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segunda-feira, 23 de agosto de 2021

O BRANCO NO BRANCO

 

Algodão branco

 

Por Claudia Maria Orfei Abe - São Paulo/SP

Instagram: @claudia_abe_ 

Que tal trabalhar com algodão branco sobre sulfite branco? O branco no branco. A inspiração veio da técnica que vivenciei com a psicóloga e arteterapeuta Camila Patah, no Grupo de Estudos Vivências Arteterapêuticas Online, coordenado pela arteterapeuta e arte reabilitadora Tania Freire. Esse é um grupo de estudos que se reúne semanalmente há mais de um ano, e que se iniciou logo após a pandemia da Covid-19 se instalar no Brasil. Arteterapeutas formadas por diferentes escolas e abordagens (Gestalt, Psicologia Analítica etc.). É muito bom trabalhar com um grupo de pessoas com olhares e saberes diferentes, pois sempre agregamos conteúdos e as trocas são muito interessantes. 

E assim, fiz a minha proposta para a cliente K, que estava em atendimento comigo, online. Na verdade, a proposta inicial para a sessão havia sido outra, mas como a cliente não tinha em casa o material solicitado, precisei imediatamente colocar o meu cérebro para funcionar e propor uma nova atividade para sua sessão arteterapêutica.

Enviei para ela uma foto pelo celular, para mostrar que iríamos trabalhar com algodão branco. Poderia ser daqueles de rolo, ou bolinha, contanto que desse para desfiar (foto no início do texto). 

Quando iniciamos a sessão arteterapêutica, perguntei se ela estava com o algodão em mãos. Prontamente ela me mostrou um quadradinho branco prensado. Logo perguntei: o que é isso? E ela me respondeu:

- Algodão! Eu uso isso para limpar meu filho na troca das fraldas.

- Juraaaaa?????? Eu nunca vi isso. Não é aquele algodão prensado para retirar maquiagem, é? Eu sou do tempo do rolo de algodão, que vem com uma longa folha roxa enrolando-o e que é uma delícia puxar em chumaços.

 Bem, após a surpresa inicial, expliquei para K como ela iria trabalhar. A proposta era trabalharmos os sonhos. Ir além dos sonhos que surgem enquanto dormimos.

 Fui conduzindo o início da proposta, pedindo para que K, de olhos fechados, fosse sentindo o algodão em sua pele. Só depois deveria abrir seus olhos para manipular o algodão.

 K iniciou desfiando dois quadradinhos de algodão. Amassou, jogou o algodão para o alto, sentiu-o nas mãos, esfregou-o nos braços com seus olhos fechados. E continuou desfiando mais e mais quadradinhos de algodão. Fez uma bola com todo algodão, jogou-a para o alto. Observou.

 Depois pedi para que fosse colocando o algodão sobre o papel branco. “Quando vem os sonhos, o que vem para você?” – perguntei para K. “O que está surgindo como imagens para você? Demore-se. Assim que achar formas e concluir que está pronto, aí sim, pode finalizar com a colagem”.

 

Durante o exercício da colagem, o potencial criativo é estimulado, o que leva a busca de soluções e recursos ao mesmo tempo interiores e exteriores, desenvolvendo princípios ordenadores tanto do fazer como do pensar que possibilitam uma avaliação não só do trabalho mas também de si mesmo que acabam gerando um equilíbrio interno e externo. (CARRANO e REQUIÃO, 2013, pág. 52)

 

A experiência com a colagem é na maioria das vezes um momento de tranquilidade, pois foi antecedido por um período de escolha das imagens e, por vezes, de objetos que irão compor o tema proposto. (CARRANO e REQUIÃO, 2013, pág. 53)

 

Assim que terminou sua colagem, orientei K a observar seu trabalho em diferentes posições, até mesmo de cabeça para baixo. Observar as formas que surgiram, os detalhes. Observar os pensamentos, memórias e sensações que foram surgindo. O que a imagem final lhe provocou. Propus uma escrita criativa logo em seguida.

 Ao compartilhar, K me trouxe lembranças de quando cortava papéis com as mãos, e as sensações que apareciam ao fazê-lo. Questionou-se sobre seus sonhos, se tinha e quais eram, e no mesmo instante começou a narrar vários de seus desejos, em relação a ela mesma e aos seus familiares. Concluiu que precisava de foco. Sua palavra final para esta sessão foi “Leve”.

 Pedi para K levantar seu trabalho para que eu pudesse ver a imagem. Para mim, surgiu uma imagem que parecia uma cena de Benjamin Franklin empinando sua pipa durante uma tempestade, em posição invertida (pelo menos foi isso o que eu imaginei).


Logo, percebemos que os materiais tomam uma dimensão, adquirem importância para o cliente e também para o terapeuta. A criação por meio do uso dos materiais torna-se o centro do processo, e, em muitas situações, o cliente volta-se para sua obra de forma intensa, como uma mãe volta-se para o filho que nasce. O terapeuta fica em uma posição lateral, preservado e menos solicitado afetivamente.  (BRASIL, 2013, pág. 56)

“Empinando nuvens do céu e da terra”

 

Preciso confessar que adorei seu trabalho!

 

Bibliografia:

BRASIL, Claudia. Cores, formas e expressão; emoção de lidar e arteterapia na clínica junguiana. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.

CARRANO, Eveline e REQUIÃO, Maria Helena – Materiais de arte: sua linguagem subjetiva para o trabalho terapêutico e pedagógico. – Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.

