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segunda-feira, 31 de julho de 2017

A UTILIZAÇÃO DA CAIXA DE AREIA NA ARTETERAPIA



Por Janaína de Almeida Sérvulo - MG
janainaservulo@gmail.com


A suíça Dora Kalff (1904-1990) é considerada a criadora da técnica terapêutica conhecida como Sandplay, ou Terapia do Jogo de Areia.  Essa técnica foi baseada no trabalho da psiquiatra inglesa Margaret Lowenfeld (1890-1973), denominado World Technique, ou Técnica do Mundo. Para desenvolver seu método, Dora Kalff agregou a este trabalho conhecimentos da Psicologia Analítica Junguiana, aliados à sua prática clínica com crianças. 

O jogo de areia é um método não verbal, não racional e criativo, que consiste na construção de cenários em uma caixa de areia, utilizando miniaturas. No método original, a caixa é padronizada e não são realizadas modificações, interpretações ou verbalizações sobre o cenário construído. Meu objetivo, no entanto, é apresentar a caixa de areia como uma das técnicas a serem utilizadas no processo arteterapêutico, enquanto mais uma possibilidade expressiva antes da elaboração verbal. 

Esta proposta se mostra bastante adequada para auxiliar pessoas que se apresentam inicialmente inibidas diante dos materiais plásticos. Quando isso acontece, ou quando já foram utilizados vários materiais e as técnicas se mostram repetitivas, a construção de um cenário na caixa de areia pode ser um ótimo estímulo para a pessoa se expressar. Uma outra vantagem é que a caixa contendo areia (que é, por si só,  terapêutica) funciona como um limite, um espaço seguro, onde os conteúdos expressos estão protegidos. Sem falar das miniaturas, que representam objetos, pessoas e lugares do mundo real ou imaginário, facilitando a materialização de angústias, temores e conflitos internos. Na prática, são diversos os exemplos de como essa técnica pode trazer elementos importantes do inconsciente, facilitando sua integração à consciência. 

Recentemente, acompanhei um pré-adolescente com quadro de medo e insegurança. Quando o convidei a se expressar na caixa de areia, escolheu personagens como bruxas e monstros para personificar seu medo. Posicionou-os e teve dificuldade de encará-los, pois suas expressões realmente o assustavam. Então, pedi que ele criasse uma outra cena, de forma que pudesse se sentir mais seguro.  E assim foram surgindo os heróis, com sua força e coragem; o mago, com sua sabedoria; uma fada e um anjo, que, com sua delicadeza e esperteza, enfrentaram os seres assustadores. Dessa forma, conseguiu se aproximar e pôde, concretamente, derrotá-los. A expressão no seu rosto, um misto de cansaço e alívio, mostrava que a luta contra os medos não havia terminado, mas uma batalha importante fora vencida. 


Outro caso interessante é de uma criança de cinco anos com sintomas de agressividade a partir da separação dos pais. Desde o início do processo, sempre representava uma cena de casamento. Até que um dia, ela desenhou “o cabelo da noiva”, de forma que lembrava claramente um olho a observar do centro de um labirinto. Percebeu a semelhança e aceitou a proposta de materializá-lo. Construímos juntas (a seu pedido), modelando a areia e criando passagens e impedimentos. “Tem que ter flores!” E, de repente, o labirinto estava todo enfeitado... “Não vou conseguir sozinha.” E então surgiram os pais... Sentiu falta de outras pessoas conhecidas e, ainda não satisfeita, acrescentou três princesas, posicionando-as, estrategicamente, para orientar o caminho. No final, encontrou a saída e comemorou, com as outras crianças, a descoberta do grande tesouro. De repente, disse: “eu queria meus pais aqui”.  Mas logo voltou a comemorar, já começando a compreender, mesmo tão pequena, que existem desafios que precisamos enfrentar sozinhos. 


Da mesma forma, a técnica é também bastante resolutiva com adultos e idosos. Depois de algumas sessões trazendo queixas e conflitos familiares, uma idosa começou a se dar conta de um intenso sentimento de solidão. Representou uma cena no deserto, identificando-se com uma árvore deixada de lado depois de ter dado seus frutos. Algumas sessões mais tarde, e depois de ter trabalhado a sua árvore interna, o cenário já era outro: representava o desejo de uma vida simples ao lado daqueles que ama. Apesar de continuar se sentindo sozinha, as cores, os personagens e a maneira como estavam dispostos mostravam vitalidade e movimento, o que não se via na cena do deserto, quando o que mais chamava atenção era a imobilidade diante de uma ameaça.

