Por Mercedes Duarte - RJ
Esse é mais um texto da sequência
de reflexões acerca
dos 22 arcanos maiores
do tarô, associados a
elementos da arte que possam nos aproximar desses arquétipos. Nesse artigo, trago o Arcano VIII, a Justiça,
em diálogo com algumas das obras do artista plástico Alexander Calder.
Aqui não há a pretensão de esgotar as dimensões do
arquétipo, o que seria inalcançável, tampouco
explanar a diversidade das obras do artista. O escopo é trazer um recorte que privilegie as afinidades
entre ambos.
O intuito desse diálogo, portanto,
entre arte e tarô, como já mencionado e aprofundado em outro texto1, é o de proporcionar reflexões
e possibilidades arteterapêuticas - experimentadas na Jornada Arteterapêutica Arte e Tarô2 - que permeiam
esses elementos em diálogo, buscando, assim, contribuir para a ampliação
do repertório arteterapêutico.
Estou assentada na cátedra que está entre as vontades individuais dos seres e a Vontade universal do Ser. Sou a Guardiã do Equilíbrio entre o individual e o universal. Tenho o poder de restabelecê-lo todas as vezes que ele for violado. Sua a Ordem, a Saúde, a Harmonia, a Justiça. (Anônimo, 1989, p. 184).
Esse é o arcano que inaugura o Reino Mundano do segundo
setenário.3 Ele representa não apenas os processos judiciais
humanos, mas também o senso de equilíbrio psíquico, emocional, físico,
relacional, assim como as leis naturais, físicas e universais.
Na imagem da carta, vemos a Justiça encarnada em uma
mulher que segura, em uma das mãos,
uma espada, e na outra, uma balança. Eixo das leis que se destinam ao equilíbrio, a Justiça, com sua balança,
avalia os elementos em desarmonia e, com sua
espada, elimina o que for necessário para realinhar os elementos,
restaurando asim o equilíbrio.
Essa carta, portanto, nos fala de diferentes leis, como
as de causa e efeito, que, entre
outras coisas, implicaria a relação entre os movimentos individuais e coletivos
e as leis universais. Assim, toda
dor, doenças, conflitos, desastres naturais, seriam efeitos de uma causa, e processos de eliminação de um
desequilíbrio anterior. Esses fenômenos, desse
modo, acabariam por representar o processo de realinhamento efetivado pela espada.
Toda espada encontrada no tarô, associada ao elemento
ar, representa a frieza da racionalidade,
o campo mental que discrimina, organiza, seleciona, separa ou elimina. Assim, a incumbência da Justiça é
organizar ou eliminar em prol do equilíbrio terreno e universal, possibilitando um realinhamento fluido, não estático,
do estado de coisas. Afinal, o movimento é inerente às leis
naturais.
O equilíbrio, que enseja um movimento harmônico, entre os diferentes elementos que compõem a realidade das coisas, muitas vezes, não contempla uma simetria. Trazendo como exemplo as leis humanas, é possível fazer alusão às cotas raciais e sociais. Esse recurso consiste em leis que privilegiam determinados setores da sociedade, para assim buscarem minimizar as desigualdades e opressões históricas, sociais, etc., que recaem sobre esses mesmos setores. Desse modo, a assimetria, como veremos abaixo, muitas vezes é necessária para produzir certo equilíbrio entre elementos, isto é, configurações, situações e contextos distintos.
Os Móbiles de Alexander Calder
Alexander Calder (1898-1976), norte-americano, artista
formado em engenharia mecânica,
é considerado um precursor da Arte Cinética.
Ainda que inspirado
nas imagens pintadas ou coladas de Joan Miró, Hans
Arp e Piet Mondrian, o artista, diferentemente, produzia uma arte nova, móvel,
que se descolava das molduras
e da fixidez das esculturas tradicionais.
Calder concebeu esculturas móveis, abstratas, que foram
nomeadas pelo artista Marcel Duchamp
como móbiles. Essa arte de Calder
consiste em estruturas pendentes, constituídas por placas metálicas
e fios de arame, que podem ser movidos com a força
do vento.
