“Bailarina de catorze anos” – Edgar Degas
Exposta
no MASP – São Paulo
Por Claudia Maria Orfei Abe -
São Paulo/SP
Instagram: @claudia_abe_
Comecei a sessão arteterapêutica
contando que iríamos pintar e falar sobre mais algumas obras de Edgar Degas,
pintor francês impressionista. Meu pai falou para minha tia: “Depois a gente vai para a França ver o que
a gente errou”.
Assim iniciamos a sessão 59
ocorrida em 14/out/2019, meu pai então com 85 anos e minha tia materna com 92
anos. Continuamos o trabalho de estimulação cognitiva na residência deles.
A
Arteterapia, em sua riqueza de possibilidades e materiais, apresenta-se como um
rico instrumento para a estimulação cognitiva de pacientes idosos. O processo
criativo em Arteterapia propõe ao paciente a autonomia na medida em que o
indivíduo torna-se independente do terapeuta no fazer, mantendo-se ativo
enquanto cria. Ela é eficaz também no trabalho com pacientes já com declínio
cognitivo. (MORAES, 2018, p. 97)
Resolvi desta vez, trabalhar
com duas obras de Degas: “Duas Bailarinas no Palco” e “A Aula de Dança”. Em
dois momentos diferentes, abordei pai e tia sobre o que eles viam e o que eles sentiam ao ver cada obra.
Primeiramente, ao mostrar no
livro de arte a obra “Duas Bailarinas no Palco”, perguntei à minha tia o que
ela “via”, e ela fez uma descrição
literal da cena.
Meu pai assim narrou o que “sentia” ao ver a cena: “A concentração é total nas pernas e nos
braços. Eu admiro a posição dos pés, os braços alertando para um movimento que
elas farão, sem ficar sem graça”.
“A Aula de Dança” – Edgar Degas
Na obra seguinte, “A Aula de
Dança”, meu pai trouxe uma riqueza de detalhes na descrição, detalhes que ele
imaginava e não necessariamente via.
“Piso não escorregadio feito de madeira
para que as bailarinas evitem quedas ou deslize da sapatilha. A vestimenta
delas na parte superior é justa. Na parte inferior elas são rodadas, são amplas
para fazer parte do movimento. Laços de fitas são necessárias para manter tudo
no lugar. Agora, as sapatilhas são especialmente feitas com materiais
antiderrapantes e bem aconchegantes aos pés, à pele do pé. Na cabeça geralmente
tem um enfeite de flores para dar um toque harmonioso...”.
Minha tia falou o que sentia ao ver esta obra:
“Eu
estou notando que elas estão muito interessadas em aprender. Eu estou achando
que é difícil aprender a fazer essa dança. Interesse que as meninas têm de
aprender a dançar”.
Deixei o livro aberto com as obras
como inspirações, distribuí pequenas bailarinas em gesso para eles pintarem com
tinta guache.
A
tinta guache é uma tinta opaca e à base de água, de fácil manuseio, e sua
secagem é rápida. Tem uma textura semelhante à pintura a dedo, mas seu uso é
realizado com o auxílio do pincel ou outro instrumento de pintura, o que leva a
um certo “afastamento” do material. Neste caso, não temos o contato direto com
o material, como na pintura a dedo...Pode ser aplicada em diferentes
superfícies e materiais, tais como: gesso, argila, tela, isopor, vidro, tecido
etc. (CARRANO E REQUIÃO, 2013, p. 115)
Meu pai iniciou a pintura com
a cor salmão. Em seguida pegou a preta, mas desistiu de usar. Passou para o
azul, voltou para o salmão e começou a pintar o rosto da bailarina. Usou depois
o amarelo e o laranja.
Minha tia iniciou a pintura
dos cabelos da bailarina em marrom. Foi para o rosa choque e utilizou água para
diluir a tinta durante sua pintura monocromática.
Monocromia
é utilização de apenas uma cor e suas tonalidades em uma determinada
composição. (FERREIRA, 2013, p. 42)
Aproveitei para colocar
músicas clássicas de fundo.
Meu pai ao utilizar a cor
preta para os cabelos e pintar os olhos de azul, falou: “Não dá para pintar de uma vez só. Aqui na arte não tem descanso”.
Compartilhamento
Pai:
“Pausa para bailarina durante o espetáculo”
Palavra
final: Relembrando a beleza do balé
Pai:
“Eu acho que a bailarina para a gente pintar deveria ser uma pose de bailado e
não de pausa. Já pensou no futebol? O cara no vestiário todo arriado... tem que
ser num lance!”
Tia: “Descanso da Bailarina”
Palavra
final: Interessante
Tia:
“Ela já dançou, se cansou e resolveu descansar”.