E assim, cada uma dessas pessoas teve a oportunidade de criar cenas imaginárias onde, aos poucos, foram se apresentando, trazendo seus conflitos, angústias, identificações e medos, materializando e reconstruindo os fragmentos de um inconsciente que se tornava cada vez mais claro, palpável e possível de ser integrado à consciência. Sonhos, decepções, confrontos... saindo de dentro, do mais íntimo do ser, para uma caixa mágica que aceita tudo, mas também limita, protege e transforma!


Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!


Referências Bibliográficas:


CRUZ, Maria do Carmo Cordeiro; FIALHO, Maria Teresa. A caixa de areia: técnica projectiva e método terapêutico. Análise Psicológica (1998), 2 (XVI): 231-241. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v16n2/v16n2a02.pdf

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Sobre a autora: Janaína de Almeida Sérvulo



Graduada em Psicologia pela UFMG, com especialização em Arteterapia pela FAVI, em convênio com o INTEGRARTE.
Atua como psicóloga e arteterapeuta em clínica particular em Belo Horizonte-MG e na rede pública da região metropolitana. Experiência de mais de 15 anos com atendimento individual e em grupo a crianças, adolescentes e adultos.
Para conhecer mais sobre seu trabalho, visite a página do facebook: @artisticamente7

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segunda-feira, 24 de julho de 2017

FENIX: PARA ALÉM DO CRACK – RESGATE DO FEMININO EM COMUNIDADE TERAPÊUTICA PARA MULHERES


Por Tania Salete - RJ, atualmente residindo em Fortaleza CE
taniasalete@gmail.com

Introdução:

            Historicamente a questão da drogadição era predominantemente masculina, tanto no Brasil quanto no exterior, entretanto a situação atual aponta outra realidade. O número de mulheres dependentes químicas está crescendo de maneira alarmante. Para exemplificar o fato, uma pesquisa realizada pela Secretaria de Desenvolvimento Social do governo de São Paulo constatou que o número de mulheres na região da “Cracolândia” praticamente dobrou em um ano: de 16% em 2016 para 34% em 2017, considerando que a pesquisa foi realizada em junho, ou seja, na metade do ano em curso.

            As pesquisas levantam outros dados importantes sobre a especificidade do tratamento voltado às mulheres. O público feminino é particularmente vulnerável ao uso de substâncias psicoativas que criam dependência, sobretudo por causa das questões hormonais, além de fatores sociais e comportamentais associados. No caso das mulheres, a quebra dos vínculos familiares, as questões relacionadas a violência doméstica, abuso de toda ordem, sobretudo sexual, o medo da perda dos filhos são fatores que contribuem para que haja maior resistência e adesão ao tratamento e possível recuperação.

