Por Cris Silva – RJ
@arteterapia_crissilva
Tomo
emprestado os versos da canção “Dom de iludir”, de Caetano Veloso, para tecer
reflexões sobre como o processo arteterapêutico pode ajudar a criar conexões
para o autoconhecimento e o que mais estiver vinculado a esse mergulho, que
sim, tem nuances de dores e delícias.
Muitas
vezes ser quem somos é uma jornada complexa e se ficarmos na superfície,
enxergaremos unicamente aquilo que queremos. No entanto, ao nos autorizarmos a
trilhar um caminho que leva a um olhar mais profundo, fazemos contato com conteúdos
psíquicos que talvez ainda não tenham sido acessados ou que foram varridos para
debaixo do tapete.
Penso
que de maneira geral, sem ajuda terapêutica, poucas são as pessoas que querem
olhar para suas “mazelas”, talvez pela dor que possa gerar ou ainda por entrar
no embate de sair do mundo das idealizações e ficar frente a frente com as
próprias limitações e fraquezas. Entretanto, quando nos autorizamos e
permitimos ser vulneráveis e honestos conosco, nos damos conta de que há partes
de nós que precisam de cuidado e atenção, ou seja, partes que precisam ser
integradas. É nesse autoacolhimento que um chamado ecoa, abrindo alas para o
crescimento e a trans(evolução).
Sendo a Arteterapia uma modalidade terapêutica que se utiliza da expressão
artística para também ajudar a ver forças, habilidades, fraquezas e
vulnerabilidades, o acesso às emoções, sentimentos e pensamentos acontece de
maneira mais profunda e significativa.
Diante da reflexão “da delícia de ser quem se é”, penso que seja uma
experiência única e preciosa, que nos conecta ao sentimento de liberdade e
autenticidade, que nos abraça quando nos permitimos ser quem somos, sem medo de
julgamento ou rejeição.
Acredito
que o processo de ser quem somos é contínuo e cheio de desafios, uma jornada
que nos leva a explorar nossas próprias profundezas e a descobrir novas facetas
de nós mesmos. Sem essa caminhada que nos leva a crescer, o dom que ficará em
evidência é o “dom de iludir”.
A Arteterapia também nos permite desenvolver uma maior compaixão e empatia por
nós mesmos, o que é fundamental para confrontar nossas fraquezas e
vulnerabilidades. Ao criar arte, podemos começar a ver nossas fraquezas e
vulnerabilidades como partes naturais e necessárias de nossa experiência
humana, em vez de como defeitos ou falhas, podemos representar o que for
incômodo de maneira simbólica, tecendo analogias, o que pode ser mais fácil do
que expressá-las diretamente. Isso permite lidar com esses aspectos de maneira
mais segura e equilibrada.
No
senso comum há a ideia de que por trabalhar com materiais prazerosos como
tinta, canetinha, giz de cera, argila, massa de modelar, colagem e afins, o
processo arteterapêutico trará somente os prazeres. Sinto dizer que não será. No
entanto, trago a boa notícia de que a partir dessa autorização para o
autocuidado, o autoconhecimento conduzirá à capacidade de aceitar a si mesmo,
com incompletude, fraquezas e limitações, sem julgamentos ou críticas.
E eu
que comecei a refletir e escrever esse texto de mãos dadas com os versos de
Caetano Veloso, vou me dando conta de que na imersão que fiz, abri a roda para
receber Paulo Freire e Manoel de Barros, que falam do inacabamento do ser, da
incompletude. É por esse olhar de incompletude que desejo ver a mim mesma como ser humano e também como
profissional, pois entendo que somente assim serei capaz de acolher o meu
semelhante, também inacabado.
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Sobre a autora: Cristiane da Silva
Arteterapeuta: AARJ 1125 /08. Formada em Pedagogia (UERJ/RJ), tem trinta e três anos de regência em sala de aula – da Educação Infantil à Educação de Jovens e Adultos neurodivergentes na rede pública de ensino do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Arteterapia em Educação e Saúde (UCAM/RJ) e formada em Arteterapia pelo Atelier de Artes e Terapias Eveline Carrano. É graduanda em Psicologia (UVA/RJ). Foi voluntária por 4 anos na ONG Anjos da Tia Stellinha, atuando no projeto CONSTRUINDO A MINHA HISTÓRIA – resgate de vínculos entre mães e filhos. Realiza oficinas e vivências em Arteterapia, é mediadora de Biblioterapia e Escrita terapêutica. Acredita que as artes, as leituras, a escrita e a cooperação mudam o sentido da vida e que, sempre, abrem caminhos para o desenvolvimento pessoal e social.
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