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segunda-feira, 9 de julho de 2018

ANDY WARHOL E A SERIGRAFIA

Liane Esteves – RJ
lianeesteves@gmail.com

              Ultimamente tenho investido na gravura como mais uma possibilidade no atendimento terapêutico. Fiz minha estreia aqui no blog com um texto sobre monotipias e agora dedico este espaço para falar da serigrafia, um dos processos em gravura, também conhecido com silkscreen ou gravura planográfica. Falarei, porém de forma “enviesada”, através da obra de um artista que dialogou com a fama, consumo e imagem usando a serigrafia para potencializar sua mensagem e tornando-a cúmplice de seus sentimentos e pensamentos.



Andy Wahrol (1928-1987), americano, filho de imigrantes, tornou-se uma figura lendária e profetizou que um dia todos teriam direito a 15 minutos de fama. Hoje sua “profecia” é realidade e o poder da imagem e das mídias sociais, assim como seus desdobramentos nocivos na vida dos indivíduos e famílias, nos impacta.

Retrocedendo um pouco na história da Arte para compreendermos essa faceta de nossa contemporaneidade, constatamos que na década de 1960, os Estados Unidos, principalmente Nova York, já se consolidara como grande centro artístico. O expressionismo abstrato perdia força para dar lugar a Arte Pop, a arte como caráter público, como mercadoria e objeto de consumo. Nada mais convincente para uma sociedade que privilegiava o efêmero, o sucesso, a escalada social e o enriquecimento.

            Andy Warhol, de origem humilde, não escapou dessa filosofia. Rapidamente ganhou fama e sucesso desenvolvendo uma relação ambígua entre sua vida e sua arte. Começou como desenhista publicitário, trabalhou para revistas como Vogue e Harper’s Bazaar conquistando um lugar no mercado. Seu empenho e dedicação no setor publicitário, além de seu espírito observador, acabaram por revelar-lhe a real faceta do consumo. Não mais focado na venda de produtos para uma elite, voltou-se para grande massa. Seu interesse não residia mais no consumo elitizado, mas no consumo de uma forma geral, no consumo de uma cultura, a americana. Percebeu a grande ilusão por trás de tudo o que era consumido e como isso afetava não apenas um grupo de pessoas, mas toda uma comunidade e mesmo uma nação, revelando a dimensão psicológica por trás das imagens publicitárias. Latas de enlatados, refrigerantes, estrelas de cinema, celebridades, encarnavam o jeito americano de ser e eram vendidos através de repetidas veiculações nas diversas mídias. Warhol transpôs a imagem desses produtos de consumo para a tela fazendo referência a esta realidade e viabilizando o ingresso do mundo popular no mundo da arte e seu próprio ingresso na estrita esfera da arte.

             Ao mesmo tempo em que criticava essa sociedade e seus hábitos de consumo através de suas telas, revelava seu jogo publicitário, criando lendas e fofocas de sua própria vida, num jogo ambíguo onde não se sabe o que é verdade e o que é mentira. Warhol transformou sua vida em obra. A grande verdade para ele era a imagem publicitária que poderia passar uma ideia verdadeira ou falsa num frenético jogo do consumo e da ilusão. A grande verdade revelada é o consumo por trás dessa imagem, onde reside a lenda, o mito do sonho americano. É, portanto, uma imagem abstraída, mítica e efêmera, que dura o tempo que um desejo leva para ser substituído por outro, num processo ininterrupto de consumo. A rapidez desse processo revela o caráter mortal da imagem. Warhol dizia que tudo que fazia tinha a ver com a morte. Os produtos de consumo de massa que usava em sua obra, como as sopas, os molhos, refrigerantes, sabão, todos eles tinham relação com a morte. Seja por seu rápido desgaste ou consumo; seja pela morte provocada por seu consumo. Warhol começou então a, literalmente, estampar a morte em sua obra, como no caso das pessoas envenenadas por atum enlatado, ou mortas por acidentes de carro ou de avião. Todas mortas por terem consumido uma ideia de praticidade, luxo, aventura, modernidade. A morte também aparece na imagem de pop stars como Marilyn Monroe e Elvis, que foram vítimas da fama, ou de outras celebridades cercadas por uma aura de tragédia.

