Por
Eliana Moraes – MG
naopalavra@gmail.com
@naopalavra
O texto
de hoje dá continuidade ao texto anterior, que registra uma das temáticas que
mais me debrucei no estudo e prática no segundo semestre de 2022: a prática
criativa continuada por artetereapeutas em exercício da sua função. (Para ler o
texto anterior CLIQUE AQUI)
O
contato e a criação de intimidade com as materialidades inicia-se no curso de
formação, na disciplina “Linguagens e materiais” e se estende a todas as
vivências experienciadas em cada aula teórica-prática. Entretanto, percebemos
um grande desafio ao arteterapeuta já formado, em permanecer com a sua
criatividade pessoal como uma “chama acessa” diante da nova etapa, em seu
percurso, de oferecer as materialidades ao outro.
A
continuidade deste estudo teórico e prático é estrutural para a formação
continuada do arteterapeuta, primeiramente porque é impossível se esgotar todo
o conteúdo inserido neste tema, dentro do tempo disponível à
disciplina “Linguagens e materiais”, dentro do curso de formação. Sempre é
possível fazer contato e se aprofundar em uma nova materialidade, em diálogo
com as demandas terapêuticas que o exercício da prática pode nos solicitar.
Mas
também, é tão importante a prática criativa continuada, para que o
arterterapeuta esteja o mais consciente possível de sua própria relação com os
materiais, com os elementos visuais, processos criativos e símbolos recorrentes,
para que assim se evite (dentro do possível) o fenômeno da contratransferência
especifica do arteterapeuta: a projeção de si mesmo no processo criativo do
outro, na escolha dos materiais, das temáticas, consignas terapêuticas e
leituras simbólicas.
O
estudo das materialidades não é suficiente apenas no campo teórico. É
necessário vivenciá-las, experimentá-las em si mesmo, pois a Arteterapia começa
na experiência do próprio arteterapeuta:
... o arteterapeuta deve estar sintonizado com o uso de
técnicas as quais pretende utilizar. Não basta apenas aplicar como se estivesse
seguindo um manual. Faz-se necessária uma reflexão anterior acerca do alcance
da técnica desejada, como sendo uma decodificação dos materiais, tratando de
encontrar na sua linguagem a possibilidade de sua expressividade...
É de fundamental relevância que o arteterapeuta tenha domínio
da técnica a ser utilizada, bem como do domínio de alguns fundamentos acerca da
utilização dos mesmos, a fim de estabelecer e objetivar a mobilização de
conteúdos emocionais, com os quais esteja instrumentalizado para lidar. Convém
ao arteterapeuta o conhecimento tanto de técnicas expressivas como de teorias
psicológicas que levem em consideração o processo de formação de imagens e de
construção das representações, como elementos fundamentais e essenciais ao
domínio de sua “arte”... (URRUTIGARAY, 2011, 33-34)
Neste
sentido, Maria Cristina Urrutigaray defende que para que o arteterapeuta
desenvolva a sensibilidade necessária para que atue como um mediador entre seu
paciente/cliente e os materiais, é necessário (dentre outros pontos) a
participação de espaços que a autora chama de “oficinas laborais”:
A profunda relação pessoal do arteteapeuta com o material, a experiência adquirida pelo manusear e sentir na diversidade
de textura, de estabilidade, de força, etc., vivida com diferentes modalidades
plásticas, nos exercícios corporais, nas nuances sonoras, favorece o
desenvolvimento de sua sensibilidade, tão necessária à sua atuação como
mediador.
Assim, trabalhar com Arteterapia não se resume apenas à
utilização de materiais diversificados mas também comporta um profundo trabalho
de treinamento em conhecimentos psicológicos, filosóficos e artísticos, e em
oficinas laborais, onde possam ser testadas as práticas que pretendem ser
usadas, para organizá-las, compreendendo previamente os seus verdadeiros
alcances. (URRUTIGARAY, 2011, 35-36)
Entendo que podemos considerar como “oficinas laborais”
qualquer recorte no tempo e espaço ao qual o arteterapeuta possa proporcionar a
si mesmo a experiência artística, em qualquer das modalidades existentes: se
possível em seu processo terapêutico pessoal, em vivências arteterapêuticas
amplamente oferecidas em nosso meio, de forma autônoma em seu próprio ateliê, mas
também ateliês arteterapêuticos oferecidos diretamente para a experimentação
das diversas linguagens e materiais e seu estudo aprofundado em suas propriedades
e indicações terapêuticas.
