Por Janaína de Almeida Sérvulo - MG
janainaservulo@gmail.com
A
suíça Dora Kalff (1904-1990) é considerada a criadora da técnica terapêutica
conhecida como Sandplay, ou Terapia
do Jogo de Areia. Essa técnica foi
baseada no trabalho da psiquiatra inglesa Margaret Lowenfeld (1890-1973),
denominado World Technique, ou
Técnica do Mundo. Para desenvolver seu método, Dora Kalff agregou a este
trabalho conhecimentos da Psicologia Analítica Junguiana, aliados à sua prática
clínica com crianças.
O
jogo de areia é um método não verbal, não racional e criativo, que consiste na
construção de cenários em uma caixa de areia, utilizando miniaturas. No método
original, a caixa é padronizada e não são realizadas modificações,
interpretações ou verbalizações sobre o cenário construído. Meu objetivo, no
entanto, é apresentar a caixa de areia como uma das técnicas a serem utilizadas
no processo arteterapêutico, enquanto mais uma possibilidade expressiva antes
da elaboração verbal.
Esta
proposta se mostra bastante adequada para auxiliar pessoas que se apresentam
inicialmente inibidas diante dos materiais plásticos. Quando isso acontece, ou
quando já foram utilizados vários materiais e as técnicas se mostram
repetitivas, a construção de um cenário na caixa de areia pode ser um ótimo
estímulo para a pessoa se expressar. Uma outra vantagem é que a caixa contendo
areia (que é, por si só, terapêutica)
funciona como um limite, um espaço seguro, onde os conteúdos expressos estão
protegidos. Sem falar das miniaturas, que representam objetos, pessoas e
lugares do mundo real ou imaginário, facilitando a materialização de angústias,
temores e conflitos internos. Na prática, são diversos os exemplos de como essa
técnica pode trazer elementos importantes do inconsciente, facilitando sua
integração à consciência.
Recentemente,
acompanhei um pré-adolescente com quadro de medo e insegurança. Quando o
convidei a se expressar na caixa de areia, escolheu personagens como bruxas e
monstros para personificar seu medo. Posicionou-os e teve dificuldade de
encará-los, pois suas expressões realmente o assustavam. Então, pedi que ele criasse
uma outra cena, de forma que pudesse se sentir mais seguro. E assim foram surgindo os heróis, com sua força
e coragem; o mago, com sua sabedoria; uma fada e um anjo, que, com sua delicadeza
e esperteza, enfrentaram os seres assustadores. Dessa forma, conseguiu se
aproximar e pôde, concretamente, derrotá-los. A expressão no seu rosto, um
misto de cansaço e alívio, mostrava que a luta contra os medos não havia
terminado, mas uma batalha importante fora vencida.
Outro
caso interessante é de uma criança de cinco anos com sintomas de agressividade
a partir da separação dos pais. Desde o início do processo, sempre representava
uma cena de casamento. Até que um dia, ela desenhou “o cabelo da noiva”, de
forma que lembrava claramente um olho a observar do centro de um labirinto. Percebeu
a semelhança e aceitou a proposta de materializá-lo. Construímos juntas (a seu
pedido), modelando a areia e criando passagens e impedimentos. “Tem que ter
flores!” E, de repente, o labirinto estava todo enfeitado... “Não vou conseguir
sozinha.” E então surgiram os pais... Sentiu falta de outras pessoas conhecidas
e, ainda não satisfeita, acrescentou três princesas, posicionando-as,
estrategicamente, para orientar o caminho. No final, encontrou a saída e
comemorou, com as outras crianças, a descoberta do grande tesouro. De repente, disse:
“eu queria meus pais aqui”. Mas logo
voltou a comemorar, já começando a compreender, mesmo tão pequena, que existem
desafios que precisamos enfrentar sozinhos.
Da
mesma forma, a técnica é também bastante resolutiva com adultos e idosos. Depois
de algumas sessões trazendo queixas e conflitos familiares, uma idosa começou a
se dar conta de um intenso sentimento de solidão. Representou uma cena no
deserto, identificando-se com uma árvore deixada de lado depois de ter dado
seus frutos. Algumas sessões mais tarde, e depois de ter trabalhado a sua
árvore interna, o cenário já era outro: representava o desejo de uma vida
simples ao lado daqueles que ama. Apesar de continuar se sentindo sozinha, as
cores, os personagens e a maneira como estavam dispostos mostravam vitalidade e
movimento, o que não se via na cena do deserto, quando o que mais chamava atenção
era a imobilidade diante de uma ameaça.
E
assim, cada uma dessas pessoas teve a oportunidade de criar cenas imaginárias
onde, aos poucos, foram se apresentando, trazendo seus conflitos, angústias,
identificações e medos, materializando e reconstruindo os fragmentos de um
inconsciente que se tornava cada vez mais claro, palpável e possível de ser
integrado à consciência. Sonhos, decepções, confrontos... saindo de dentro, do
mais íntimo do ser, para uma caixa mágica que aceita tudo, mas também limita,
protege e transforma!
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências
Bibliográficas:
CAMPOS,
Rose. Sandplay: uma conexão com o
inconsciente. Disponível em: http://www.psicologiasandplay.com.br/wp-content/uploads/2010/04/Jogo_de_Areia_-_Uma_conexao_com_o_inconsciente.pdf
CRUZ,
Maria do Carmo Cordeiro; FIALHO, Maria Teresa. A caixa de areia: técnica projectiva e método terapêutico. Análise
Psicológica (1998), 2 (XVI): 231-241. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v16n2/v16n2a02.pdf
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Sobre a autora: Janaína de Almeida Sérvulo
Graduada em Psicologia pela UFMG, com especialização em Arteterapia pela FAVI, em convênio com o INTEGRARTE.
Atua como psicóloga e arteterapeuta em clínica particular em Belo Horizonte-MG e na rede pública da região metropolitana. Experiência de mais de 15 anos com atendimento individual e em grupo a crianças, adolescentes e adultos.
Para conhecer mais sobre seu trabalho, visite a página do facebook: @artisticamente7
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