Relato de Caso: Fênix, amor maior que o crack
Fênix* vivia no interior, família simples, a única mulher entre muitos irmãos. Desde pequena buscava se sobressair neste universo masculino, mantendo-se alerta, competitiva e nível de igualdade. Aos 15 anos, a família resolveu “vendê-la” para um homem mais velho, como pagamento pelo arrendamento da terra onde viviam. Fênix não concordou e resolveu fugir de casa. Veio para Rio de Janeiro, viver na cidade grande e se virar como podia. Foi trabalhar como empregada doméstica, mas logo se viu na condição de “escrava” da família. Pouco tempo depois estava na FEBEM, mas depois fugiu e foi morar numa comunidade e aos 18 anos conheceu um rapaz, porém foi abusada sexualmente e espancada. Ela o matou. Foi presa, condenada, cumpriu parte da pena e aos 23 anos retornou à comunidade e, em pouco tempo, já liderava uma quadrilha com 21 homens e uma “boca de fumo”. Ali conheceu o pai de seus dois filhos, mas segundo sua declaração: “Como era a única mulher naquele meio, tive que soterrar praticamente qualquer sentimento que demonstrasse fragilidade. O que começou como um ‘ganha pão’, passou a ser meu estilo de vida. A perversidade e a crueldade eram minhas marcas. Eu era respeitada e temida por conta das armas. Mas, ainda restava algum sentimento humano em mim, por causa dos meus filhos. Eu não queria que eles fossem atingidos pelo mundo em que eu vivia. Queria preservá-los de tudo aquilo”.
            Fênix pagava para cuidarem dos filhos, principalmente à noite, para que pudesse trabalhar em paz.  Materialmente supria as necessidades dos filhos, entretanto não conseguia ser carinhosa ou dar amor às crianças, embora estas insistissem que a mãe deixasse aquela vida porque era perigosa e poderia ser morta. Uma noite, Fênix quase feriu o próprio filho ao confundir a sombra dele com provável inimigo. Diante dos olhos assustados da criança, entendeu que era preciso parar e que não adiantava mais toda aquela vida louca.
            Milagrosamente, após um acordo, ( quem vive neste ambiente tem ciência que a possibilidade de sair “livre”/vivo deste círculo é nula) conseguiu sair daquele lugar,  deixar tudo para trás e cuidar realmente de seus filhos. Porém, Fênix sentia muita falta do poder, da adrenalina que a vida anterior proporcionava e para aliviar suas tensões, buscou as drogas. Só que desta vez, ela conheceu o crack. A partir deste episódio, Fênix foi perdendo o controle da situação, estava totalmente dependente da droga e já não cuidava mais dos filhos e nem de mais nada. Foi parar nas ruas, perdeu a guarda das crianças para o Conselho Tutelar e depois para o abrigo. Estava no fundo do poço, sentindo-se acabada. Mas recebeu ajuda e quis sair daquela escravidão. Foi para CT de mulheres.
Arteterapia: a arte do resgate
Segundo o psiquiatra Luiz Guilherme Ferreira Filho, do Caps AD, da Secretaria de Saúde Pública (Sesap) de Praia Grande/SP,  arte é neurociência, pela qual se alcança o inconsciente do paciente, colaborando para restabelecer o mecanismo de recompensa cerebral deturpado pela droga.  
“A Arte amplia o repertório de atuação do paciente. Ainda que não tenha talento, descobre que há outras formas menos nocivas de ter prazer.
Não é arte bela e nem feita para estar em galerias. É arte de resgate”.

            Quando conheci Fênix, era uma pessoa muito dura, bem masculinizada, não gostava de conversar, tinha um tom de voz agressivo, praticamente não sorria e não tinha nenhum cuidado com a aparência, embora isso fosse estimulado pela instituição.
Nas atividades de Arteterapia, no momento de compartilhamento, Fênix fazia questão de relatar sua situação anterior, o poder que exercia sobre os homens, como manipulava as situações a seu favor e sempre ganhava no final. 
            Em uma das atividades, após três meses de convivência na CT, abordamos o tema da autoestima,  autoimagem. A proposta era que elas deveriam “enfeitar” uma determinada imagem feminina da maneira que desejassem. Fênix, pela primeira vez em tanto tempo, teve oportunidade de acessar o distante mundo feminino, experimentar objetos e adornos que já não faziam mais parte de sua realidade. Aos poucos, foi se permitindo contemplar aquela imagem, enfeitá-la com adornos simples e até usou um batom bem clarinho. Um sorriso surgiu em seus lábios. No compartilhamento revelou: - “Não uso batom há muito tempo! Não gosto muito disso. Prefiro mais natural.

            Aos poucos, Fênix foi se desvelando, através do acesso aos materiais de arte, da crescente confiança que sentia em compartilhar parte de sua vida, tanto na equipe de trabalho, quanto no próprio grupo. Sentia-se livre para expressar suas emoções, a luta para vencer seus comportamentos adictos e a dificuldade em se relacionar com as outras companheiras. Em alguns momentos mais conflituosos durante a semana, houve a possibilidade no grupo para que Fênix se retratasse com alguém e restabelecesse um clima mais tranquilo no grupo e na própria instituição. Para nós, da equipe, era visível sua mudança, tanto no aspecto físico, quanto emocional: sentia-se mais segura, com autoestima mais equilibrada, entendendo melhor sua história, sobretudo em relação ao seu objetivo maior que era resgatar seus filhos do abrigo, ter condições de manter-se limpa e reconquistar sua condição de mulher e cidadã, capaz de gerir sua vida e de sua família.
            Em um dos últimos trabalhos que participou, em junho de 2016, confecção do quadro (colagem) e um caderno dos sonhos, ( Fênix manifestou seu desejo de encontrar um “homem de Deus, um amor verdadeiro”, pois nunca havia se apaixonado até então. Todos os seus relacionamentos anteriores, principalmente sexuais, foram sob efeitos da droga. Não sabia como se relacionar de outra forma.) Tinha  sonhos de viajar, voltar estudar e se formar,  de se casar, ter um marido que a amasse e que ela amasse também e principalmente  ter seus filhos de volta, ( resgatar e exercer sua maternagem** de fato),  reunir todos numa casinha, ainda que fosse simples.


