Por Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com
E assim chegamos a cinco meses
deste fenômeno chamado pandemia. De março a agosto, quantas surpresas,
mudanças, reinvenções, quanta resiliência! Quantos ciclos se fecharam e quantos
outros abriram-se. Quantas transformações, no mundo, na vida e... na Arteterapia.
Algo tão inimaginável
aconteceu quando a Arteterapia corajosamente decidiu adentrar aos territórios
virtuais quando a ordem era o isolamento social. Afinal, não nos cabe
resistência à palavra “tecnologia” uma vez que, por definição, ela está
intimamente ligada ao nosso mote como arteterapeutas: a criatividade. Com
origem no grego "tekhne", que que significa "técnica,
arte, ofício" juntamente com o sufixo "logia" que
significa "estudo", esta palavra se refere a toda invenção humana de
um recurso ou instrumento, que colaborou para seu progresso e evolução ao longo
da história. Nisto incluímos a roda, o fogo, a escrita e, mais especificamente
a partir do século XX, as tecnologias da informação, como por exemplo a
internet.
No cenário em que vivemos, a
internet como tecnologia é o produto da criatividade humana e é a partir dela
que encontramos recursos para lidar com tamanhos desafios que enfrentamos e
aqueles que estão por vir. E a Arteterapia se fez participante deste fenômeno.
Neste período, adentramos um tempo de desenvolvimento de novas práticas arteterapêuticas
quando admitimos a modalidade online.
Considero esta uma prática de
suma importância se fizermos uma escuta do social em tempos de pandemia e seus
desdobramentos na saúde mental. Tenho estimulado e instrumentalizado
arteterapeutas para que assumam este campo de atuação com consciência e
responsabilidade. Acredito que todos estamos aprendendo uma nova forma de atuar
e penso que a construção desta nova modalidade se faz através da troca entre
nossa rede.
Hoje iniciamos no blog uma
série de textos de arteterapeutas que têm atuado em práticas grupais no formato
online dentro do contexto da pandemia. Nosso objetivo é compartilhar nossas
impressões, aprendizados, pontos positivos ou pontos de atenção, para que
possamos instrumentalizar e encorajar outros arteterapeutas para que se lacem ao
campo de atuação, com a consciência do desafio que temos a frente.
Iniciando esta série, hoje
trago alguns pontos que têm permeado minhas reflexões ao sustentar encontros
online de modalidade teórico-vivencial, uma vez que meu público alvo, nesta
fase de minha jornada profissional, está direcionado à arteterapeutas e
estudantes com o objetivo de colaborar para o aprimoramento de suas atuações.
Vale ressaltar que justamente o
primeiro ponto que tenho pensado ser de extrema importância é que o
arteterapeuta tenha clareza de qual é a sua proposta e por consequência seu
público alvo. O território online é característico por ser tão sem contorno,
sem fronteiras e desta forma, podemos nos perder dentro das diversas
modalidades teórico e/ou vivenciais, assim como a mistura do público profissional/estudante
e o leigo.
Tenho sugerido que os
arteterapeutas percebam a diferença de uma proposta téorico-vivencial, em que
haverá uma parcela do encontro oferecendo um embasamento teórico e referência de
autores, direcionado para um público que se propõe a aprimorar-se em sua
prática e naturalmente experimentará uma vivência inspirada nestes conceitos. Em
outro contexto, quando a proposta é efetivamente vivencial, os estímulos devem
ser estritamente disparadores de profundas experiências nos participantes e este
campo é aberto para todo o público que se faça interessado em vivenciar a
Arteterapia. (Cabe ressaltar aqui, minha impressão de que nesta última
modalidade seja interessante um número reduzido de participantes para que se
possa haver um bom acolhimento, compartilhamento e fechamento dos conteúdos
acessados, sendo o terapeuta responsável por aquilo que estimula à vivência)
Temos percebido que em tempos
de isolamento social e aumento da exploração de ofertas no campo virtual, está
ocorrendo a proliferação da curiosidade das pessoas de forma geral, aos mais
variados assuntos disponíveis na internet. Assim, naturalmente, as propostas
arteterapêuticas estão acessíveis a todo e qualquer público que acesse as
divulgações dos eventos. Penso que uma triagem atenta dos interessados que nos
acessam, faz parte da preparação do arteterapeuta para sua proposta, cabendo
aqui algum recurso como ficha de inscrição ou até mesmo uma entrevista, para
separarmos o que são possíveis alunos e possíveis pacientes.
