolher nossas
humanidades.
Desde que publiquei meu último
texto neste blog, chamado “Criar e viver se interligam” CLIQUE AQUI no
dia 23 de março, em meio a minha própria organização pessoal, todo meu trabalho
e energia psíquica foram direcionados para o acolhimento dos pacientes nesse
período de tamanha instabilidade, a migração dos atendimentos presenciais para
o on line (inicialmente respaldada pela psicologia e posteriormente a
partir da autorização temporária da UBAAT para os atendimentos arteterapêuticos
on line) e a supervisão de terapeutas atuantes no tempo presente. (Cabe
aqui observar, como sair de nós mesmos e nos disponibilizar ao outro tem,
por si só, um efeito organizador)
No campo do estudo, desde o início
apostei na pesquisa sobre a CRIATIVIDADE na busca de embasamentos e
instrumentos para a travessia deste enorme desafio no coletivo e nas biografias
de cada sujeito. Este estudo foi aquecido nos encontros (agora virtuais) dos
grupos de estudos e palestras, aos quais eu pude além de teorizar, dialogar e
debater com meus pares sobre como podemos atuar como terapeutas, cooperando
para a saúde mental neste cenário tão atípico. (E então, instigada pelo grupo
encontrei o caminho para minha contribuição)
No primeiro texto referido,
parti de Fayga Ostrower e seu livro “Criatividade e processos de criação”,
e pelas palavras da autora, me apropriei da ideia de que “criar e viver se
interligam”, sendo assim a criatividade, não apenas pertencente ao campo da arte,
mas antes, um jeito de pensar e uma forma de lidar com a vida. Seguindo o
estudo em diálogo com as parcerias que me compõem, foi-me sugerido o livro “Ser
Criativo: O poder da improvisação na vida e na arte” de Stephen Nachmanivitch, e
este vem ampliando belamente minhas reflexões sobre a criatividade. Já
em suas primeiras páginas, as palavras do autor me afetaram:
O conhecimento do
processo criativo não substitui a criatividade, mas pode evitar que desistamos
dela quando os desafios nos parecerem excessivamente intimidadores e a livre
expressão parece bloqueada. Se soubermos que nossos inevitáveis
contratempos e frustrações são fases do ciclo natural do processo criativo, se
soubermos que nossos obstáculos podem se transformar em beleza, poderemos
perseverar até a concretização de nossos desejos. Essa perseverança é
muitas vezes um verdadeiro teste, mas há meios de passar por ele, há placas de
sinalização. E a batalha, que é certamente para toda a vida, vale a pena. É uma
batalha que gera um incrível prazer e uma enorme alegria. Todas as nossas
tentativas são imperfeitas, mas cada uma dessas tentativas imperfeitas traz em
si a oportunidade de desfrutar um prazer que não se iguala a nada neste
mundo.
O processo criativo é
um caminho espiritual.
E essa aventura fala de nós, de nosso ser mais profundo, do criador que
existe em cada um de nós, da originalidade, que não significa o que todos nós
sabemos, mas que é plena e originalmente nós. (NACHMANOVITCH, 1993, p.23)
É sabido que vivemos tempos de
inevitáveis contratempos e frustrações. Mas segundo o autor, “se soubermos
que nossos obstáculos podem se transformar em belezas, poderemos perseverar”.
E aqui está um dos pontos que mais têm me intrigado nos atendimentos e supervisões
clínicas: a maneira como cada um tem lidado com as impossibilidades que
forçosamente os impele o tempo presente em sua vida prática. Afinal, como disse
o autor: “essa aventura fala de nós... do criador que existe em cada um de
nós”.
