Por Eliana Moraes
Dando continuidade à série de
reflexões sobre as especificidades da Arteterapia, tenho pensado sobre a escuta
do arteterapeuta, uma vez que este é um profissional que lida com alguns
elementos específicos dentre as técnicas terapêuticas. A escuta é o ofício
primeiro de todo e qualquer terapeuta, mas o arteterapeuta deve desenvolver,
apurar e instrumentalizar sua escuta nas especificidades da sua prática e
profissão.
Esta reflexão foi iniciada em
um texto anterior deste blog, chamado “A
percepção de si dentro do agir – Especificidades da Arteterapia”, tomando
como referência a fala de Fayga Ostrower: “A
percepção de si dentro do agir é um aspecto relevante que distingue a
criatividade humana.”. Para ela, o criar:
não representa um relaxamento ou um esvaziamento
pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade; criar representa uma
intensificação do viver, um vivenciar-se
no fazer; e, em vez de substituir a realidade, é a realidade.” (OSTROWER)
Tenho proposto o conceito do “agir criativo” como uma especificidade da Arteterapia. E quando compreendemos que o agir criativo é objeto de nossa escuta,
observação e manejo, uma gama de articulações teóricas são necessárias para
instrumentalizar o arteterapeuta.
Para
embasar minha prática venho articulando a Arteterapia com conceitos da
Psicanálise, buscando seus encontros e desencontros (1). Uma das referências teóricas
que tomo para minha orientação como arteterapeuta é o texto “Recordar, Repetir e Elaborar” de Freud,
que defende:
“... podemos dizer que o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber o que está repetindo.”
Neste
texto Freud alerta ao analista para que tenha escuta sobre os comportamentos de
seu paciente. A maneira como ele se comporta em relação ao analista (a transferência)
e os relatos sobre como se comporta em tudo aquilo que empreende em sua vida. Afinal
o paciente iniciará seu tratamento justamente angustiado por uma destas
repetições. E afirma que:
“Enquanto o paciente se acha em tratamento, não pode fugir a esta compulsão à repetição; e no final, compreendemos que esta é a sua maneira de recordar... Logo percebemos que a transferência é, ela própria, apenas um fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido, não apenas para o médico, mas também para todos os outros aspectos da situação atual.... o paciente se submete à compulsão, à repetição, que agora substitui o impulso a recordar, não apenas em sua atitude pessoal para com o médico, mas também em cada diferente atividade e relacionamento que podem ocupar sua vida na ocasião - se, por exemplo, se enamora, incumbe-se de uma tarefa ou inicia um empreendimento durante o tratamento.” (FREUD)
Podemos perceber neste fragmento que
Freud estimula ao analista que esteja atento ao que o paciente apresenta como
comportamentos repetidos - além das relações - em cada atividade que ele
invista em sua vida e traga como relato para a análise.
Aqui destaco uma das especificidades
da Arteterapia. Nas palavras de Maria Cristina Urrutigaray:
“... a atuação autônoma
atualizada em comportamentos... encontram na arteterapia um continente adequado
à sua manifestação.” (URRUTIGARAY, p 79)
“A materialização,
proporcionada pelas formas surgidas, propicia o confronto com realidades
subjetivas não conscientizadas, apesar de atuadas nos comportamentos emitidos.”
(URRUTIGARAY, p 83)
Esta especificidade se dá porque a partir
de cada proposta de técnica expressiva, instrumento de trabalho do
arteterapeuta, haverá um convite para que o paciente aja. Ali, não mais uma “atuação irresponsável”, uma repetição
inócua em seu cotidiano. Mas um agir através da criação, e este será amparado
pelo continente do setting arteterapêutico.
A maneira como o paciente
lida com cada material, quando ele tem dificuldade de iniciar seu trabalho,
quando este trabalho fica vazio ou cheio, demasiadamente organizado ou
desorganizado, com cores intensas ou cores pastéis, se se debruça sobre ele ou
o executa de forma rasa, seus movimentos corporais, suas sensações, são apenas alguns exemplos de quando o paciente repete-se durante o agir criativo.
Freud estrutura todo seu texto na
observação clínica de que o paciente repete ao invés de recordar, e repete sob
as condições da resistência: quanto maior a resistência, mais extensivamente a
atuação (repetição) substituirá o recordar.
Podemos conclur que se
cabe ao terapeuta atentar-se para o que o paciente relata sobre seus
comportamentos repetidos nas atividades do seu dia a dia, nós arteterapeutas devemos escutar,
observar e manejar aquilo que nos é próprio como técnica de trabalho: o agir criativo e durante ele os comportamentos
que se repetem, que tanto promovem a angústia naquele paciente que espera pela
nossa escuta.
Em um próximo texto darei continuidade nesta reflexão, trazendo
novos aspectos sobre a escuta do Arteterapeuta.
(1) Veja também o texto “Psicanálise e Arteterapia –
Encontros e Desencontros (Parte 1)
Disponível em: http://nao-palavra.blogspot.com.br/2016/04/psicanalise-e-arteterapia-encontros-e.html
FREUD,
Sigmund. “Recordar, repetir e elaborar.”
OSTROWER,
Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 12ª ed. Petrópolis, Editora Vozes,
1997.
URRUTIGARAY,
Maria Cristina. Arteterapia - A transformação
pessoal pelas imagens. Rio de Janeiro, Editora Wak, 2011.
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