Meu pai fez uma observação: “Você (tia) pôs descanso e eu pus pausa”.
Terminamos a sessão
conversando um pouco mais sobre as obras e alguns detalhes descritos no livro.
Depois de encerrados os
trabalhos, meu pai queria colar a bailarina de gesso numa folha e colocar uma
moldura em volta.
Nota 1: Por curiosidade minha, resolvi dar uma
olhada no livro Psicologia das Cores, de Kacianni Ferreira, para ler um pouco
sobre a Simbologia das cores nas roupas, em referência às cores utilizadas por
meu pai e tia, na pintura em gesso.
Roupa
amarela: transmite alegria, atrai a atenção e favorece a comunicação.
Roupa
laranja: proporciona descontração verbal e corporal, é jovial, causa leveza,
alegria e bom humor. É uma cor antidepressiva, ajuda a elevar a autoestima e
liberar emoções e expressões.
Roupa
rosa-choque: cor curadora, cria o desejo de expressar o amor físico e o amor
pelo mundo.
Nota 2: Agradeço
a amiga e arteterapeuta Silvia Quaresma por me ceder gentilmente as bailarinas
de gesso.
Nota 3: Se
quiser, leia meu texto anterior a este: Degas e as Mulheres. Publicado em 21 de
março de 2022 neste blog.
Bibliografia:
CARRANO, Eveline e REQUIÃO,
Maria Helena. Materiais de arte: sua linguagem subjetiva para o trabalho
terapêutico e pedagógico. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.
FERREIRA, Kacianni. Psicologia
das cores. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.
MORAES, Eliana. Pensando a
Arteterapia. 1.ed. Divino de São Lourenço, ES: Semente Editorial, 2018.
Os Grandes Artistas – Vida,
obra e inspiração dos maiores pintores. Degas. Volume I. Romantismo e
Impressionismo. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda., 1986.
Acesse algumas das obras de
Edgar Degas:
https://www.wikiart.org/pt/edgar-degas
Visite o MASP – Museu de Arte
de São Paulo Assis Chateaubriand
Se você quiser ler meus textos
anteriores neste blog, são eles:
Degas e as Mulheres – 21/03/22
Ah, o Tempo... – 14/02/22
As Cores em Marilyn Monroe –
13/12/21
Um Desafio – 11/10/21
O Branco no Branco – 23/08/21
Tudo Começa em Pizza –
28/06/21
Um Material Inusitado – O
Carimbo de Placenta – 10/05/21
As Vistas do Monte Fuji –
22/03/21
É Pitanga! – 07/12/20
O que é que a Baiana tem? –
26/10/20
Escrita prá lá de criativa –
27/09/20
Fazer o Máximo com o Mínimo –
01/06/20
Tempo de Corona Vírus, Tempo
de se Reinventar – 13/04/20
Minha Origem: Itália e Japão –
17/02/20
Salvador Dalí e “As Minhas
Gavetas Internas” – 11/11/19
“’O olhar que não se perdeu’:
diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19
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Sobre a autora: Claudia Maria
Orfei Abe
Atuei em instituição com o
projeto “Cuidando do Cuidador”, para familiares e acompanhantes dos atendidos.
Atuei também em instituição de longa permanência para idosos com o projeto
“Mandalas”, sua maioria com Doença de Alzheimer.
Voluntária com o projeto
online “Cuidando do Cuidador”, para cuidadores familiares de pessoas com a
Doença de Alzheimer, no grupo GAIAlzheimer, São Paulo.
Idealizadora do projeto
“Simplesmente Eu” com atendimento grupal online, para pessoas que não conhecem
a arteterapia.
Autora do texto “Salvador Dalí
e as minhas gavetas internas”, publicado no livro Escritos em Arteterapia:
Coletivo Não Palavra – organizado por Eliana Moraes, 2020, Semente Editorial.
Participante da Live “Cuidados
na Doença de Alzheimer” do Instituto Alzheimer Brasil – IAB – com o tema
“Arteterapia”, disponível no canal do IAB no Youtube, 2021.
Palestrante especialista do
tema Arteterapia na disciplina "Cuidado integral ao longo do ciclo da vida
à luz das Práticas Integrativas" – Escola de Artes, Ciências e Humanidades
da Universidade de São Paulo – EACH – USP, 2021.
Atendo em domicílio e online,
individual e grupal.
Adorei a criatividade e a forma como você organizou a sessão! Parabéns!
ResponderExcluirOlá, Cláudia! Obrigado por compartilhar esse seu texto! Fico cada vez mais impressionado com as falas e observações de seu pai! Ele tem um olhar aguçado e absolutamente fluente e natural! Quase como um colecionador ou um historiador!
ResponderExcluirLindo texto e perspicácia de sua parte no modo de conduzir a sessão!
