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segunda-feira, 19 de abril de 2021

CUSTOMIZANDO EMOÇÕES: INTERFACE ENTRE ARTESANATO E ARTETERAPIA

 


Por Silvia Quaresma

othila.arteterapia@gmail.com

Como trabalho de conclusão de curso apresentado como exigência parcial para obtenção de título de especialista em Arteterapia, apresentei artigo intitulado “Customizando emoções: Interface entre Artesanato e Arteterapia.

 É exatamente esta contraposição de olhares, o do artesão fazendo Arteterapia e do arteterapeuta utilizando técnicas artesanais, que busco mostrar neste relato, e a motivação deste texto.

Houve um tempo em que o artesanato nada mais era do que a extensão de um aprendizado artístico e totalmente direcionado ao sexo feminino. A sociedade preocupava-se em formar lindas damas ocupadas única e exclusivamente com o toque harmonioso do piano, cuja função era o entretenimento dos familiares e amigos próximos eleitos pela figura masculina. A habilidade era imposta e pouco se dava atenção às aptidões individuais. A dona de casa perfeita, aquela que estaria pronta para casar-se, deveria saber tocar, coser, costurar, bordar – tudo com perfeição.

Com o passar do tempo, as atividades manuais saíram das residências e ficaram nas mãos daqueles que precisavam produzir para seu uso:  escravos ou de imigrantes que não tinham recursos suficientes para aquisição de utensílios prontos. O ofício do artesanato, longe de ser uma forma de expressão artística, era simplesmente a transmissão e o aprendizado de técnicas – podendo ser observado em desde a cesta de um apanhador de frutos até na rede de um pescador.

No Brasil, nas décadas de 1970 e 1980, podiam ser vistos pelas calçadas, em feiras improvisadas, os hippies que produziam e vendiam artigos artesanais.

A moda fashion mudou a visão que se tinha sobre o produto artesanal, quando levou às passarelas artigos únicos, feitos à mão. Segundo Córdula (2013), “o artesanato é simplesmente a obra material do artesão, fruto do seu trabalho e é realizado através das mãos na confecção de objetos destinados ao conforto do homem, carregados de expressões da cultura”.

Como isso, o artesão finalmente passou a ter seu destaque e importância, apesar de ainda singela. Em contrapartida, não demorou para que os artistas plásticos se manifestassem para prontamente exigir uma distinção entre artesanato e arte, pois apesar de fazerem uso, de forma distinta, do processo criativo, não tardaram expressões que denominavam seus trabalhos como “lindos artesanatos”.

Como um acordo de cavalheiros, artesanato e arte ocupavam cada qual um extremo:  o artesanato de um lado, comprometia-se em ensinar diversas técnicas e habilitava, a quem quer que fosse, a possibilidade de reproduzir. A arte era a expressão do sentimento puro e simples e, como tal, seria dificilmente ensinado ou transmitido. A obra de arte resultante era para admiração e deleite.  Muito embora divididos por conceitos e convicções, artesão e artista passaram a viver ilusoriamente separados, mas intrinsecamente unidos:

O artesão é aquele que sabe fazer, o artista aquele que cria, inventa, concebe. Um depende do outro no momento em que a criação necessita de realização física, a presença de uma obra de arte de pintura, por exemplo, somente é possível se o artista utilizar o artesanato da pintura para dar à luz seus sentimentos. Em todo o artista que trabalha com as mãos existe um artesão. (CÓRDULA, 2013, p.11) 

É comum à atividade artesanal, a paciência, a harmonia, a busca pelo belo, a paz. Fazer artesanato é entregar-se à tranquilidade e ao aprendizado. Aquilo que é aprendido cede lugar à repetição – e esta garante ao artesão ser expert em sua técnica. A distinção entre arte e artesanato fica evidenciada 

O artista distingue-se do artesão que continua a produzir objetos de uso e preso às formas tradicionais. Uma das características do artesanato, em contraposição à arte então nascente, é que esta se caracteriza pela busca de novas formas e estilos, enquanto que o artesanato é conservador e repetitivo. Nele, a experiência e passada de pai para filho e não como conhecimento estético, forma estilística, mas como a forma do objeto, ou seja: um copo se faz assim, uma bandeja se faz assim, um cálice se faz assim (GULLAR, 1994, p.8).