 

Se você quiser ler meus textos anteriores neste blog, são eles:

Tudo Começa em Pizza – 28/06/21

Um Material Inusitado – O Carimbo de Placenta – 10/05/21

As Vistas do Monte Fuji – 22/03/21

É Pitanga! – 07/12/20

O que é que a Baiana tem? – 26/10/20

Escrita prá lá de criativa – 27/09/20

Fazer o Máximo com o Mínimo – 01/06/20

Tempo de Corona Vírus, Tempo de se Reinventar – 13/04/20

Minha Origem: Itália e Japão – 17/02/20

Salvador Dali e “As Minhas Gavetas Internas” – 11/11/19

“’O olhar que não se perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19

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Sobre a autora: Claudia Maria Orfei Abe


Arteterapeuta – atuei em instituição com o projeto “Cuidando do Cuidador”, para familiares e acompanhantes dos atendidos. Atuei também em instituição de longa permanência para idosos com o projeto “Mandalas”, sua maioria com Doença de Alzheimer.

Voluntária com o projeto online “Cuidando do Cuidador”, para cuidadores familiares de pessoas com a Doença de Alzheimer, no grupo GAIAlzheimer, São Paulo.

Idealizadora do projeto “Simplesmente Eu” em atendimento grupal online, para pessoas que não conhecem a arteterapia.

Autora do texto “Salvador Dalí e as minhas gavetas internas”, publicado no livro Escritos em Arteterapia: Coletivo Não Palavra – organizado por Eliana Moraes, 2020, Semente Editorial.

Atendo em domicílio e online.

19 comentários:

  1. Achei interessante o branco no branco. A pipa me vem como algo que escapou do turbilhão.

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  2. Claudia, querida, quanta leveza e surpresa mesmo! Branco no branco não imaginaria tal coisa! Achei a proposta muito criativa e como os pacientes nos surpreendem com materiais inusitados ! Como digo sempre: voce é uma fonte de alegria e proposta inusitadas. Parabéns, amiga! Tania Moreira - @caminhartes.arteterapia

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  3. Achei superinteressante o trabalho "branco no branco".
    Também, me lembrou uma pipa entre as nuvens como a experiência de Benjamin Franklin.
    Muito bonito o trabalho! Parabéns por sua ideia e pela criatividade da sua cliente. Adorei!

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  4. Oiiiiii
    Também amei o resultado!!!!

    Obs.: O quê vc está esperando para publicar coletânea desses relatos riquíssimos?

    Beijos,
    Érica

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  5. Adorei o resultado, a pipa traz o lúdico e a liberdade... sensacional.

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  6. Cláudia eu amodorei, nossa muito gostoso de se ver essa brancura total, muito suave . Parabéns 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻🎉🎉

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  7. Cláudia....perfeito!!! Como sempre, os desafios que nos colocam frente a frente com o plano B enriquecem. Parabéns por esta vivência tão leve e que possamos sempre nos atrever a "empinar nuvens".

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  8. Muito interessante o resultado , parece que ao longo da arte ela se realizou , deixando fluir as emoções , parabéns 🍀

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  9. Branco no branco, linda definição de um trabalho criativo e maravilhoso.Vc tem que publicar esses trabalhos, vai ajudar muita gente a ajudar mais e mais gente e a verdade amiga é que a cada dia que passa mais e mais gente precisam dessa ajuda.Parabens


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    1. Branco no branco, linda definição de um trabalho criativo e maravilhoso.Vc tem que publicar esses trabalhos, vai ajudar muita gente a ajudar mais e mais gente e a verdade amiga é que a cada dia que passa mais e mais gente precisam dessa ajuda . Parabéns

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  10. Claudia, texto e resultado dos trabalhos maravilhosos.
    Ainda bem que resisti à curiosidade e não desci a tela antes de ler tudo.
    Fui ficando curiosa até que cheguei ao final. Surpreendente.
    Celia Milhorança

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  11. Claudia, um desafio tecer comentário sobre a arte.
    Com o material tb faria algo como nuvem. Achei criativo a pipa que dá ideia de voar, transcender. Me ocorreu o pensamento: não sei se a Terra subiu ou o céu desceu!
    Parabéns pela criatividade!
    Também me fez lembrar de uma sobremesa que minha mãe fazia chamada Ovos Nevados vc conhece? Branco no branco!
    M. Teresa de Paula

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  12. Claudinha Abe, nos textos que vc escreve, parece que estamos presenciando o momento, parabéns, bjs Márcia Calori

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  13. Me lembrei quando fiz a única viagem de avião com a minha mãe.
    Ela estava louca pra ver os algodões do Céu, ficou estarrecida.
    Parabéns Claudinha pelo amor as pessoas com mais idade
    Abraço

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  14. Que lindo o trabalho e que satisfação deve ter sido perceber leveza ao refletir sobre os sonhos..

    Parabéns Claudia pelo lindo trabalho
    Andréa (Fuxicaria Dedéa)

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  15. Parabéns e maravilhoso esse seu trabalho....🙏

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  16. Claudia, achei interessante trabalhar Branco no branco. Logo veio à mente nuvens brancas de diversos formatos. Parabéns pelo trabalho! Lindo, leve e solto !
    Cecilia Massuyama

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  17. Como sempre surpreendendo com as propostas e com o processo da autora desse lindo trabalho. Jogo de cintura sempre. Planos B, C....a vida nos desafiando. Sua escrita propõe TB um viagem interna ao leitor. Grata por compartilhar. Estou esperando um livro seu..... Bjs

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