As obras do artista, em geral, possuem grandes
dimensões, e todas precisam de um
equilíbrio entre os elementos que as compõem para que o movimento seja efetivo
e harmônico. A ausência de simetria,
em sua obra, não é condição de desequilíbrio, ao contrário, ela permite
que diferentes pesos e tamanhos
das placas metálicas
sejam equilibrados e
movimentados em um sistema maior de que fazem parte. Basta encontrar o melhor desenho para a sustentação das
multiplicidades de coisas, de modo que elas possam
fluir e se equilibrar em torno de um eixo. Assim, como a balança e espada da Justiça,
Calder, nessas obras,
refletia a harmonia
de um sistema que seu amigo brasileiro, jornalista e crítico de arte, Mário Pedrosa, nomeou
por movimento cósmico:
O problema fundamental dos móbiles, essa busca das relações espaciais dos objetos, equivale quase à procura metafísica da realidade não contingencial das coisas. A essencialidade das formas desencarnadas de qualquer convenção, ou função eterna. Para mover-se nesse mundo das formas puras mais facilmente, recorre a sugestões e motivos não orgânicos. Assim, evita qualquer sugestão naturalista ou realista e mais facilmente achará o material com que construir aquele próprio mundo, em que só o movimento cósmico, o movimento em abstrato, é senhor absoluto (PEDROSA, 2000, p. 61 apud FORMIGA, p. 620).
Proposta Terapêutica
A proposta arteterapêutica, levada ao grupo da Jornada
Arteterapêutica Arte e Tarô, lançou
mão da concepção artística móbile como
sugestão para a produção do trabalho
plástico, realizado com arame, papéis e/ou EVA coloridos. A consigna trouxe a reflexão acerca dos ajustes,
nas vidas das participantes, necessários para fluir e movimentar-se com equilíbrio.
As participantes trouxeram, para suas obras, diferentes elementos
a serem ajustados e ressaltados em suas buscas por equilíbrio. Trago aqui duas das obras produzidas na oficina:
Plantando luz para colher sol
1 DUARTE, Mercedes. Diálogos entre Arte e Tarô: uma introdução. Blog Não-Palavra. 31 de maio, 2021. http://nao- palavra.blogspot.com/2021/05/
2 A Jornada Arteterapêutica Arte e Tarô consiste em oficinas, remotas, inspiradas nos arcanos maiores do tarô em diálogo com determinados elementos da arte.
3 De acordo com diferentes tradições, a escala de evolução é setenária. Assim, na organização do tarô que Sallie Nichols (1997) se apropria, há uma divisão constituída por três fileiras de sete cartas. A primeira se refere ao Reino dos Deuses, a segunda ao Reino Mundano e a terceira ao Reino da Auto-realização. Para mais, ver: DUARTE, 2021.
Bibliografia
DUARTE, Mercedes. Diálogos entre Arte e Tarô: uma introdução. Blog Não-Palavra. 31 de maio, 2021. Disponível em http://nao-palavra.blogspot.com/2021/05/
FORMIGA, Tarcila S. (2019). Projetos afetivos e estéticos: os vínculos entre o crítico de arte Mário Pedrosa e o artista Alexander Calder. Sociol. Antropol. Rio de Janeiro, v.09.02: 615–636, mai.–ago. Disponível em https://www.scielo.br/j/sant/a/PSBczTKhHQ4Nf7L3D3KbsgF/?format=pdf&lang=pt Acesso em 08/03/2022.
Meditações sobre os 22 arcanos maiores do Tarô (1989). Escrito por um autor que quis manter-se no anonimato; prefácio de Robert Spaemann; apresentação de Hans Urs von Balthasar; (tradução Benôni Lemos) - São Paulo: Paulus, 1989 - (Coleção Amor e psique).
NICHOLS, Sallie (1997). Jung e o Tarô: Uma Jornada Arquetípica. Trad. Laurens Van Der Post.
Editora Cultrix: São Paulo.
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