 

Em meio a necessidade constante de aprendizado e, consequentemente, a transmissão deste, surge a figura do arte-educador.  Através da arte buscou-se conhecer e entender o desenvolvimento humano. A arte efetivamente começou a contribuir para o aprendizado universal.  Segundo Arheim (1988), “o artista usa as categorias de forma e cor para apreender algo universalmente significativo no particular” (p.13).

Na medida em que a arte procurava representar o todo, também expressava singularidades, passando a ser meio eficaz para o conhecimento do indivíduo. O que a princípio era um estudo do universo, da evolução humana, da sociedade, da presença e atuação neste contexto, passou a ser um processo de individuação. O fazer artístico passou a ser instrumento de reflexão sobre as possibilidades e/ou impossibilidades de se criar. Este processo criativo que se realiza de forma diferenciada, tornou-se ímpar.

Toda produção é cultura, mas toda a cultura não é, necessariamente, arte. Segundo Moraes (2018, p.23): “Artistas são seres sensíveis às questões mais profundamente humanas, pois eles veem, sentem e expressam o mal-estar que muitos sentem, mas não sabem nomear”.

Aparentemente, estando num rio de informações e supondo que este irá se encontrar com um mar de contradições, a correnteza nos leva à certeza de que artistas plásticos, artesãos e arte-educadores observam com entusiasmo, amor e respeito o ato de criar.  O ato criativo surge, heroico, como a real expressão da arte: 

A arte, com sua característica capacidade de expressar concomitantemente uma multiplicidade de níveis de significado, mostra-se capaz de expressar a complexidade humana, em seus conteúdos conscientes, inconscientes e quase conscientes, revelando-se um recurso poderoso e eficaz (CIORNAI, 1994, p. 29). 

Para o artista plástico, expressão pura e simples de sua arte. Para o artesão, o nascer de um trabalho metódico e único. Para o arte-educador, meio eficaz de transmissão de cultura. Para o arteterapeuta, a exteriorização de sentimentos.

A Arteterapia não consiste em fazer a arte pela arte, mas sim, no uso do processo criativo de cada indivíduo (que se dá de forma impar e diferenciada) como meio para atingir os objetivos desejados por clientes – e organizados pelo arteterapeuta. Na opinião de Moraes (2018, p.24): “Em Arteterapia as atuações têm um lugar especial, pois acreditamos que o ato criativo é uma atuação do paciente. Ao criar, o paciente fala de si em ato, de inúmeras formas”.

Outro detalhe que deve ser salientado quando pensamos no público que busca a Arteterapia foi abordado por Moraes:

É comum que a clínica da Arteterapia seja procurada por pessoas que já tem a prática nas artes: trabalhos manuais, artesanato, artes visuais. Por um lado, o conhecimento de algumas técnicas é interessante pois o paciente sente-se à vontade no manuseio dos materiais. Tais pessoas, porém, são muito comprometidas com a estética, com o belo, até porque essas produções necessitam de aprovação do público, além da preocupação com “o que é vendável” (MORAES, 2018, p.36).

 

O conhecimento de algumas técnicas é facilitador em primeiro aspecto, limitador em outro. O comprometimento desmedido com a estética pode sim bloquear alguns conteúdos e trazer prejuízo para o processo de exteriorização dos sentimentos.  Por outro lado, entrega de um trabalho belo, que obedeça a padrões pré-estabelecidos e que demonstre técnicas apreendidas é característica do artesanato. Aliás, o fazer artesanal também é muito particular.  O artesanato pode ser feito em qualquer lugar, assistindo TV, conversando.

A Arteterapia tem outros objetivos e, portanto, pede introspecção, dedicação, exclusividade, atenção. O resultado não é mais aquele previamente esperado, e sim, único e exclusivo.

