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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

“O USO DA ESCULTURA NO TRATAMENTO DAS PSICOSES”: Uma Resenha


Por Laila Alves de Souza - Curitiba/ Rio de Janeiro 
lai_ajt@hotmail.com

Heinrich Karl Fierz elucidou em seu livro “Psiquiatria Junguiana” questões sobre a clínica psiquiátrica dentro de uma perspectiva da psicologia analítica de C.G. Jung. Inclusive, teve seu treinamento analítico e psicológico com o próprio. Fierz iluminou questões como o manejo e o olhar (assim como a escuta) dentro desse campo da psiquiatria. Em sua vasta experiência como médico e diretor de instituições psiquiátricas, ele dirigia sua metodologia para um campo mais psicoterápico do que a chamada “psiquiatria normal”. Esta, como bem conhecemos, inclina-se mais para a linha de pesquisa no campo da farmacologia, enquanto Fierz abria-se para outras esferas, indagando o conceito de diagnóstico, loucura, trabalho da equipe dentro de uma instituição entre outras coisas, todas elas sendo estudadas sob a ótica da psicologia junguiana.   

Nessa linha, vamos dar atenção a um capítulo especial sobre “o uso da escultura no tratamento das psicoses”. Fierz afirmou que a expressão artística é uma das formas de imaginação ativa; esta, por sua vez, consiste no diálogo do consciente com um conteúdo psíquico. Esse diálogo junto com a atividade física “(...)fornece um apoio positivo à estabilidade da situação psíquica.” (p. 433).  É como se, a partir da atividade criativa, fosse reforçado tal diálogo. 

No caso da psicose, ele observou que a expressão artística através da escultura seria de grande importância terapêutica. Por mais que a expressão escultural seja uma técnica mais difícil que o desenho e a pintura, o trabalho físico com as mãos pode expressar o conteúdo psíquico em um objeto sólido e tridimensional e este objeto oferece ao paciente um ponto de apoio. 

Além dessa dificuldade apontada por Fierz, ele colocou outras que merecem atenção na clínica da “terapia criativa”.  Uma das dificuldades é o problema da interpretação. De acordo com o autor: “Mesmo no caso das imagens, temos que tomar cuidado para não debilitar a linguagem da imaginação criativa e ativa com a linguagem interpretativa dos conceitos, privando a imagem de seu efeito terapêutico direto.”  (p. 434). A única coisa importante o é comentário do paciente e falar muito sobre o objeto significa matá-lo. Fierz, no entanto, reforça o apreciar o trabalho, e "com freqüência, o importante não é sequer o resultado, e sim o processo da execução." (p. 435)



O autor traz quatro aspectos, baseado em casos clínicos, sobre o lugar que a escultura pode ocupar na psicoterapia:

1)    O autodiagnóstico;

O autor descreveu que uma paciente, ao apresentar uma escultura, conseguiu representar sua condição psíquica. Através da imagem, a paciente conseguiu mostrar seu próprio diagnóstico. Ela e o terapeuta puderam observar em que pé estavam as coisas da sua situação psíquica e encaminhar o processo terapêutico. 

2)    A transferência;

Fierz contou que uma paciente deu a ele uma escultura de presente. Ao ampliar o significado daquela imagem, o presente revelou a situação da transferência, e, dessa forma, gerou material psicológico para ser trabalhado no processo terapêutico.

3)    O trabalho escultural como instrumento da terapia;

Em um relato de caso, Fierz apontou que um paciente conseguiu romper a barreira de sua doença através do fazer esculturas. O paciente não realizava nada de real em sua vida e nesse fazer, ou seja, na atividade pessoal e criativa, ele conseguiu realizar algo e assim se libertar da sua condição patológica. “Era apenas uma coisa pequena, uma coisa muito pequena, mas muito pouco é infinitamente mais do que nada.” (FIERZ, p. 439) 

4)    A escultura como expressão de um ponto crítico na psicoterapia;

Em um outro caso clínico, uma escultura também dada de presente a Fierz, teve um efeito terapêutico decisivo para o paciente. O dar a escultura para o terapeuta, para um outro, fez com que ele saísse do seu isolamento psíquico pessoal. E para essas situações em que uma escultura foi ofertada a um outro, afirmou Fierz: “Desse modo, não apenas ‘alguma coisa é feita’, mas ‘algo criativo’ é feito para uma outra pessoa. Uma ação modesta destinada a outra pessoa também protege contra o excesso e inflação(...)”. (p. 446-447)

Fierz, portanto, conclui em seu capítulo que a escultura na psicoterapia não precisa ser ensinada, mas existe a necessidade de um certo estímulo por parte do terapeuta. E que a criação de uma tem efeito direto sobre o processo do paciente, sendo que a escultura tem que ser compreendida e também apreciada, lembrando que a interpretação pode ser perigosa. 

(...) É fundamental que o terapeuta reconheça a importância e o significado da escultura no processo terapêutico. Esse conhecimento pode guiar suas reações e favorecer seu relacionamento com o paciente.” (p. 447) 

Através da leitura (e releituras) desse livro, pude encontrar, além de descrições dos conceitos da teoria da psicologia analítica, um olhar e uma escuta atenciosos às diversas manifestações que ocorrem dentro do campo clínico. Encanta-me esse olhar atencioso que Fierz tem pela alma, ainda mais pela alma considerada "doente" pelos olhos da psiquiatria clássica. Surpreende-me também que junto a esse olhar da alma (ou podemos dizer, uma alma que estuda outras) seja descrita de forma tão didática e com uma linguagem próxima. Recomendo, assim, a leitura dos outros capítulos que, junto com esse, mostra que a psiquiatria pode ter lentes mais humanas, ou poderíamos dizer, que tenta captar a dinâmica da alma nas suas diversas facetas.



Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
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A Equipe Não Palavra te aguarda!

Referência Bibliográfica:

FIERZ, H. K. (1997) Psiquiatria Junguiana. São Paulo: Paulus.

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Sobre a Autora: Laila Alves de Souza



Psicóloga

Pós- graduada em psicologia clínica na abordagem da Psicologia Analítica.

Atendimentos clínicos pela abordagem da Psicologia Analítica no Rio de Janeiro.

Atualmente compõe a Equipe Não Palavra na gestão dos projetos. 

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