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segunda-feira, 27 de junho de 2016

A ESCUTA DO AGIR – Da Psicanálise para especificidades da Arteterapia


Por Eliana Moraes

Dando continuidade à série de reflexões sobre as especificidades da Arteterapia, tenho pensado sobre a escuta do arteterapeuta, uma vez que este é um profissional que lida com alguns elementos específicos dentre as técnicas terapêuticas. A escuta é o ofício primeiro de todo e qualquer terapeuta, mas o arteterapeuta deve desenvolver, apurar e instrumentalizar sua escuta nas especificidades da sua prática e profissão. 

Esta reflexão foi iniciada em um texto anterior deste blog, chamado “A percepção de si dentro do agir – Especificidades da Arteterapia”, tomando como referência a fala de Fayga Ostrower: “A percepção de si dentro do agir é um aspecto relevante que distingue a criatividade humana.”. Para ela, o criar:

não representa um relaxamento ou um esvaziamento pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade; criar representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer; e, em vez de substituir a realidade, é a realidade.” (OSTROWER)

Tenho proposto o conceito do “agir criativo” como uma especificidade da Arteterapia. E quando compreendemos que o agir criativo é objeto de nossa escuta, observação e manejo, uma gama de articulações teóricas são necessárias para instrumentalizar o arteterapeuta.

Para embasar minha prática venho articulando a Arteterapia com conceitos da Psicanálise, buscando seus encontros e desencontros (1). Uma das referências teóricas que tomo para minha orientação como arteterapeuta é o texto “Recordar, Repetir e Elaborar” de Freud, que defende:

“... podemos dizer que o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber o que está repetindo.”  (FREUD)

Neste texto Freud alerta ao analista para que tenha escuta sobre os comportamentos de seu paciente. A maneira como ele se comporta em relação ao analista (a transferência) e os relatos sobre como se comporta em tudo aquilo que empreende em sua vida. Afinal o paciente iniciará seu tratamento justamente angustiado por uma destas repetições. E afirma que:

“Enquanto o paciente se acha em tratamento, não pode fugir a esta compulsão à repetição; e no final, compreendemos que esta é a sua maneira de recordar... Logo percebemos que a transferência é, ela própria, apenas um fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido, não apenas para o médico, mas também para todos os outros aspectos da situação atual.... o paciente se submete à compulsão, à repetição, que agora substitui o impulso a recordar, não apenas em sua atitude pessoal para com o médico, mas também em cada diferente atividade e relacionamento que podem ocupar sua vida na ocasião - se, por exemplo, se enamora, incumbe-se de uma tarefa ou inicia um empreendimento durante o tratamento.” (FREUD)

Podemos perceber neste fragmento que Freud estimula ao analista que esteja atento ao que o paciente apresenta como comportamentos repetidos - além das relações - em cada atividade que ele invista em sua vida e traga como relato para a análise.

Aqui destaco uma das especificidades da Arteterapia. Nas palavras de Maria Cristina Urrutigaray:

“... a atuação autônoma atualizada em comportamentos... encontram na arteterapia um continente adequado à sua manifestação.” (URRUTIGARAY, p 79)

“A materialização, proporcionada pelas formas surgidas, propicia o confronto com realidades subjetivas não conscientizadas, apesar de atuadas nos comportamentos emitidos.” (URRUTIGARAY, p 83)

Esta especificidade se dá porque a partir de cada proposta de técnica expressiva, instrumento de trabalho do arteterapeuta, haverá um convite para que o paciente aja. Ali, não mais uma “atuação irresponsável”, uma repetição inócua em seu cotidiano. Mas um agir através da criação, e este será amparado pelo continente do setting arteterapêutico.

A maneira como o paciente lida com cada material, quando ele tem dificuldade de iniciar seu trabalho, quando este trabalho fica vazio ou cheio, demasiadamente organizado ou desorganizado, com cores intensas ou cores pastéis, se se debruça sobre ele ou o executa de forma rasa, seus movimentos corporais, suas sensações, são apenas alguns exemplos de quando o paciente repete-se durante o agir criativo.

Freud estrutura todo seu texto na observação clínica de que o paciente repete ao invés de recordar, e repete sob as condições da resistência: quanto maior a resistência, mais extensivamente a atuação (repetição) substituirá o recordar.

Podemos conclur que se cabe ao terapeuta atentar-se para o que o paciente relata sobre seus comportamentos repetidos nas atividades do seu dia a dia, nós arteterapeutas devemos escutar, observar e manejar aquilo que nos é próprio como técnica de trabalho: o agir criativo e durante ele os comportamentos que se repetem, que tanto promovem a angústia naquele paciente que espera pela nossa escuta.

Em um próximo texto darei continuidade nesta reflexão, trazendo novos aspectos sobre a escuta do Arteterapeuta.



(1)  Veja também o texto “Psicanálise e Arteterapia – Encontros e Desencontros (Parte 1)

FREUD, Sigmund. “Recordar, repetir e elaborar.”

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 12ª ed. Petrópolis, Editora Vozes, 1997.


URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia - A transformação pessoal pelas imagens. Rio de Janeiro, Editora Wak, 2011.

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