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segunda-feira, 26 de março de 2018

REFLEXÕES SOBRE O “SIMPLES” NAS PRÁTICAS DA ARTETERAPIA




Por Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com

“E que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho” Clarice Lispector 

Um dos artistas que tem me inspirado para este ano é Piet Mondrian. Retomei minha reflexão sobre as ideias do movimento “De Stijl” (que não por acaso significa “O Estilo”), registrado em um texto anterior chamado “Mondrian e Arteterapia – Um diálogo para um estilo” CLIQUE AQUI. Contextualizado no início do século XX, mais precisamente no período da primeira guerra mundial, Mondrian ficou conhecido por seu caminho em direção à abstração completa, chegando ao seu inconfundível estilo geométrico, o neoplasticismo.

O processo imagético em que reduziu-se ao que há de mais simples, as linhas retas e as cores primárias, não se deu ao acaso, mas profundamente simbólico, na busca de uma linguagem visual de aplicação mais universal, menos individualista. Assim, em meio aos conflitos humanos transbordados em guerras, esta expressão poderia servir como um modelo para as relações harmoniosas que Mondrian e seus amigos imaginavam para a vida dos povos num futuro utópico. Podemos pensar que estes artistas eram movidos  por um desejo de que assim o ser humano poderia se comunicar e se relacionar harmoniosamente apesar de tanta diversidade e pluralidade. Não nos parece um desejo tão atual?



“Simplificar para facilitar as relações: na imagem e na vida” à inspiração de Mondrian, é uma das propostas que tenho investido em diversos contextos da minha prática arteterapêutica. Primeiramente porque penso que este é o momento em que devemos oferecer propostas em que as relações sejam pensadas e ressignificadas. 

Mas a prática nos mostra outra grande surpresa que o diálogo com Mondrian nos traz: a riqueza de possibilidades que se abre a partir do que há de mais simples. E hoje releio o que escrevi anteriormente com muito mais significado:

“... Mondrian, um artista que olhos mais desatentos podem vê-lo como ‘sem graça’ ou ‘bobo’. Mas... Pude me ouvir o quão difícil foi selecionar e sintetizar em um breve texto tudo que Mondrian tem me tocado e me provocado a pensar. Percebi que este fato nada mais é do que o reflexo de uma das grandes lições que o artista me trouxe até o momento, que também coopera para meu estilo: quanta coisa é possível criar e influenciar a partir do que há de mais simples! Mondrian nos ensina que simplificar não é empobrecer, mas um processo (que sim, demanda muito trabalho) de limpeza de ruídos e excessos para a abertura do novo e quantas possibilidades couberem em nossas mãos!” (MORAES) 

O retorno ao simples: uma inspiração para metáforas da vida



O diálogo com o simples segue em outros campos. Tenho trocado com arteterapeutas que compõem a minha rede sobre a simplicidade dos materiais em Arteterapia: o que na grande maioria das vezes não ocorre por escolha, mas por escassez. 

Quem trabalha em alguma instituição como escolas ou hospitais, públicos ou privados, sabe do que estou falando. Mas aqui a simplicidade pode chegar com cara de empobrecimento. Em outros contextos, arteterapeutas recém formados(as) que ainda não construíram seu próprio material ou outros(as) que pelas demandas da vida tiveram que mudar de cidade não havendo a possibilidade de levar consigo todo o material cultivado até ali (todos os casos mencionados são reais à minha escuta). 

De fato, em nossos cursos de formação somos estimulados para a experimentação da riqueza de materiais. Somos impressionados com mesas cheias de recursos, possibilidades, linguagens, cores, formas, texturas... Penso que realmente é essencial que o arteterapeuta tenha a oportunidade de manusear, sentir e criar intimidade com os mais variados materiais que possam em algum momento serem úteis em nossa prática. Somente através desta experimentação teremos subsídios para manusear os materiais de forma consistente. 

Entretanto, ao meu ver, é essencial que o arteterapeuta saiba que não raras vezes, “na prática, a teoria é outra”. Muitas vezes não, não dispomos de muitos materiais para oferecermos em nossos trabalhos. Muitas vezes somos contratados para uma instituição que não pode investir em material, ou em atendimentos particulares o próprio terapeuta, por realidades da vida, não tem disponibilidade naquele momento para um grande investimento em materiais. 

Seria a escassez de material um impeditivo para o arteterapeuta trabalhar? Muito antes pelo contrário. Penso que esta efetivamente é a oportunidade para que no campo do simples, a mola mestra da Arteterapia possa emergir: a CRIATIVIDADE. 

Criar a partir da riqueza de possibilidades é muito interessante. Mas penso que criar diante do pouco ou do quase nada é de fato, o chão da vida. A realidade da clínica nos mostra que vivemos em tempos de crise financeira, perdas sucessivas de poder aquisitivo, redução de possibilidades múltiplas aos quais nossos pacientes nos contam com ar de frustração, derrota e o discurso do “não posso” é a tônica. 

Então eu pergunto aos arteterapeutas, não seria justamente esta metáfora de vida que precisamos remontar em nossos settings terapêuticos? Diante do (que parece) pouco, para onde sua criatividade te leva? O que sua intuição te instiga? Quais possibilidades você pode se fazer enxergar diante do que você tem a frente? 

A prática nos mostra que ao aceitarmos o que temos e com o que temos acessarmos nossa criatividade, grandes possibilidades de abrem. Nos materiais e na vida. 

Nesta perspectiva, meu estilo como arteterapeuta tem se firmado em cima da simplicidade – só possível de ser construída a partir de muito estudo. Quando bem embasado, o simples é suficiente e muito potente. 


Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referência Bibliográfica: 

Moraes, Eliana. Pensando a Arteterapia 
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Sobre a autora: Eliana Moraes




Arteterapeuta e Psicóloga. 

Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. 
Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

5 comentários:

  1. Comentário enviado por Tania Salete:

    Ola, Eliana! Mais um texto maravilhoso, inspirador e instigante! Na verdade, como tem sido desafiador vivenciar essa proposta bastante antagônica ao que aprendemos na formação: desenvolver o trabalho a partir da "escassez" de recursos materiais. Mas, concordo com voce, pois penso ser esse um caminho para "catucar" nossa criatividade, instigar o "bicho carpinteiro, eternamente curioso" que mora dentro da gente. Mondrian é realmente uma inspiração e seu trabalho, de uma profundidade incrível, atestando que é possível, a partir do simples, do pouco ou até de quase nada, superar as dificuldades cotidianas, seja no fazer arteterapêutico, seja vida mesmo! Enfim, o "menos continua sendo o mais!. Parabéns e novamente, obrigada tanto pela oportunidade quanto por nos nutrir de textos ótimos!

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  2. Querida Eliane! Como sempre vc oferece um texto maravilhoso e nos faz refletir sobre a simplicidade. Que o menos pode ser mais! Nada melhor do que usar a criatividade e aproveitar também inumeras oportunidades de materiais recicláveis. Obrigada sempre pela riqueza de postagens que conscientizam e ajuda o Arteterapeuta em seu trabalho.

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  3. Simplicidade nas relações,no trabalho,na vida!Coisa tão fácil que damos um jeito de complicar.
    Que a Arte nos aponte o caminho.
    Ótima reflexão querida!

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  4. simplificar para descomplicar... Como sempre seus textos nos inspiram e nos motivam..

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  5. Parabéns, Eliana! Muito bom trabalhar com a História da Arte no Setting Arteterapêutico. Seu trabalho é enriquecedor! Bjs.

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