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terça-feira, 15 de março de 2022

DIÁLOGOS ENTRE ARTE, TARÔ E ARTETERAPIA: A justiça e os móbiles de Alexander Calder

 

Por Mercedes Duarte - RJ 

Esse é mais um texto da sequência de reflexões acerca dos 22 arcanos maiores do tarô, associados a elementos da arte que possam nos aproximar desses arquétipos. Nesse artigo, trago o Arcano VIII, a Justiça, em diálogo com algumas das obras do artista plástico Alexander Calder.

 

Aqui não há a pretensão de esgotar as dimensões do arquétipo, o que seria inalcançável, tampouco explanar a diversidade das obras do artista. O escopo é trazer um recorte que privilegie as afinidades entre ambos.

 

O intuito desse diálogo, portanto, entre arte e tarô, como mencionado e aprofundado em outro texto1, é o de proporcionar reflexões e possibilidades arteterapêuticas - experimentadas na Jornada Arteterapêutica Arte e Tarô2 - que permeiam esses elementos em diálogo, buscando, assim, contribuir para a ampliação do repertório arteterapêutico.

 A Justiça – Arcano VIII 

Estou assentada na cátedra que está entre as vontades individuais dos seres e a Vontade universal do Ser. Sou a Guardiã do Equilíbrio entre o individual e o universal. Tenho o poder de restabelecê-lo todas as vezes que ele for violado. Sua a Ordem, a Saúde, a Harmonia, a Justiça. (Anônimo, 1989, p. 184).





Tarô de Marselha

                                                                
Tarô de Aleister Crowley

Esse é o arcano que inaugura o Reino Mundano do segundo setenário.3 Ele representa não apenas os processos judiciais humanos, mas também o senso de equilíbrio psíquico, emocional, físico, relacional, assim como as leis naturais, físicas e universais.

 

Na imagem da carta, vemos a Justiça encarnada em uma mulher que segura, em uma das mãos, uma espada, e na outra, uma balança. Eixo das leis que se destinam ao equilíbrio, a Justiça, com sua balança, avalia os elementos em desarmonia e, com sua espada, elimina o que for necessário para realinhar os elementos, restaurando asim o equilíbrio.

 

Essa carta, portanto, nos fala de diferentes leis, como as de causa e efeito, que, entre outras coisas, implicaria a relação entre os movimentos individuais e coletivos e as leis universais. Assim, toda dor, doenças, conflitos, desastres naturais, seriam efeitos de uma causa, e processos de eliminação de um desequilíbrio anterior. Esses fenômenos, desse modo, acabariam por representar o processo de realinhamento efetivado pela espada.

 

Toda espada encontrada no tarô, associada ao elemento ar, representa a frieza da racionalidade, o campo mental que discrimina, organiza, seleciona, separa ou elimina. Assim, a incumbência da Justiça é organizar ou eliminar em prol do equilíbrio terreno e universal, possibilitando um realinhamento fluido, não estático, do estado de coisas. Afinal, o movimento é inerente às leis naturais.

 

O equilíbrio, que enseja um movimento harmônico, entre os diferentes elementos que compõem a realidade das coisas, muitas vezes, não contempla uma simetria. Trazendo como exemplo as leis humanas, é possível fazer alusão às cotas raciais e sociais. Esse recurso consiste em leis que privilegiam determinados setores da sociedade, para assim buscarem minimizar as desigualdades e opressões históricas, sociais, etc., que recaem sobre esses mesmos setores. Desse modo, a assimetria, como veremos abaixo, muitas vezes é necessária para produzir certo equilíbrio entre elementos, isto é, configurações, situações e contextos distintos.

Os Móbiles de Alexander Calder

Alexander Calder (1898-1976), norte-americano, artista formado em engenharia mecânica, é considerado um precursor da Arte Cinética. Ainda que inspirado nas imagens pintadas ou coladas de Joan Miró, Hans Arp e Piet Mondrian, o artista, diferentemente, produzia uma arte nova, móvel, que se descolava das molduras e da fixidez das esculturas tradicionais.

 

Calder concebeu esculturas móveis, abstratas, que foram nomeadas pelo artista Marcel Duchamp como móbiles. Essa arte de Calder consiste em estruturas pendentes, constituídas por placas metálicas e fios de arame, que podem ser movidos com a força do             vento.