Em minha percepção, a
participação de possíveis pacientes em propostas téorico-vivenciais pode
ser um caminho não indicando pois corremos o risco de acessarmos questões
vivenciais que não poderemos dar contorno em um contexto de aprendizado. Por
outro lado, terapeutas e estudantes, podem participar de propostas vivenciais,
desde que estejam conscientes de que aquele espaço se destina a retirarem suas
personas profissionais, para efetivamente beberem da fonte daquilo que oferecem
em seu trabalho, inclusive sendo uma prática altamente saudável para sua
regeneração periódica.
Outro ponto interessante à
nossa reflexão é que o território online pode ser bastante frio ou impessoal,
sendo um desafio que deve estar no radar do arteterapeuta, o investimento na
formação do vínculo grupal com uma atenção diferenciada. Tenho percebido em
minha prática que a firmeza do arteterapeuta para a sustentação do têmenos é a
espinha dorsal do processo, atualizando com ainda mais propriedade o que nos
diz Angela Philippini:
A
presença do arteterapeuta como facilitador é de fundamental importância, pois,
de sua firmeza para sustentar o território criativo e simbólico para o grupo e
o ritmo regular das atividades, depende uma parte significativa do processo.
Esta responsabilidade com a tarefa terapêutica é fundamental, conforme nos
assegura Almeida (2009), quando lembra que: “em vários momentos é necessário que
o terapeuta sustente com sua energia o processo, por exemplo, promovendo o
acolhimento empático, não fazendo grandes exigências, favorecendo uma visão
mais ampla.” (PHILIPPINI, 2011, 31-32)
A prática nos surpreendeu de
forma muito positiva: é possível gerar e sustentar um setting arteterapêutico em
campos virtuais, mas é essencial que o arteterapeuta sustente com sua própria
energia e faça circular o afeto catalizador que gerará as mobilizações
psíquicas de cada experienciador da Arteterapia. Em específico, nas vivências
grupais, tenho dedicado um tempo de sensibilização para que os participantes
visualizem e se apropriem de uma grande roda formada com todos os presentes de
mãos dadas, e assim fazemos com que a energia do vínculo grupal seja gerada.
Neste contexto, um grande
recurso para minha prática se faz na trilha sonora compartilhada. A música tem
um acesso direto à alma (como nos diz Kandinsky). Sendo assim, tenho utilizado
de forma bastante consciente a música de sensibilização para colaborar que os
participantes mudem o registro de suas experiências, não racionais mas
vivenciais. E quando a música é compartilhada com todo o grupo de forma única,
ela colabora para a homogeneização daqueles que chegam, cada um em uma
frequência e possivelmente dispersados com os não contornos da internet.
Aliás a música tem sido uma
grande aliada em minhas práticas artetereapêuticas online. Mas deixo para
explorá-la melhor em outros espaços da rede Não Palavra. Na próxima semana
voltamos com um texto de outra autora que seguirá compartilhando suas
experiências sobre grupos arteterapêuticos online.
Sigamos nossa construção
compartilhada!
Referência Bibliográfica:
PHILIPPINI, Angela. Grupos em
Arteterapia, WAK, 2011.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Realmente o confinamento permitiu essa possibilidade de um retorno às coisas mais essenciais dentro de nós.Imagino poder tonar-se um território fértil para a arteterapia.Obrigada Eliana.
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