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segunda-feira, 19 de novembro de 2018

GESTALT E ARTE: AWARENESS



Por Valéria Diniz - RJ
valdiniz.td@gmail.com
Instagram @valeriadiniz50

Awareness é uma palavra de origem inglesa, proveniente de “aware” (estado de ser consciente), significando “consciência”.
Um conceito central em Gestalt-Terapia é o conceito de awareness, que se caracteriza pela consciência de si e a consciência perceptiva; é a tomada de consciência global no momento presente, a atenção ao conjunto da percepção pessoal, corporal e emocional, interior e ambiental (Ginger, 1995).
 A Gestalt-terapia acredita em mudanças naturais e espontâneas por meio do contato e da awareness que abrange aceitação, escolha e responsabilidade. Essas atitudes levam a pessoa ao crescimento. (Yontef ,1998)


Escolhi iniciar esse texto com as referências acima para explicar o conceito de awareness. Esse pilar central da Gestalt Terapia não pode ser definido apenas como ter consciência, no sentido estritamente racional. É um processo “contínuo” que envolve emoção, sensação, percepção de si e do meio. 
Para simplificar o entendimento, gosto de dizer que é um “dar-se conta com a sua totalidade: sensação, percepção, emoção, raciocínio, corpo.”
“Eu sei que estou aqui escrevendo um texto”-  Isso é Consciência
“Eu estou aqui escrevendo um texto,com um leve desconforto nos olhos e na coluna. Uma dificuldade em traduzir em palavras o significado de awareness. Percebendo que tudo flui mais leve quando escrevo referenciada em meus sentimentos e que posso me livrar desse desconforto se voltar ao meu estilo de escrita original. O que passo a fazer em seguida.” – Isso é Awareness.
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Um fragmento da História de Mary:
Ela entra no consultório e relata : “Tá tudo do mesmo jeito, não consigo fazer nada do que eu quero, nada do que desejo fazer. Sei que quero sair, ter vida social, passear com amigos,ir ao cinema... Mas não consigo fazer. Não faço porque tenho medo dos julgamentos ,do que vão pensar”.  Esse é um relato consciente de seus desejos e de seus impedimentos. Apenas um relato.
Como terapeuta, minha tarefa é convidar a ir mais além. Buscar os elementos que facilitam a awareness. Minha proposta é que ela faça contato com o que sente e reproduza em forma de cores.
Marrom para angústia e vermelho para raiva.
“Vejo que está tudo misturado”.  ( Vê nas cores e dentro de si)
“Esse marrom da angústia... angústia é quando não expresso minha raiva. Fica tudo preso aqui dentro de mim. Eu engulo e fica apertado no peito.”  (Percebe seu corpo e nomeia as emoções.)
Um choro contido. Escolho não interferir. Aguardo porque sei o poder que as cores têm quando se está em contato com elas.
Essa raiva... essa raiva... Me lembro de uma vez quando eu era bem pequena e minha mãe achou que era melhor eu repetir o ano... nem sei se isso tem a ver.. mas me lembrei agora”. (Traz uma gestalt inacabada, uma situação que precisa ser fechada)
Mais choro genuíno e potente.
“Eu fiquei com muita raiva porque ela não tinha esse direito... todos os meus amiguinhos ficaram rindo de mim... só eu ia ficar para trás... era muito pequena para dizer algo, eu engoli. E fiquei com muita vergonha dos outros... acho que tenho essa vergonha ainda hoje”.
Agora sim temos uma awareness. Uma compreensão mais inteira de si mesma. E uma possibilidade de atualização. Consciente dos processos e sentimentos que emergiram através da AÇÃO de pintar, escolher as cores, selecionar pincéis, material bloqueado por anos surge com potência numa tela e podem finalmente ser compreendidos e ressignificados. 