            Nossos encontros duraram aproximadamente 18 meses e ao final deste tempo, Fênix já estava trabalhando fora da instituição. Havia conseguido provar ao Juiz e ao Conselho Tutelar sua plena condição de cuidar de si mesma e dos filhos. Com seu trabalho, já era possível pagar aluguel de uma pequena casa e agora seus filhos já estavam com ela, matriculados na escola e Fênix atualmente prepara-se para o ENEM em novembro.  Está namorando há mais de um ano e meio, ficará noiva em setembro e provavelmente seu casamento será no final deste ano.
A Arteterapia é uma ferramenta maravilhosa que possibilita que as pessoas se encontrem consigo mesmas, se percebam e resgatem sua essência e assim, contribui de maneira efetiva para restauração de pessoas que já se sentiam condenadas.
Fênix é um exemplo de alguém que lutou, que acreditou no amor e que os laços de mãe e filho podem sim tirar alguém do mais profundo poço.

* Fênix – nome fictício que adotei para esta mulher, pois como o pássaro mitológico, ela também ressurgiu das cinzas e da fumaça das pedras de crack para uma nova vida, com seus filhos e um novo e verdadeiro amor. 
** Gerar, gestar e parir é maternidade. Cuidar, amar, proteger, doar, ensinar é maternagem. Maternidade é instinto, maternagem é aprendizado. A maternagem é o útero das relações humanas.

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Sobre a autora: Tania Salete


Graduação em fonoaudiologia, pós graduação em psicopedagogia. Especialização em Arteterapia pela POMAR, Rio de Janeiro, atuando com grupos terapêuticos e de apoio em casa de recuperação feminina e masculina. Atualmente residindo em Fortaleza.


Este é o segundo texto de Tania para o blog Não Palavra. Para ler o primeiro texto CLIQUE AQUI

segunda-feira, 17 de julho de 2017

ARTETERAPIA E FAMÍLIA: Novos Horizontes


Por Mércia Maciel - RJ
mercia.m@terra.com.br


Dando seguimento às minhas pesquisas sobre Arteterapia e família, tenho buscado, na medida do possível, direcionar o meu foco  para o contexto dessa articulação na pós-graduação em Arteterapia e Processos de Criação que curso no momento.

Assim é que, a partir de um trabalho sobre vida e obra de um artista (de qualquer época) para a disciplina de História da Arte e Estética, realizei uma pesquisa bibliográfica sobre a vida de um dos maiores gênios da história da arte no mundo: o holandês Vincent Van Gogh. Comecei contextualizando o período histórico em que viveu o artista e, em meio à farta e interessante bibliografia encontrada sobre o tema, uma me chamou a atenção em particular.
Trata-se da tese de Livre-Docência da psicóloga Claudete Ribeiro, apresentada ao Instituto de Artes da UNESP, em São Paulo, no ano 2000, intitulada “Arte e Resistência: Vincent Willem Van Gogh”.
Nessa rica análise é apresentada uma interessante reflexão a respeito do perfil psicológico do artista, a partir de sua obra e de sua correspondência com o irmão, mas também de seu contexto familiar. A autora considera que a história familiar de Van Gogh pode revelar muito a respeito de sua personalidade e trajetória de vida.
Entre outras questões levantadas, analisa o fato do nome do artista ser também um nome que se repete a cada geração da família, sendo Vincent Willem Van Gogh também o nome do avô paterno do artista, do tio paterno, do irmão natimorto que antecedeu seu nascimento e, por fim, do sobrinho dele, filho de seu irmão Theo. Sendo esse seu avô (assim como seu pai) um pastor calvinista e grande pregador e seu tio um artista reconhecido, Van Gogh, em busca por seu lugar no mundo, envereda primeiro pelo caminho religioso, para só mais tarde iniciar sua carreira artística.
A autora considera que, ao carregar o fantasmagórico nome, Vincent revelava uma dinâmica familiar de reedição das histórias, em que a família:
“... apresenta uma organização fantasmática por meio das figuras mitificadas e de um conjunto de crenças que foram partilhadas e transmitidas pelas gerações dos seus filhos, estabelecendo assim, os mitos como verdades ao longo da sua existência, de forma a preencher as necessidades de sucesso e poder da família, traçando o destino do Vincent, ora em estudo.” (Ribeiro, 2000)
Considero muito motivante esse tipo de análise sobre famílias de artistas, que no meu caso, pode apontar para um possível tema de dissertação na conclusão da minha Pós- Graduação.
Uma entrevista com Maíra Bonafé Sei
Dando continuidade ao compartilhamento dos meus estudos sobre o tema, apresento uma entrevista com a  Professora Dra. Maíra Bonafé Sei, PhD em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo e arteterapeuta, que gentilmente a concedeu especialmente para publicação no blog Não Palavra.  Trata-se de uma das poucas profissionais que se voltaram à pesquisa e à prática da Arteterapia com família no Brasil até hoje.
Confira:
Como profissional de Terapia Familiar e de Arteterapia, como vê a interlocução entre as duas áreas de conhecimento, seus limites e suas possibilidades?

