Páginas

segunda-feira, 17 de junho de 2019

ARTETERAPIA, DESCOBRINDO A ARTISTA VISUAL

Por Selma Lessa – RJ
slessa.rj@terra.com.br

Estou me lançando a um lugar que nunca estive, o de “escritora”. Enfim, perder o medo de fazer algo novo. Vou começar contando parte da minha trajetória na graduação na Universidade de Artes Visuais, meus medos, inseguranças, processos, desafios e como o processo em Arteterapia facilitou a autodescoberta da criação para o meu trabalho final de conclusão do curso: a Arteterapia descobriu a artista.
Eu já era arteterapeuta na época em que fiz a graduação de Artes Visuais, queria conhecer mais a arte, seus materiais, história da arte, esse universo que eu já amava. Passados mais da metade do curso já estava na hora de pensar na monografia, na exposição individual e na poética. Entrei em choque, só eu sabia o quanto era penoso fazer esse curso, pois achava eu que não tinha o “dom”, “a luz” necessária para ser artista. E agora? A universidade não tinha material, espaço, uma estrutura básica para facilitar o trabalho do futuro artista.
Com a ajuda de um amigo artista plástico, arteterapeuta e que tinha um ateliê, começamos um trabalho arteterapêutico para descobrir a artista e meu projeto individual, objetivo que deveria ser alcançado para o final do curso. Ele me ofereceu vários materiais e com medo, fui testando, criando, mesmo assim, achava que nada fazia sentido. Estes foram alguns dos primeiros e nas conversas depois dos trabalhos, fomos descobrindo formas orgânicas.


De acordo com Fayga Ostrower, criar é basicamente, formar. É dar uma forma a fenômenos que foram relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. (OSTROWER,1987 p.11)
As sessões de Arteterapia sempre foram um bálsamo para mim, fluindo, e aos poucos deixava surgir o que fosse pra vir e na Universidade aprendendo e experienciando a argila, fotografia, criação de fantoches, mídias digitais, pinturas e tantos outros que auxiliaram na descoberta do projeto individual e na poética pessoal.
Cerâmica

Aos poucos com os resultados dos trabalhos teórico-prático e a utilização das criações simbólicas que ali se constelava foi surgindo a poética do “vazio como processo criador”, como um lugar de possibilidades, ali estavam representados níveis profundos e inconscientes da psique.
C.G.Jung,  com sua Psicologia Analítica, referenciou e fundamentou teoricamente esse trabalho. Essas criações simbólicas, ao serem trabalhadas de forma concreta por meio do fazer artístico, propiciam estabelecer conexões e proporcionam a experiência de insights que posteriormente geram transformação e expansão da estrutura psíquica.
O Universo dominante em Arteterapia é o da sensorialidade e da materialidade: texturas, cores, formas, volumes, linhas, por isso, integrar-se e movimentar-se nesse universo requer atenção e preparo.
“A intuição caracteriza todos os processos criativos. Ao ordenar, intuímos. As opções, as comparações, as avaliações, as decisões, nós as intuímos. Intuímos as visões de coerência...” (OSTROWER, 1987 p. 68) 
Buscando na Arteterapia um lugar de possibilidades, me deparei com Picasso na frase: Antes eu desenhava como Rafael, mas precisei de toda uma existência para aprender a desenhar como criança”.
O vazio citado era a dificuldade que eu sentia em “não saber pintar”, “não saber desenhar”, diante da necessidade acadêmica em desenvolver um projeto artístico individual.
Segundo Jung,
“Com sua propensão para criar, o homem transforma inconscientemente objetos ou formas em símbolos [conferindo-lhes assim enorme importância psicológica] que lhes dá expressão, tanto na religião quanto nas artes visuais”. (JUNG, 1977, p. 232) 
O vazio na minha vida e no meu trabalho


No meu trabalho estas questões foram claramente observadas através do círculo que passei a denominá-lo de “vazio”. Esse vazio fazia parte em algum momento da minha vida e através da significação do símbolo ali plasmado foi possível perceber que esses fatos ainda estavam presentes no inconsciente e torná-lo consciente foi possível retrabalhá-lo e dar um novo significado a essa representação do vazio agora fértil.
O círculo surgiu no processo, como uma forma recorrente, presente nos vórtices, espirais, e formas afuniladas da pintura.
O círculo (ou esfera), como símbolo do self, expressa a totalidade da psique em todos os seus aspectos, incluindo o relacionamento entre o homem e a natureza.[...] ele indica sempre o mais importante aspecto da vida – sua extrema e integral totalização (JUNG, 1977).
Desse modo, por meio da Arteterapia, venci minhas dificuldades perante o “vazio”, transformando o desafio em arte, e continuando os desafios.
Ainda tem muito para contar, quem sabe numa próxima.
Obrigada.


Referências
- ANDRADE, Liomar Quinto. Terapias Expressivas. Rio de Janeiro: Editora Vetor, 2000.
- Castro, Selma Maria Lima Lessa de. Vazio: Lugar de criação, 2011 – João Pessoa -PB
- JUNG, C.G. (Carl Gustav). O homem e seus símbolos/ Carl G.Jung e M. L. Von Franz... [et AL.]; tradução de Maria Lúcia Pinho. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
- OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação – Petrópolis Vozes 1987.
________________________________________________________________________
Sobre a autora: Selma Maria Lima Lessa de Castro

Psicóloga/ Arteterapeuta/Artista visual/ Instrutora de Yoga Integral
Pós-Graduada em Arteterapia
Pós-Graduanda em Psicologia Analítica
Colaboradora e professora do Ateliê de Artes e Terapias Eveline Carrano.

5 comentários:

  1. Lindo seu processo criativo, Selma!! Obrigada por compartilhar sua experiência.

    ResponderExcluir
  2. Muito orgulhosa da pessoa e da profissional que você é, sinto-me imensamente honrada em ter você como amiga. Desejo muito mais descobertas e grande sucesso em todas as áreas de sua vida. Obrigada por compartilhar um pouco de sua trajetória.

    ResponderExcluir
  3. Esse seu processo de resignificação da psiquê e toda a sua trajetória contada passo a passo, nos leva a crer, piamente, que você está fazendo a coisa certa! Sem sombra de dúvidas minha querida amiga Selma. Indiscutivelmente você se desnudou de tudo! Abrindo, assim, a sua mente para o suposto "desconhecido".
    Gratidão amada! ��

    ResponderExcluir