O artesanato é uma atividade pacífica, a arte não necessita ser.  A Arteterapia pode ser a expressão de um estado caótico, de uma mistura de sentimentos. O ato de criar obedece, então, às singularidades correspondentes ao artesanato e a Arteterapia.

Singular também é o olhar diferenciado aos recursos materiais de trabalho do artesão e arteterapeuta – como buscam conclusões diferentes, lidam todo o processo criativo de maneira ímpar.  O artesão obedecendo sempre às técnicas, à estética, à produção de peça perfeita e única, digna de admiração e elogios, capaz de despertar o interesse para aquisição, vê no material sua riqueza de possibilidades. O arteterapeuta, por sua vez, interessado na sensibilização do material, tem outra visão, enxerga o fazer criativo como uma alavanca para estimular a expressão de conteúdos internos, como nos mostram Maciel e Carneiro (2012):

O ato de criar leva-nos à exploração dos diversos materiais de trabalho que funcionam como estímulos sensoriais que, por sua vez, nos remetem a lembranças afetivas. Essas memórias nos fazem entrar em contato com a nossa história, experiências e sentimentos íntimos, despertando a função criadora e favorecendo o aparecimento de imagens (elaborações mentais que guiam a construção representativa) carregadas de energia psíquica e significados subjetivos (p.55). 

 

Artesão e arteterapeuta buscam conclusões diferentes, lidam com o processo criativo de forma ímpar. O artesão, obedecendo à técnica, à estética, à produção da peça perfeita e única, capaz de despertar interesse para aquisição, vê no material uma riqueza de possibilidades. O Arteterapeuta, interessado na sensibilização do material tem outra visão, vê a produção artística como uma alavanca para estimular a expressão de conteúdos internos.

No próximo texto abordarei produções que mostrarão resultados compatíveis com o olhar de cada um.

Bibliografia

ARHEIM, R.  Arte & Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora. Editora Nova Versão.10ª ed. 1988.   

CIORNAI, S. Arte Terapia Gestáltica: um caminho para a expansão da Consciência. Revista de Gestalt, v. 1, n. 3, p.5-31, 1994. 

CÓRDULA, R. Afinal, que é Artesanato? Revista Segunda Pessoa, v.3, n.1, 2013. Disponível em: www.segundapessoa.com.br/edicoes/1/pdf. Acesso em 09 out 2018. 

GULLAR, F. O artesanato e a crise da arte. Revista de Cultura Vozes, v 8, n.4, p.7-12, 1994. 

MACIEL, C.; CARNEIRO, C. (Org.). Diálogos Criativos entre a Arteterapia e a Psicologia Junguiana. Rio de Janeiro: Wak. 2012.

 MORAES, E. Pensando a Arteterapia. Rio de Janeiro: Semente Editorial, 2018.

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Sobre a autora: Silvia A.S.Quaresma


Arteterapeuta

Graduada em Letras

Pós-Graduada em Finanças

Pós-Graduada em Arteterapia e Criatividade

Professora especialista de artesanato

Idealizadora do Projeto Customizando Emoções –Interface entre Artesanato e Arteterapia

Idealizadora de Othila Arteterapia em Ação

Coordenadora de Grupos de Arteterapia em Instituição para cuidadores e voluntários

Atendimento individuais e em grupos em Arteterapia


4 comentários:

  1. Parabéns!
    Adorei a matéria bem como as explicações que foram bem objetivas.
    Sucesso!!!

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  2. Silvinha
    Muito bom saber mais sobre as maravilhas da Arte.
    Privilégio estarmos ao seu lado!!!!

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  3. Silvinha, seu trabalho é sensacional, é edificante.
    Te admiro como pessoa e como profissional, parabéns.
    Beijos Amanda Góes

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  4. Silvia,
    excelente texto! Tinha dado uma olhada rápida neste texto outro dia...daí li agora há pouco a segunda parte e voltei para ler aqui novamente.
    Parabéns!!!
    bjs, Claudia Abe

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