 


 Calder com um de seus móbiles



Mariposa Coleção Particular 

As obras do artista, em geral, possuem grandes dimensões, e todas precisam de um equilíbrio entre os elementos que as compõem para que o movimento seja efetivo e harmônico. A ausência de simetria, em sua obra, não é condição de desequilíbrio, ao contrário, ela permite que diferentes pesos e tamanhos das placas metálicas sejam equilibrados e movimentados em um sistema maior de que fazem parte. Basta encontrar o melhor desenho para a sustentação das multiplicidades de coisas, de modo que elas possam fluir e se equilibrar em torno de um eixo. Assim, como a balança e espada da Justiça, Calder, nessas obras, refletia a harmonia de um sistema que seu amigo brasileiro, jornalista e crítico de arte, Mário Pedrosa, nomeou por movimento cósmico:


O problema fundamental dos móbiles, essa busca das relações espaciais dos objetos, equivale quase à procura metafísica da realidade não contingencial das coisas. A essencialidade das formas desencarnadas de qualquer convenção, ou função eterna. Para mover-se nesse mundo das formas puras mais facilmente, recorre a sugestões e motivos não orgânicos. Assim, evita qualquer sugestão naturalista ou realista e mais facilmente achará o material com que construir aquele próprio mundo, em que só o movimento cósmico, o movimento em abstrato, é senhor absoluto (PEDROSA, 2000, p. 61 apud FORMIGA, p. 620).

Proposta Terapêutica 

A proposta arteterapêutica, levada ao grupo da Jornada Arteterapêutica Arte e Tarô, lançou mão da concepção artística móbile como sugestão para a produção do trabalho plástico, realizado com arame, papéis e/ou EVA coloridos. A consigna trouxe a reflexão acerca dos ajustes, nas vidas das participantes, necessários para fluir e movimentar-se com equilíbrio.

As participantes trouxeram, para suas obras, diferentes elementos a serem ajustados e ressaltados em suas buscas por equilíbrio. Trago aqui duas das obras produzidas na oficina:

 


 Eventos da vida



Plantando luz para colher sol


DUARTE, Mercedes. Diálogos entre Arte e Tarô: uma introdução. Blog Não-Palavra. 31 de maio, 2021. http://nao- palavra.blogspot.com/2021/05/

2 A Jornada Arteterapêutica Arte e Tarô consiste em oficinas, remotas, inspiradas nos arcanos maiores do tarô em diálogo com determinados elementos da arte.

3 De acordo com diferentes tradições, a escala de evolução é setenária. Assim, na organização do tarô que Sallie Nichols (1997) se apropria,  uma divisão constituída por três fileiras de sete cartas. A primeira se refere ao Reino dos Deuses, a segunda ao Reino Mundano e a terceira ao Reino da Auto-realização. Para mais, ver: DUARTE, 2021.

Bibliografia 

DUARTE, Mercedes. Diálogos entre Arte e Tarô: uma introdução. Blog Não-Palavra. 31 de maio, 2021. Disponível em http://nao-palavra.blogspot.com/2021/05/ 

FORMIGA, Tarcila S. (2019). Projetos afetivos e estéticos: os vínculos entre o crítico de arte Mário Pedrosa e o artista Alexander Calder. Sociol. Antropol. Rio de Janeiro, v.09.02: 615–636, mai.–ago. Disponível em https://www.scielo.br/j/sant/a/PSBczTKhHQ4Nf7L3D3KbsgF/?format=pdf&lang=pt Acesso em 08/03/2022. 

Meditações sobre os 22 arcanos maiores do Tarô (1989). Escrito por um autor que quis manter-se no anonimato; prefácio de Robert Spaemann; apresentação de Hans Urs von Balthasar; (tradução Benôni Lemos) - São Paulo: Paulus, 1989 - (Coleção Amor e psique).

 

NICHOLS, Sallie (1997). Jung e o Tarô: Uma Jornada Arquetípica. Trad. Laurens Van Der Post. Editora Cultrix: São Paulo.


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Sobre a autora: Mercedes Duarte



Arteterapeuta, Mestre em Ciências Sociais, pesquisadora autônoma de arte, terapia e oráculos


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