"As duas Marilyns",1962
Serigrafia sobre tela 55 x 65cm 

Elvis Triplicado, 1964
Serigrafia sobre tela, 209 x 152 cm
 
            Apesar de parecer distraído e desligado da realidade, o artista observava friamente a sociedade por trás de suas máscaras, registrando o conformismo e o consumo psicológico. Conforme Argan (1998 p. 647), Warhol estaria interessado em analisar a trajetória desintegradora da imagem de massa, os efeitos da repetição da notícia que se tornariam, segundo ele, um mito de massa que passaria para o inconsciente.   Warhol transpunha para a tela as mesmas imagens e fotografias das manchetes de jornal, já maciçamente conhecidas e consumidas de antemão, e apostava na repetição usando a técnica serigráfica a seu favor. Através dela conseguia repetir a mesma imagem diversas vezes, em preto e branco ou em cores, com mais tinta ou menos tinta, com técnica descuidada ou mais apurada, criando uma dissolução dessa imagem, revelando assim uma nova imagem, abstraída daquela da realidade. Portanto, sua pintura não é figurativa, não é uma mimese da realidade como ela é, mas uma abstração da mesma. A planariade de suas pinturas reforça a ausência de realidade e a bela e cuidada imagem publicitária é manipulada de forma a tornar-se suja, borrada, transformada, denunciando a mentira, o consumismo, a verdade da cultura de massa. Ao mesmo tempo, o processo serigráfico permite uma reprodução estereotipada das imagens e uma produção mecanizada que reforça o caráter impessoal e massificante das imagens produzidas e da cultura fabricada. As distorções conseguidas pelas manipulações na impressão retiram as características pessoais e subjetivas dos retratados, pasteurizando a imagem para consumo.

            Gregory Battcock (1975, p. 51), em seu texto A Geração Warhol, diz que “a arte de Warhol pode subverter (até um certo ponto) a arte formal e, ao mesmo tempo, oferecer documentos socialmente provocadores ao cidadão de classe media”. Cita a aversão do artista pela cultura, por identificar nela uma função policial repressiva. A arte de Warhol refletiria, então, uma cultura oficial de repressão, mais do que de vida, sendo exemplos disso suas pinturas de cadeira elétrica, de ataques policiais, e dos homens procurados pela polícia.

            Passadas algumas décadas ainda são bastante atuais as reflexões e percepções de Andy Warhol sobre o american way of life. A dimensão irônica e crítica de sua arte acabou por perpetuar o consumo por este estilo de vida, criando um ciclo vicioso onde a ideia por trás da imagem ganha mais força quanto mais for veiculada. Entenda-se como ideia o próprio american way of life. O estilo então criticado foi consumido e absorvido perdendo sua força enquanto crítica, mas ganhando força enquanto estilo de vida. Isso acaba por tornar sua arte sempre válida e, ao mesmo tempo, a cultura de massa passível de crítica, uma vez que não percebe sua estrutura e repete sempre o mesmo processo.

            Danto (1990, p. 9) afirma que a obra completa de Warhol é menos um retrato da consciência contemporânea, mas a própria consciência contemporânea, materializada pelas imagens que exprimem nossas fantasias e nossos sentimentos. Para ele Warhol só morrerá realmente quando não mais soubermos quem foi Marilyn, ou quando não mais existir a sopa Campbell’s.
Latas de Sopas Campbell
Serigrafia sobre papel  

            Atualmente a obra de Warhol ainda nos seduz e nos convida a consumi-la em diversos produtos, como almofadas, bolsas, caixas, chaveiros etc.. Paralelamente também é possível estampar a própria imagem nas redes sociais, ter seguidores e tornar a própria vida uma vitrine aberta 24 horas por dia, indo, talvez, muito além das previsões de Warhol. Acredito que a função do arteterapeuta deve ser mais do que a oferta de materiais e linguagens artísticas, cabendo a ele também conhecer a obra de artistas das mais variadas épocas e estilos e poder usá-las como referência em seus atendimentos. Tomar a vida e a obra deste representante da Pop Art pode ser um disparador para estabelecer uma dimensão crítica e um olhar questionador sobre o consumo excessivo, o “desgaste” da imagem nas inúmeras postagens em rede, entre outros fatores. Como estimular a busca pela essência para além das aparências; como desviar o olhar da imagem externa para uma reflexão interna; como reconhecer os vazios interiores e cuidar deles?  A Arteterapia é uma excelente ferramenta na busca do si mesmo, e pode ser mais potente ainda quando auxiliada pelas obras dos grandes mestres da Arte, que tão sensivelmente nos deixaram um legado de imagens passíveis de profundos mergulhos em zonas sombrias.   

            Que Andy Warhol possa ser compreendido de forma mais ampla, para lá da aparente futilidade. Que possamos olhar para as inúmeras Marilyn’s, estampadas em variadas formas, efeitos e cores, e refletir sobre nós mesmos!

     Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências Bibliográficas:

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
BATTCOCK, Gregory. Geração Warhol in A Nova Arte. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1975.
DANTO, Arthur C.. Qui était Andy Warhol?. Les Cahiers du Musée National d’Art Moderne. Pais, 1990.
HONNEF, Klaus. Andy Warhol: A Comecializaçao da Arte. Colonia: Taschen, 1992.

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Sobre a autora: Liane Esteves


Arteterapeuta e Arte-educadora, especialista em História da Arte e pós graduanda em Psicologia Junguiana. Faz atendimentos individuais e facilita oficinas e vivências em Arteterapia.
Leciona Artes Visuais na rede pública de ensino do Rio de Janeiro. Tem interesse em Arte, Psicologia, Yoga, Vedanta, Espiritualidade, Sustentabilidade, Cinema, Dança e Paisagismo. Acredita na Harmonia, Amor e Respeito entre os Seres.

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