Maíra B. S.- A Arteterapia se configura como um campo do saber que dispõe de ferramentas passíveis de utilização no cenário da terapia familiar, tipo de intervenção clínica que agrega participantes de diferentes idades. Por meio dos recursos artístico-expressivos, diminui-se a distância cognitiva entre adultos e crianças e lida-se com a censura habitual presente no discurso verbal, fato que incentiva o uso destes nos atendimentos de famílias.  

Como terapeuta de família, qual a linha teórica com a qual mais se identifica e como ela te ajuda no trabalho de arteterapia com famílias?

Maíra B.S.-  Minha atuação baseia-se na Psicanálise de Casal e Família, com foco na contribuição de psicanalistas franceses, que inclusive valorizam o uso de recursos mediadores no setting  terapêutico.

Como vê a atuação da Arteterapia com famílias hoje e suas possibilidades de avançar e se estabelecer no Brasil como campo de trabalho para o arteterapeuta? 

Maíra B. S. - Entendo que a Arteterapia com famílias ainda se apresenta de forma incipiente no Brasil, com poucos arteterapeutas com formação e interesse para atuar com este público. Compreendo tratar-se de um tipo de intervenção clínica de grande relevância social, ao se contemplar a família como um todo, grupo e relações nem sempre contempladas nos atendimentos individuais.

O que a levou a escolher essa forma de trabalhar? 

Maíra B. S.- Minha atuação com casais e famílias se iniciou em 2005, por meio de minha pesquisa de doutorado, de Arteterapia com Famílias no contexto da violência familiar, orientada pela Profa. Titular Isabel Cristina Gomes, vinculada ao IP-USP.

Compartilhe conosco um pouco sobre sua prática com famílias através da arteterapia.

Maíra B. S.- A prática de Arteterapia com Famílias pode ser conhecida por meio do livro "Arteterapia e Psicanálise" da editora Zagodoni. Além disso, tenho vários artigos publicados e que podem ser conhecidos por meio do acesso ao meu currículo Lattes.



Entre os Projetos de Pesquisa realizados pela Professora, estão o Catálogo de Textos Científicos em Arteterapia no Brasil” (integrantes: Maíra Bonafé Sei - Integrante / Cristina Dias Allessandrini - Coordenador / Margaret Rose Bateman Pela - Integrante)  e “Arteterapia com famílias e Psicanálise Winnicottiana: proposta de intervenção em instituição de atendimento à violência familiar” (integrantes: Maíra Bonafé Sei - Coordenador / Isabel Cristina Gomes – Integrante).
As diversas publicações da autora sobre o tema encontram-se elencadas no site do CNPq citado acima pela autora.

Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com

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Referência:
RIBEIRO, Claudete. ARTE E RESISTÊNCIA: Vincent Willem Van Gogh. Tese de Livre- Docência apresentada ao Instituto de Artes da UNESP, São Paulo, SP, Brasil, 2000. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/116108/ribeiro_c_ld_ia.pdf?sequence=1
Acesso em: 22/06/2017
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Sobre a autora:

Mércia Maciel

Assistente Social pela UFF (1994), pós-graduanda em Arteterapia e Processos de Criação pela UVA.
Experiência como assistente social: atendimento de família, dependência química, e crianças em situação de abuso.