Muito obrigado!
Forte abraço!!!
Claudinha Abe , fico impressionada com o desempenho deles. Seu pai é todo minucioso , ele vê detalhes que eu não tinha visto , sua tia é toda sentimento . Um completou o outro quanto às observações . Parabéns pelo lindo trabalho 🌷
ResponderExcluirParabéns pela sua dedicação com seus familiares.
ResponderExcluirParabéns Cláudia muito lindo
ResponderExcluirNoemia
ResponderExcluirCLAUDIA Como sempre encantada com o seu trabalho cuja proposta Terapêutica agrega conhecimento e cultura. Parabéns
ResponderExcluirClaudia, seu pai forma uma dupla muito interessante com a cunhada, ele mais intuitivo, poesia e ela quase razão pura.
ResponderExcluirTodos os seus trabalhos, são lindos,mas cada dia surge mais um e esse um superando os outros, trabalho maravilhoso com eles(pai e tia),vc me surpreende sempre.
ResponderExcluirNossa!!! Perfeito. O que mais empolga ao acompanhar este processo é ver como estes clientes tão especiais se entregam à produção. Adorei a atividade, e sua forma de escrever faz o texto "bailar" como Degas faria. E quer saber? Vamos à França....afinal precisamos saber se há algo errado. Dr Abe...tô dentro!
ResponderExcluirCláudia, parabéns por mais este belo trabalho. Estou certa de que tudo contribui, e muito , para trabalhar a memória e o raciocínio deles. E desperta sensações que são imensamente agradáveis também!
ResponderExcluirCláudia, é magnífica a forma que você nos traz esses relatos com seu pai e sua tia! De uma forma muito respeitosa, é impossível não pedir licença e entrar também para a vivência! Me sinto experimentando cada momento da vivência1 E com gosto de quero mais viu? Sem preocupações outras que não seja deixar tia e papai passear pela vivência e ao mesmo tempo deixando o perfume de cada um deles na atividade! Lindo como os dois deixam marcas no que está sendo vivido! Lindo! Cada vez que você traz um relato deles a sensação é de que já sou amigo dos dois! Me parecem que os dois têm um baú de histórias e relatos (memórias construídas)! Uau! Essas narrativas têm muitoooo a ensinar pra gente! Parabéns Cláudia! Admiro muitoooo seu trabalho! Ou melhor: Sua arte de conduzir a vida e o vivido! Segue aí; confiante! A vida é costurada nesses momentos! D+
ResponderExcluirQue lindo trabalho, Claudia!! Parabensss e parabensss ao pai e tia que interagiram muito bem com a atividade!!! Show
ResponderExcluirOlá Querida Cláudia
ResponderExcluirMaravilhoso!!!Todo o trabalho dos três!
O Pai e a Tia são fantásticos! Cada um á sua maneira, têm uma agilidade mental impressionante!
A Cláudia sempre top,com o acompanhamento ao Pai e á Tia!
Abraço muito apertado 🤗 com muitas saudades
Claudia, lindo texto!
ResponderExcluirFico admirada em ver detalhes que seu pai é capaz de observar numa bailarina, onde eu seria incapaz de notar. Sua tia já em outro ângulo consegue descrever seu lado mais ternura e sentimento. Muito interessante, o mesmo objeto visto de olhares totalmente diferentes.
Parabéns! Lindo trabalho de cultura e arteterapia. Abraços,
Cecilia Massuyama
Cláudia é muito gostoso ler o seu texto, adoro as observações do seu pai! Jamais iria comparar o descanso da bailarina com.o descanso do jogador de futebol no vestiário!!! Kkkk muito bom!!!👏👏👏
ResponderExcluirClaudia, que trabalho lindo! AMei a proposta de pintura no gesso.. Muito criativo. E as observações do seu pai são sempre um show a parte. Que impressionante a riqueza de vocabulário e observações que ele faz.. Acho sensacional! E quanto a voce, só posso parabenizá-la mais uma vez por nos presentear com textos assim. Cada vez melhor!
ResponderExcluirOlá Claudia, como gostei de saber, lendo o seu texto, das opiniões de seu Pai e sua Tia, a respeito dos 2 quadros maravilhosos de Degas. Acho mesmo interessante, perceber com reagem as pessoas com idade avançada. Tomara que eu fosse assim, com a idade deles !!!. Obrigada por partilhar connosco. Pode e deve continuar. Bj. Ivone
ExcluirClaudia querida, muito bom conhecer mais de Degas, conhecia pouco do trabalho dele amei! Você assistiu um filme onde todos os grandes mestres fazem uma disputa de suas obras? Não lembro o nome do filme, simplesmente maravilhoso, caso eu lembre ou você tenha visto me fala. beijos. Gratidão, Salete Garcez
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