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segunda-feira, 22 de novembro de 2021

ARTETERAPIA E PSICOLOGIA: MAPEANDO OS SENTIMENTOS NA AGORAFOBIA

 

por Clarice Almeida / SP

Psicóloga e Arteterapeuta.

@ claricebdealmeida@gmail.com 

Através deste artigo trago a intenção de corroborar com os aspectos fundantes da Arteterapia (entendida aqui como ambiente facilitador de comunicação entre as esferas conscientes e inconscientes de nosso ser) em um diálogo com a Psicologia, objetivando ilustrar através de um relato de caso, os desdobramentos observados quando da experiência arteterapêutica em um processo Psicoterápico de uma mulher de 30 anos, com diagnóstico psiquiátrico de Agorafobia. Situando sobre a Arteterapia neste contexto, Almeida (2016)
nos relembra que
 

A Arteterapia comunga a intenção de abraçar a arte como recurso ou instrumento facilitador do desabrochar inconsciente, da expressão criativa do humano, mas é ela quem envolve o todo complexo do processo criativo: arte – símbolo inconsciente – expressão simbólica –

emoção oculta revelada – consciência – integração consciente/inconsciente – transformação. (2016, p.24). 

O sintoma fóbico perpassa a compreensão de que uma profunda angústia avassala aquela determinada pessoa, cujo medo se transforma em pânico e domina toda a corporeidade com intensos calafrios, suores e/ou acelerados batimentos cardíacos, acompanhados de uma forte sensação de aprisionamento, de não haver saída para a circunstância, configurando um quadro geral de profundo mal-estar físico e psíquico.

 Com F.[1] estas sensações passaram a acontecer com alguma frequência seguidas de queixas iniciais de ansiedade. O formato de sessões online configurou os encontros por muito tempo, uma vez que vivíamos o surto pandêmico de covid-19 e permaneceu assim até o início deste ano. Contudo, a proposta de retomar presencialmente foi fazendo sentido para F. e, hibridamente, ora presencial, ora online, os encontros eram permeados de depoimentos de muita angústia e sintomas fóbicos geralmente despertados quando ela precisava trabalhar presencialmente. Às vezes, mesmo para visitar sua família e vir às sessões a hesitação era grande e seu Psiquiatra sugeria o entendimento de ser um comportamento erupcionado na pandemia, uma vez que ela ficava um grande período de tempo sozinha, sem sair de casa, namorava virtualmente e seu apartamento passou a ser seu escritório de trabalho.

Porém, se tornara muito viva para mim, a hipótese de que alguma situação traumática muito anterior à pandemia pudesse ter acontecido à F. e, como já se sabe, em toda manifestação psicossomática, estaria inconsciente.

Certo dia, ela veio presencialmente à sessão. Transpirava, parecia sem fôlego, seus olhos arregalados transmitiam uma aparência de pessoa muito assustada. Ela estava vivendo naquele momento do deslocamento de sua moradia até o meu consultório, o pânico que me descrevera em outras situações. Acalmei-a e propus uma adaptação da expressão arteterapêutica desenvolvida por Moraes[2] (2021) e indicada em uma de suas palestras, chamada “Mapeando os Sentimentos”, a ser sugerida em algumas demandas, como por exemplo, ansiedade elevada.

Sugeri que F. fizesse em pé esta expressão, que entrasse em contato com as sensações de seu corpo naquele momento, imaginasse o lápis em sua mão como sendo a extensão de seu braço e através dele expressasse na cartolina com uma linha contínua, o “movimento” das sensações, emoções e sentimentos; posteriormente ao traçado do lápis, colorisse com canetas hidrocor, os distintos sentimentos suscitados, como se fosse “mapear” os sentimentos pulsantes em seu peito.

        Imagem 1 - Atividade Expressiva “Mapeando Sentimentos”.

 

Fonte: acervo da autora.

 A partir da séria e atenta observação desta imagem, F. compartilha comigo todo “o percurso” da crise. Mostra-me, acompanhando o traçado do desenho com a mão, esclarecendo sobre suas emoções e sentimentos, descrevendo que o mal estar a faz sentir-se começando a descer em queda, depois sente-se sufocada, sem saída como se tudo ficasse escuro (cor preta e roxa dentro dos círculos), dando voltas demoradas e quando sai inicia-se um movimento vagaroso de vai e vem (cor rosa) de tristeza.

Em seguida descrevo a ela os traçados, reapresentando-lhe as configurações das linhas desenhadas e lhe pergunto se a parte do meio lhe sugeria algo. Ela diz que não. Reformulo a descrição chamando sua atenção para a forma esférica contendo algo dentro, algo no interior... ela nomeia o sentimento de aprisionamento; Então, lhe pergunto se possuía alguma informação sobre seu nascimento, parto ou gestação e ela afirma não saber, mas lhe ocorre neste instante a lembrança de um acidente em que foi empurrada de surpresa para dentro de uma piscina quando tinha 12 anos e que não reagiu, não nadou para voltar à superfície, pressupondo ter permanecido assim por um tempo razoável, até ser retirada por seu pai. Descreve a experiência de sufocamento, a paralisia e a falta de reação instintiva de sobrevivência e o subsequente comportamento pós acidente de ficar mais quieta e de se manter como se nada tivesse acontecido.