É uma das especifididades da Arteterapia o estudo e o uso consciente
dos materiais em suas propriedades e aplicabilidades. No campo da arte, Fayga
Ostrower já nos sinaliza a existência das “sugestões” que cada matéria
proporciona ao artista, causando-lhe alguma “empatia” (e por que não, também, antipatia?)
de acordo com sua especificidade, e que ele a escolheria de acordo com suas
referências interiores:
No trabalho, o homem intui. Age,
transforma, configura, intuindo... Ao criar, ao receber sugestões da matéria
que está sendo ordenada e se altera sob suas mãos, nesse processo configurador
o indivíduo se vê diante de encruzilhadas. A todo instante, ele terá que se
perguntar: sim ou não, falta algo, sigo, paro... Mas sobretudo, ele decidirá
baseando-se numa empatia com a matéria... Procurando conhecer a especificidade
do material, procurará... de acordo com seu próprio senso de ordenação
interior e próprio equilíbrio. (OSTROWER, 2014, 70)
Desta forma, é função do arteterapeuta fazer a decodificação
da demanda terapêutica e acionar o material mais adequado:
Todas as características
dos materiais atingem diretamente quem usa, causando determinadas emoções que
serão acolhidas na relação terapêutica. Entender essas características e as
necessidades de cada pessoa é a chave para saber escolher o material adequado à
situação. (BRASIL, 2013, 87-88)
Em minha prática como supervisora
em Arteterapia já há alguns anos, e atualmente fazendo parte do corpo docente
de algumas pós-graduações em Arteterapia, observo que esta é uma das dúvidas
mais recorrentes “qual linguagem da arte ou material devo oferecer ao meu
paciente em cada contexto?”. Neste sentido, tenho trabalhado com a expressão “o
arteterapeuta como um promotor de encontros”:
Tenho pensado no
arteterapeuta como um “promotor de encontros” entre o sujeito que fala e um
material que será facilitador de seu discurso, da elaboração de conteúdos
psíquicos e de retificações subjetivas a partir do ato criativo. Nesse sentido é
estrutural que o arteterapeuta dedique-se a conhecer e aprofundar-se cada vez
mais na riqueza e pluralidade de materiais passíveis de serem aplicados no setting
arteterapêutico.
O
arteterapeuta deve trabalhar com metáforas. Investir em apresentar para seu
paciente/cliente a analogia entre a questão trazida por ele e aquele material.
Sem o devido investimento na construção desse simbolismo, o paciente pode não
compreender e não investir de si naquela criação, tornando o processo sem
sentido e inócuo. A delicadeza e a destreza da construção das metáforas e
analogias entre as questões subjetivas e os materiais expressivos vêm sendo dos
pontos mais trabalhados em supervisões que ofereço para arteterapeutas em
construção. (MORAES, 2020, 17)
Em processo de fechamento do ano
de 2022, registro minha gratidão aos parceiros que colaboraram com as
experiências de ateliês arteterapêuticos que ofereci e vivenciei no segundo
semestre. Gratidão à Mariana Farcetta (Instituto FACES), Igor Capelatto (CEFAS),
Vera de Freitas (em parceria com o Não Palavra) e Andréa Goulart de Carvalho
(abrindo as portas de Belo Horizonte). Além de serem espaços de desenvolvimento
de alunos e profissionais da Arteterapia quanto ao uso das materialidades,
estes espaços contribuíram para minha própria prática criativa continuada –
pois se a Arteterapia começa na experiência do próprio arteterapeuta, meu convite
aos arteterapeutas às práticas criativas continuadas começa em mim.
Referências Bibliográficas:
BRASIL, CLAUDIA. Cores, formas e
expressão: Emoção de lidar e Arteterapia na Clínica Junguiana. Editora Wak, RJ.
2013.
MORAES, Eliana. Escritos em
Arteterapia – Coletivo Não Palavra. Semente Editorial, ES. 2020.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de
Criação. Ed Vozes, Petrópolis / RJ, 2014.
URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: A
transformação pessoal pelas imagens. Editora Wak, RJ. 5a edição. 2011.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
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