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segunda-feira, 4 de julho de 2016

OBSERVAÇÕES DA CLÍNICA # parte 2

Por Maria Cristina de Resende
crisilha@hotmail.com

No último texto divulgado neste blog, a respeito das observações da prática da Arteterapia na clínica, falei um pouco sobre o quanto a experimentação das técnicas e materiais na pode se tornar estímulo para a experimentação da vida e de vida. Hoje, dando continuidade a estas observações, trago o tema já mencionado por Eliana Moraes sobre o repetir, recordar e elaborar, conceito da psicanálise que fala sobre uma repetição criativa, produtiva onde o individuo repete e elabora suas questões diminuindo a amplitude entre consciente e inconsciente.

E quando esta fala se torna neuroticamente repetida?

Assim podemos falar de um quadro difícil de conduzir na clínica que são os indivíduos com estilos obsessivos de ver e estar no mundo. Se no texto anterior abordamos um individuo tido como imaturo, mas que na verdade seu estilo puer o conduz a uma instigante experimentação de mundo, o individuo obsessivo, regido por senex, teme esta experimentação e por isso permanece em seu confortável círculo de experiências conhecidas. Estratégia ilusória de manutenção do controle das variáveis, ou como tenho gostado de falar, das “acontecências” da vida.

Ao longo dos atendimentos com um indivíduo com este estilo, poucos trabalhos foram sendo produzidos por ele. Mas um, especificamente, foi revelador deste movimento neuroticamente circular.

Em algum ponto de seu processo terapêutico ele foi convidado a buscar livremente materiais que o capturasse e pudessem expressar seu presente momento. Mas esta livre experimentação pode se tornar um momento de angústia para aqueles que temem qualquer movimento não planejado, sendo assim, materiais seguros e de fácil controle se tornam bem atrativos. E assim foi neste caso, um suporte de papel canson e lápis de cor preto. Mas a falta de condução o leva a não saber o que fazer, e me pergunta: “O que é pra eu fazer?”. A necessidade de alguma referência revela a dificuldade de entrar em contato com o próprio desejo e manifestá-lo plenamente através de novas experiências, que neste caso são os próprios materiais.

Respondo então que ele poderia fazer o que quisesse e que talvez fosse interessante fechar os olhos e sentir o movimento das mãos com o lápis sobre o papel. O mínimo de interferência como gatilho para o processo. E assim aconteceu. Traços não delimitados, soltos, livres, mas que retornam para um ponto em comum.

Depois de um tempo, pouco tempo, ele abre os olhos e vê o que fez. Peço então que olhe e sinta o que aquela imagem tem a dizer. “Medo, retorno ao mesmo lugar”.

O que dizer de tais frases! Por um tempo esta obra foi ressoando em nossos encontros. Porém seu impacto foi realmente sentido um ano após sua produção.

Depois de rever alguns trabalhos realizados em seu processo, ele se depara com este e percebe que suas queixas permanecem as mesmas, ainda que depois de um ano.  Esta percepção nos coloca novamente em contato com o tema repetir, recordar e elaborar, onde podemos ver que sua repetição não o leva a uma elaboração do tema, mas sim a uma manutenção do status quo que faz perdurar seus sintomas e suas queixas, pois assim o conduz por um caminho conhecido e de fácil manipulação.

O que a Arteterapia tem a oferecer em casos como este?

A experiência de manipular diferentes materiais e texturas, de produzir diferentes formas e dialogar com tais produções pode fazer com que indivíduos obsessivos se permitam, a seu tempo, a abrir espaços para novas formas, novas cores e nuances em sua vida. O ato criativo na clínica como um ensaio para novos atos criativos na vida, suavizando cada vez mais os traços rígidos do senex que rege a vida de tais pessoas. Podemos compreender este ato criativo, que aqui se aproxima do agir criativo, falado por Eliana Moraes, como uma potencialização do aspecto puer desta sizígia puer-senex.
Este par de forças inconscientes que estruturam, desestruturam e renovam nosso estado de ser e estar no mundo nos conduz a vivenciar o vir a ser, confiando nesse fluxo do devir despindo-nos da ilusória realidade de controle e de permanência. Logo, a Arteterapia atua como força propulsora para o devir, estado tão ameaçador para o estilo senex de ser.



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