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segunda-feira, 10 de julho de 2017

ATENDIMENTO INFANTIL: UMA PONTE ENTRE A ARTETERAPIA E A PEDAGOGIA



Por Renata Fajoli - SP
email: fajolirenata@gmail.com
facebook: www.facebook.com/refajoli


Há um tempo decidi mudar meu foco de atuação e me vi diante de um grande desafio: ressignificar a Pedagogia (minha área de graduação) e uni-la a Arteterapia, buscando um novo propósito de trabalho nesses dois campos tão fecundos de ricas experiências.
Animada, me deparei com a possibilidade da transdisciplinaridade, ideia que foi clareando a partir de Rodrigues (2015 p. 91).

[...] O chamado do nosso tempo é para cuidar da vida e transdisciplinar e colaborativo, para além das individualidades, de cercas, muros, fronteiras ou divisas, por via do respeito, do amor e da soma dos conhecimentos e experiências e essencialmente acompanhando as pessoas na vida, e não os seus diagnósticos.  

A necessidade de um novo olhar sobre infância e tudo o que envolve essa fase da vida logo surgiu: a beleza de perceber e conceber o indivíduo como um ser integral que no processo de aprendizagem e desenvolvimento está por inteiro, corpo, alma e mente.
            E foi justamente nesse ponto, que para mim, essas duas áreas de conhecimento conversaram e se complementaram, permitindo que eu encontrasse a linha que norteou a reflexão acerca da minha atuação.
            A Arteterapia considera a integralidade do ser e através das diversas experiências com os materiais expressivos, o indivíduo vai tomando contato com partes suas, integrando em si aspectos muitas vezes presentes (mas até então desconhecidos), conforme cita Urrutigaray (2011, p.20) “A experiência do trabalho com Arteterapia proporciona a possibilidade de reconstrução e de integração de uma personalidade...”
Nesse caminho para a ponte com a Pedagogia, encontrei Céline Lorthiois que traz contribuições significativas para essa área do conhecimento. Ela concebe a Pedagogia Profunda, que se apoia na Teoria de Carl Gustav Jung, fundador da Psicologia Profunda ou Psicologia Analítica.
            Lorthiois define assim sua visão pedagógica:

A Pedagogia Profunda/Pedagogia Junguiana abrange a criança na sua totalidade, considerando seu corpo, sua mente, sua capacidade criadora, seus sonhos, sua alma: no âmbito desta Pedagogia, o currículo é a vida.” (http://www.pedagogiaprofunda.com/projects/pedagogia-profunda-–-cursos/). 

            A proposta da Pedagogia Profunda inclui “... técnicas artesanais, trabalhos manuais, técnicas de relaxamento, danças circulares, histórias, sonhos, e a natureza com seus quatro elementos, sobre o pano de fundo da teoria junguiana...” (Lorthiois, 2016 p. 225)
Identificada com essa proposta e junto as múltiplas possibilidades da Arteterapia, volto-me para o atendimento infantil.