Este compartilhar possibilitou a analogia de sua reação aos 12 anos como sendo muito parecida com os sintomas da agorafobia desenhados na cartolina. Observando novamente o desenho, afirma a si mesma que precisa fazer algo antes de “cair” para baixo, não deixar isso acontecer e desenha no ar um movimento de uma linha reta anterior à linha inclinada. Sai mais aliviada da sessão e consegue dirigir e chegar bem em casa.

No encontro seguinte F. me conta que, ao compartilhar com sua mãe sobre a sessão e a lembrança do acidente, esta também se recorda de um episódio no pós-parto em que F. é trazida por uma enfermeira e, ao olhar para a filha, nota que ela estava “roxinha” e sufocada. Esta informação desvelou novos caminhos em seu processo psicoterapêutico; em outro momento, solicito uma expressão gráfica livre que simbolizasse seus recentes sentimentos compartilhados comigo. 

                                     Imagem 2 – Expressão livre simbólica - autopercepção

 


                                                            Fonte – acervo da autora. 

Neste novo desenho percebe-se claramente a ressignificação de sua autoimagem, de seus recursos internos (flecha preta ascendente) despertados para lidar com o entendimento dos episódios de crise (escadas que vão diminuindo de tamanho – e não mais linha em declive), dos sentimentos (linhas amarelas descendentes) e de alternativas/estratégias (sob o domínio da consciência) para “voltar à superfície” (linha azul horizontal ondulada e bolas pequenas azuis representando as bolhas de ar dentro d’água).

   Aponto que os desdobramentos da atividade expressiva “mapeando os sentimentos”, além de ter colaborado para o acesso inconsciente das memórias de experiências traumáticas, ainda prosseguiu contribuindo em sessões posteriores nas quais F. pôde descrever seu alívio e discernimento sobre o autocuidado e a importância de acolher sua singularidade, do respeito à sua biografia, à sua corporeidade, à sua sensibilidade, culminando também em abertura para o acesso à sua religiosidade e para a manifestação de questionamentos sobre a legítima identificação com sua profissão.  

Gostaria de concluir este relato com a citação abaixo, pois me parece sintetizar as dolorosas expressões existenciais de F. e de nos remeter à simbologia da expressão gráfica de seu primeiro desenho quando se referiu à queda, além de nos incentivar à continuidade dos estudos em Arteterapia, seus efeitos curativos e suas interações com outros saberes.

           Safra (2004) nos diz:

uma das tarefas fundamentais do ser humano é alcançar o registro simbólico de suas experiências, pois o registro simbólico dá ao homem a possibilidade de colocar sob o domínio de seu gesto os aspectos paradoxais de seu ser. Sem esta possibilidade o homem vive duas agonias insuportáveis: a claustrofobia da finitude [...] e a agorafobia, que o lança para o abismo do sem fim. [...] o que estou chamando de registro simbólico não é o simples representar, mas colocar as questões fundamentais da existência em devir, por meio da ação criativa. (2004, p.63).

 

[1] “F.”: Neste artigo, será a letra referendada ao nome da pessoa atendida, com a autorização prévia da mesma, apresentada aqui apenas com a inicial de um dos seus sobrenomes, como forma de preservação à sua identidade e em conformidade com os critérios de ética profissional.

[2] Eliana Moraes, Arteterapeuta e Psicóloga. Fundadora e coordenadora do “Não Palavra Arteterapia”. Autora da série de livros “Pensando a Arteterapia”. 

 

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, C.B. Arteterapia com pais: O despertar do autoconhecimento e da comunicação amorosa conjugal e familiar. Trabalho de Conclusão do Curso de Especialista em Arteterapia – Universidade Paulista – UNIP, 2016.


SAFRA, G. A po-ética na clínica contemporânea. Aparecida/SP: Ideias & Letras, 2004.

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Sobre a autora: Clarice Almeida



Psicóloga e Arteterapeuta. 

Como Psicóloga, aprofundou seus estudos no entendimento das questões humanas e seus processos inconscientes embasada na teoria de Winnicott, Safra e autores afins. 

Acompanha e atende mães e pais em Orientação Psicológica e Vivências Arteterapêuticas, com vislumbre dos ensinamentos da comunicação não violenta e da comunicação amorosa nas dinâmicas familiares, tendo se especializado em Arteterapia Junguiana. 

Realiza workshops Arteterapêuticos sobre diversos temas dos ciclos existenciais. 

Idealizou e Acompanhou grupos Arteterapêuticos: “Poesia”, “A Arte na alma do Ser”, “Adolescentes”, “O que busco está em mim? ”, entre outros. 

Atende em processo de Arteterapia Casais, Adultos e Adolescentes.

 

 




2 comentários:

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  2. Clarice, querida! Experiência maravilhosa conduzida com tanta competência e arte por você! Parabéns, acompanho seu caminhar já há algum tempo, não é mesmo?! Fico orgulhosa por ver tanto profissionalismo sempre ao seu lado. Avanteee beijosss Lídia

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