Este livro tão rico em
reflexões sobre aspectos da criatividade, na música, na arte e na vida, traz um
capítulo em especial chamado “O poder dos limites”. Afinal, nas palavras
do autor:
Olhando agora, sobre o
mar, os pássaros, a vegetação, vejo que absolutamente tudo na natureza nasce
no confronto entre o poder da livre expressão e o poder dos limites. Os
limites podem ser intrincados, sutis e duradouros... (NACHMANOVITCH, 1993,
p.41)
Sendo os limites tão naturais
e corriqueiros na vida, o autor nos apresenta o poder que os limites podem imprimir
em cada um de nós:
Os
limites estimulam a intensidade... descobrimos que a contenção amplifica a
força... Como escreveu Igor Stravinsky: ‘Quanto mais limites nos impomos,
mais libertamos nosso ser dos grilhões que aprisionam o espírito’...
Trabalhar
dentro dos limites impostos pelo meio nos obriga a mudar nossos próprios
limites... (p 83-84)
Por fim, o autor chega a nos
inspirar com a constatação de que a partir da restrição por estreitos limites, podemos
alcançar outras dimensões de liberdade:
Se
certos valores estão contidos dentro de estreitos limites, outros estarão
livres para variar com mais força. É por isso, por exemplo, que um quarteto de
cordas, solos e outras formas limitadas podem alcançar uma maior intensidade
emocional do que as sinfonias, e fotos em preto e branco podem revelar maior
força do que as coloridas... Se tivermos todas as cores disponíveis, às vezes
estamos demasiadamente livres. Com uma dimensão restrita, a expressão se
torna mais livre em outras dimensões. (p 84)
Os limites e a criatividade na
vida prática
Quem anda no trilho é
trem de ferro. Sou água que corre entre as pedras. Liberdade caça jeito.
Manoel de Barros
Há alguns anos uma máxima da
psicanálise marcou minha memória: “Você é o que o impossível produz em você.”
Ou seja, quando você se depara com uma situação em que ao primeiro olhar lhe
parece impossível, como você lida com ela? Paralisa? Desiste? Nega?
Enfurece-se? Ou “teimosamente” tenta encontrar algum pequeno espaço
aparentemente imperceptível de possível? É neste pensamento que hoje temos, por
exemplo, sobreviventes de guerras para contar os possíveis que encontraram
dentro do maior impossível de suas vidas.
Neste contexto, minha primeira
reflexão se dirige aos terapeutas e suas humanidades: Quais limites o fenômeno
atual têm imposto a você? Como você lida com eles? Em meio aos impossíveis, é
possível amplificar sua força? Trabalhar dentro dos limites impostos pelo meio e
ampliar seus próprios limites? Experimentar outras dimensões de liberdade? Transformar
os obstáculos em beleza? Conectar-se com seu caminho espiritual e encontrar o sentido?
Uma vez respondidas estas
perguntas, é tempo de ir à campo.
A partir da autorização da
UBAAT para que arteterapeutas atuassem em atendimentos on line, um
primeiro limite nos apresenta: como atender em Arteterapia com tamanha
restrição de materiais?
Este é o objeto do próximo
texto. Afinal, nós arteterapeutas sabemos que a criatividade caça jeito!
Referência Bibliográfica:
NACHMANIVITCH, Stephen. Ser
Criativo: O poder da improvisação na vida e na arte.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2
Parabéns pelo texto instigante, Eliana! Sinto que realmente a contenção pode servir para ampliar a força. A prisão, paradoxalmente, permite o vôo. Cabe a nós, descobrirmos as potencialidades destes tempos de pandemia.
ResponderExcluirParabéns pelo texto instigante, Eliana! Sinto que realmente a contenção pode servir para ampliar a força. A prisão, paradoxalmente, permite o vôo. Cabe a nós, descobrirmos as potencialidades destes tempos de pandemia.
ResponderExcluirParabéns! Instigada a responder estas perguntas com dados da realidade de tres anos,acrescida do novo componente: COVID19.
ResponderExcluirParabéns! Instigada a responder estas perguntas com dados da realidade de tres anos, acrescida do novo componente: COVID19.
ResponderExcluirLindo lindo lindo! Obrigada!
ResponderExcluirO limite que delineamos pode ser fonte de novas potências! Maravilhoso.E nós temos trabalhado tanto esta questão do limite, não é? Adorei!Suas palavras,vêm, como sempre, carregadinhas de generosidade. Obrigada, Eliana.
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