O trabalho arteterapêutico considera os anseios e expectativas que a criança traz para a sessão e os materiais tornam-se potências que ajudam a aflorar aquilo que ela já possui, a criatividade.
No setting, a criança é livre para escolher o material e a expressão artística que deseja trabalhar, conhecer e explorar. Nessa escolha, há uma entrega de um desejo íntimo, uma espécie de entusiasmo pelo novo e emoção de tomar parte com o desconhecido.
Percebe-se então, uma união quase íntima da criança x material x desejo, que são ingredientes para uma alquimia à olhos vistos. Não há receio de uma experimentação, está aberta ao novo, àquilo que emergirá, encontra-se totalmente envolvida no processo e com ele se identifica, se emociona e se transforma.
Observa-se de uma maneira interessante e deslumbrante o desenrolar desse trabalho, a forma como ela é capaz de, através da escolha do material, atender internamente suas próprias exigências e necessidades, gerando impactos de uma experiência e aprendizado integral, que envolve o cognitivo mas também o corpo, a alma e a mente.
A criança passeia entre as possibilidades oferecidas e ela mesma vai classificando a importância de cada atividade, significando o que quer fazer, sugerindo transformações, modificando e invertendo o sentido e até mesmo a funcionalidade de cada material ou objeto que toma contato.
Como se olhasse mesmo para dentro de si, verificando o que lá acontece e escolhendo aquilo que pra ela, naquele determinado momento irá caber, preencher, fazer sentido, organizar, trazer uma reflexão interna e assim produzir uma fecunda elaboração.
É portanto, nessa dança e nesse envolvimento, na observação do fazer e das produções, no processo e ao longo de um período, que é possível a elaboração/síntese simbólica e lúdica de quem a acompanha.
Nesse processo arteterapêutico pedagógico, a criança simplesmente faz sem a pretensão de significar objetivamente a sua produção, a não ser por ela mesma, porque muitas vezes o significado está contido no processo.
Interessante perceber que muitas vezes ao finalizar um trabalho, ela quer a impermanência do mesmo, ou seja, destruir, rabiscar, colar, jogar fora, desmanchar ou simplesmente abandonar e descartar sua produção e quando isso acontece, o que fez sentido foi o processo, o momento, a construção, o fazer ou seja, a experimentação.
Além disso, muitas vezes essas atividades não tem um desfecho final, é um projeto inacabado, um desenho incompleto que basta por si só. Esse inacabado para nós, pode ser uma obra completa para ela.
Faço então um elo ou uma ponte com a Pedagogia, pois que o aprender, o fluir da aprendizagem é esse processo que não está acabado, que permite possibilidades e experimentações, até que se encontre internamente onde essa nova experiência caiba, se assente e faça sentido.
Por isso é importante esse olhar de compreensão nesse universo infantil do inacabado, de construção e desconstrução constante, pois reflete o mundo interno, reflete o universo da criança.
Esse ambiente de experimentação da Arteterapia, também é o universo da Pedagogia que leva em conta o ser integral, onde há espaço para o surgimento de novas potencialidades, novos saberes até então inexplorados e descobertas de habilidades fantásticas desconhecidas ou não exploradas pela própria criança.
Desse modo, não é incomum que queixas escolares como dificuldade aprendizagem, relacionamento e comportamento não se apresentem durante as sessões, além de contradizê-las, e isso é possível porque foi permitido a ela adentrar num universo de possibilidades, revelar a sua alma.
E assim, se sentindo acolhida e identificada num lugar seguro de realizações sem julgamentos, mas sim das possibilidades, podendo ser quem realmente é e acessando a sua essência genuína, consegue lidar com as dificuldades apresentadas no dia-a-dia, melhorando sua autoestima, se autoconhecendo, se alegrando com suas conquistas e fazeres.
... Ao ser possível integrar, pela atuação consciente, o resultado do criado com a temática emocional oculta na representação apresentada, o sujeito adquire a condição de transcender suas vivências imediatas, experimentando novos sentimentos e disponibilizando-se para novas oportunidades. (URRUTIGARAY, 2011 p. 20) 

Lorthiois (2016 p. 225) poeticamente vai dizer que:

Numa época em que a criança e a educação estão cada vez mais cercadas e amparadas pelos recursos da tecnologia [...] a criança afirma a sua infância em parceria com uma natureza que a alimenta e que sabe compensar o estilo de vida, geralmente esgotante, que lhe é imposto hoje. E mesmo em meio à cidade grande, conseguimos descobrir seus numerosos esconderijos. 

            E para isso, é preciso do profissional que a acompanha um olhar atento, sensível e acolhedor.
... ser capaz de apreciar um toque de criança ou a elaboração de um trabalho espontâneo com a matéria; significa também ser capaz de atentar para a história de que um aluno está representado por intermédio de suas atividades, quiçá de compreendê-la como se fosse um sonho. (LORTHIOIS, 2016 p. 226)


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Referências bibliográficas:
LORTHIOIS, Marie Céline G. R. F. Exercícios de Pedagogia Profunda: Uma inclusão da alma na educação. São Paulo: [s.n.], 2016.

RODRIGUES, Valéria Elisabete. Imagens e História em Arte Terapia: Experiências nas interfaces da psicologia, da educação e da arte. 2015. 174 p. Dissertação de Mestrado de Pós-Graduação em Artes – Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista – UNESP. São Paulo, 2015
URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: A transformação pessoal pelas imagens. 5. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011
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Sobre a autora: Renata Fajoli


Formação: Pedagogia pela PUC/SP e pós-graduada em Arteterapia e Expressões Criativas pelo IJEP.     

Área de atuação/projetos e trabalhos:

Arteterapeuta e Pedagoga, realiza atendimentos individuais de crianças, jovens e adultos. É facilitadora de oficinas e workshops para grupos de pais, professores e demais interessados. Atuou por mais de 10 anos na Educação da rede pública da Prefeitura de São Paulo com crianças e adolescentes. Artista mandaleira e entusiasta de práticas integrativas aplicada à educação formal e não formal.