Fragmento da história de Lucy:

“Tô bem ansiosa... tudo me deixa nervosa... difícil esse mundo... cansada de gente... e ainda dizem que eu é que sou difícil!” 
- Como é sua ansiedade?
- Ansiedade é ansiedade ué... você é a doutora aqui...
- Não sei como é a sua ansiedade Lucy, mas posso sentir a sua agressividade.
Silêncio...
Convido a fechar os olhos e imaginar quais as cores da sua ansiedade e agressividade. Gosto de trabalhar com cores pela facilidade imaginativa, pela fluidez no contato com emoções e mais ainda, pela potência que carregam em si mesmas.
O amarelo é escolhido. Apenas uma cor.
“Queria que as crianças fossem mais organizadas... chego do trabalho e ainda tenho que arrumar tudo sozinha... sabe que esse amarelo me dá um nervoso só de olhar?!... Sei lá... esse amarelo parece eu... Acho que devo ser assim né?” 
O contato com a cor trouxe uma nova percepção a respeito de si mesma. A projeção de sua ansiedade sobre terceiros é assumida como sua responsabilidade.
“Sou esse amarelo que deixa todo mundo nervoso... deixa meus filhos e meu marido nervosos... não quero ser assim... tadinha das crianças.”
Com sua nova percepção pode ampliar sua awareness a respeito de seu modo de funcionar. E poderá aprender formas mais saudáveis de existir.
Ahhh... e a cor da agressividade? Trabalhamos em sessão posterior.
Ela escolheu um azul. Azul para agressividade? Surpresa minha também. Mas, como eu sei a potência das cores ela explica:
“...é porque fico aborrecida com você... igual eu faço com as crianças... eu achava que ia chegar aqui e você ia me entender... me dar razão... e depois daquela pintura amarela o ‘eu amarelo’, eu entendi que o problema é esse: querer ser a dona da razão...(risos) então a minha agressividade hoje é azul porque estou em paz.”
Ela adquiriu uma nova forma de compreensão e ainda está experimentando novos jeitos de funcionar com mais leveza, menos cobrança e mais paz.


Para finalizar os exemplos, escolhi uma criança de 9 anos.
Fragmento da História de Lily:
Minha proposta é deixar que ela escolha os materiais livremente. É uma forma de estimular sua criatividade e aceitar suas escolhas, algo pertinente a sua história pessoal. Uma criança que, como tantas outras, fica presa em jogos virtuais e está com sobrepeso.
Carimbos figurativos foram escolhidos. E posteriormente propus que ela mesma confeccionasse seus próprios carimbos esculpindo em isopor.¹
- Como sou burra... eu não prestei atenção que ia ficar ao contrário!” (Exigência e julgamento consigo mesma)
- Eu também não. (Algumas atividades fazemos juntas).
- Mas não dava para saber... você não tinha feito antes!”. (Compreensão e aceitação comigo)
- E você também não.
- Acho que vivo fazendo isso... tô sempre  desculpando meu irmãozinho porque ele é o caçula e eu a mais velha... E minha mãe briga e sempre fala: Lily, ele é pequeno... você já é grande.... eu ainda sou pequena... só tenho 9 anos...”
- E também pode errar.
- A gente pode errar sempre... até quando tá grande... até você errou... e minha mãe também erra... ninguém faz tudo sempre certo...

A visualização de um “erro” numa atividade potencializou seus conflitos internos. Uma awareness surge e sua exigência “introjetada” pode ser percebida e reconfigurada. De um  modo saudável e simples inerente ao processo de desenvolvimento infantil. 
Hora de finalizar. Foi difícil escolher quais exemplos usar no texto. Então fiquei com aqueles que livremente surgiram. 
As técnicas expressivas são potentes “facilitadoras” do processo de awareness. Técnicas e materiais, por si só ajudam no difícil  e envolvente caminho de conhecer a si próprio. E escolhi fazer esse caminho com uma clínica mais leve e criativa, como pode ser na vida, para mim e meus clientes.


Agradecimentos as pessoas que carinhosamente me convidaram a fazer parte de suas histórias e que se permitiram como exemplos para esse texto, sem os quais a construção seria teórica e rasa.


¹ Técnica que aprendi na Oficina de Monotipia: Gravando emoções com Liane Esteves (arteterapeuta no Rio de Janeiro)
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Sobre a autora: Valéria Diniz



Psicóloga 

Gestalt terapeuta

Mestra em Saúde Mental
Atendimento individual e casal .
Oficinas de Técnicas Expressivas em Gestalt 

3 comentários:

  1. Amei o texto Valéria. Bem esclarecedor. Vai me ajudar bastante junto aos meus clientes.

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  2. Ótimo texto Valéria, muito esclarecedor dos processos da Gestalt!
    Gratidão pelos seus relatos!
    MUito bom saber que está usando os processos da gravura em seus atendimentos!
    Obrigada pelo carinho da nota de referência!
    Vivemos de trocas e compartilhamentos, assim construiremos um mundo melhor!

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