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segunda-feira, 13 de julho de 2020

TERCEIRO ENCONTRO COM LA FONTAINE

                                                           
                                                             Marc Chagall

Por Beatriz Coelho
biacoelho017@gmail.com

Na época de La Fontaine, a Academia de Letras passou a se reunir no próprio Palácio de Versailles, conferindo assim maior prestígio ao poder de Luís XIV. Ali, alimentavam-se várias querelas, entre elas a da impropriedade dos temas arrebatados pelas fantasias da imaginação. Por exemplo: animais não falam.

La Fontaine, em diversas estórias, faz irônicas alusões a estas posturas rígidas, dogmáticas, formais e ridículas. Na dedicatória da primeira coletânea das Fábulas dirigida ao Príncipe Luís, o Delfim, então com sete anos de idade, lança algumas luzes sobre o propósito destas narrativas. Vejamos:

                              Ao Delfim

São filhos de Esopo os heróis que eu canto.
São mentirosas suas estórias - mas eu canto.
As mentiras contêm verdades no meu canto.
Tudo fala na minha obra: até os peixes.
E o que dizem vale para qualquer humano:
Utilizo os animais para ensinar aos homens.
Pequeno Príncipe, amado sob estes céus,
Os olhos do mundo se voltam para ti;
Muitas cabeças se inclinarão sob teu olhar,
Fruto das conquistas que hás de acumular.
Outro poderá contar com voz mais forte
Os feitos de teus ancestrais, do Sul, ao Norte;
Eu te distrairei apenas com aventuras,
Esboçando, em versos, leves pinturas;
E se não fores por eles cativado
Terei ao menos a honra de haver tentado.

Outra questão que os versos suscitam é a questão do ensinamento contido na fábula. Ora, La Fontaine é um espírito livre. À medida em que avança na produção, vai tomando distância  desta missão educativa da narrativa. Sempre e cada vez mais é o ato de criar que transporta La Fontaine. Inspira-se dos clássicos, mas sem a eles se escravizar. André Gide dirá, no século XX, que a rigidez que o classicismo impôs aos artistas permitiu, por outro lado, a constituição de um patrimônio artístico homogêneo e sólido. É sempre válido observar um problema de perspectivas diversas.

Jean-Claude Carrière, escritor e roteirista dos filmes de Buñuel, privilegia a arte de contar. Ao longo da vida, colecionou estórias pitorescas do mundo inteiro ao estilo das fábulas e as publicou. Diz ele no Prefácio do Cercle des Menteurs  (Círculo dos Mentirosos):  Como  vermes fecundando a terra - pelo menos é  o que se espera -, atravessando-a às cegas, as estórias passam de boca em boca e dizem há muito tempo, o que ninguém mais pode dizer. Algumas giram e se enroscam num povo. Outras, como que feitas de matéria sutil, furam muralhas invisíveis que nos separam uns dos outros, ignorando tempo e espaço e simplesmente se perpetuam. Assim como a entrada bem conhecida do palhaço no picadeiro procurando um objeto perdido no círculo luminoso, não porque ele tenha ali se perdido, mas porque lá  existe luz(...). Assim acontecem com as fábulas que nos veem de um tempo remoto.

Imaginemo-nos sentados em círculo ouvindo mais uma fábula de La Fontaine: mentirosa?



A Rã deseja ser do tamanho do Boi
       (Livro I, fábula 3)

Uma rã avistou um Boi:
Eis o porte ideal! Pensou;
Ela que maior do que um ovo nunca foi.
Invejosa, se esticou, inchou, se pesou...
Para chegar às proporções do animal.
Perguntou: _Olha Arcimbal,
Estou bem? Diga-me; não é suficiente? _
Ainda não, fala o colega. Ela insiste: _E agora?_
Desiste, diz Arcimbal. A rãzinha carente
Inchou tanto que estourou na mesma hora.

O mundo gira com pouca sabedoria:
O burguês sonha com palácios medievais;
O príncipe escamado com bailes triunfais;
O visconde com espigas de filosofia.


Para ler os textos anteriores CLIQUE AQUI e CLIQUE AQUI

Bibliografia: 
Idem para as matérias anteriores e ainda: Jean-Claude CARRIÈRE, Le Cercle des Menteurs, p. 7, Pocket, Plon Ed., 2009, Paris

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Sobre a autora: Beatriz Coelho



Sou mesmo é multifacetada.
Em Paris, fiz mestrado em Sociologia.
Lá, me casei e tive a primeira cria.
De volta ao Brasil, a Vida fez arrelia.
    Abandonei a Sociologia.
Consacrei-me aos amores da minha família.
Mas as letrinhas faziam uma falta danada.
Estava meio despetalada.
Escrevi Cadernos do Silêncio com vírgulas
E de La Fontaine traduzi as Fábulas. 

2 comentários:

  1. Trabalho Admirável! Beatriz. Grato pela lembrança de enviá -lo. Um Abraço afetuoso do seu Maestro Leonardo Bruno, extensivo a meu Irmão de caminhada , Fernando.

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  2. Muito bom, prima. Fico muito feliz com este seu resgate. Não conhecia este conto. Quantos de nós teimamos em nos arvorar de pato a ganso, de rã a boi, tentando ser o que não somos? Esse moço sabia das coisas!

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