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segunda-feira, 3 de julho de 2017

UM MERGULHO NA INTIMIDADE DO BRINCAR: Arteterapia com bebês

Por Maria Matina - RJ, atualmente residindo em Portugal
matinarte@gmail.com


“Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade.”  Manoel de Barros

É com um sentimento de gratidão enorme em meu peito que volto ao Não Palavra para seguir falando sobre o universo do bebês, esse universo em que temos tanto para aprender e que cada vez percepciono de forma mais ampla e intensa.

No meu texto anterior “Aprendendo a ver a arte com os bebês” (CLIQUE AQUI) comentei que: “o primeiro passo para trabalhar com os bebês foi me abrir à percepção deles, me ‘despir’ das minhas defesas e rigores, me permitir brincar e me relacionar. Ao estarmos dispostos a nos relacionar abrimos o caminho para a troca. É importante estar consciente de que tudo é novo e fascinante para o bebê e que o aprendizado e interesse podem estar em tudo (na brisa, no olhar, na textura, no som, na sombra, no sabor, etc)”  e desde que escrevi esse texto vejo que dar forma escrita a minha prática me fez observá-la de maneira muito mais profunda e crítica.

A partir desse meu olhar desperto, inspirado nos bebês, venho sendo abençoada por encontros e oportunidades gratificantes de estar em contato com pensadores e fazedores de arte para bebês. E isso tem sido um sinal magnífico de estar caminhando no sentido certo, e o mais importante de tudo, não me sentir só nesse caminho! Sei que somos muitos e estou maravilhada de nos reconhecermos.

O primeiro trabalho que tive o privilégio de conhecer me foi apresentado de forma despretensiosa em uma livraria portuguesa, como um conteúdo que pudesse me interessar já que sempre busco livros e materiais para utilizar no trabalho com bebês, mas quando conheci o “Manual para a Construção de Jardins Interiores” da Companhia de Música Teatral, fiquei em êxtase, estava diante de uma joia, era o sonho de consumo de qualquer pessoa que trabalha com arte para a infância, nesse livro estão compactados quatro anos de pesquisa e prática da companhia, descrito em detalhe todo o processo de idealização, preparação e as possibilidades de execução.

Manual para Construção do Jardim Interior e Ecos de Opus Tutti. Portugal

Parti da livraria com o desejo de conhecer mais sobre esse trabalho incrível que ainda não conhecia mas já sabia que adorava. Naveguei na internet e fui conhecendo mais sobre os diferentes espetáculos da companhia e já percebi que utilizavam uma linguagem cênica diferente do que eu já havia visto, um olhar focado no bebê tanto sonora quanto plasticamente, fui ficando cada vez mais encantada.

Passados alguns meses vi, através da mesma livraria, que estavam oferecendo uma ‘formação transitiva de música para a infância’ e corri para me inscrever, felizmente fui aceita e pude conhecer mais de perto esse trabalho magnífico. A formação consistia em três oficinas focadas em três diferentes espetáculos da Companhia (Bebé PlimPlim, Colos de Música e SuperSonics) nesses encontros eram apresentados parte do repertório dos shows, e compartilhado o pensamento e forma de atuar que o OPUS TUTTI apresenta, com o intuito de difundir essa ideia e fazer germinar e frutificar a maneira de se trabalhar a arte na infância.

“Espetáculo Alibabach”, espetáculo interativo para bebês - Portugal

“Os bebês 'cantam' antes de falar e 'dançam' antes de andar. Somos seres musicais. Albergamos nos corpos ritmos e vozes de outros que não nos pertencem. Pulsamos memórias coletivas que estão muito para além das crenças, dos conhecimentos, das palavras e da realidade vulgar. Nasce-se para contactar.” Paulo Maria Rodrigues e Helena Rodrigues

E nessa formação tive a oportunidade de ver brotar na minha frente a música a partir de uma folha de papel, a comunicação através da dança e a fala através do som, vi e senti ali a arte que surge do encontro, e o encontro enquanto cerne do trabalho. Finalmente comprei meu "Manual para a Construção de Jardins Interiores" e estava feliz mergulhando pouco a pouco nesse saber.

Em junho deste ano voltei ao Rio de Janeiro a trabalho, depois de ter estado 10 meses fora do Brasil acumulei em mim toda a saudade do mundo, o desejo do encontro e do estar perto de amigos, cheiros e corpos, saudade dos abraços e das risadas. Então, na semana da minha chegada já comecei a planejar um final de semana para matar saudades entre um trabalho e outro. E assim foi meu domingo, dia 18/06, comecei o dia conhecendo o Museu do Amanhã e fiquei absolutamente encantada com aqueles tecidos dançantes, que se transformavam em tudo que minha mente pudesse imaginar, de bichos a bailarinos, e eram apenas dois tecidos com o vento e a ação do caos em seu dançar. Estava na companhia da minha família, com meu sobrinho e afilhado explorando esse Museu e de lá seguimos para a Caixa Econômica Cultural onde iríamos assistir um teatro para bebês "Achadouros", eu estava eufórica com a possibilidade de ver uma peça de teatro para bebês, felizmente chegamos com bastante antecedência e conseguimos pegar senha. Mal sabia eu que ia me deparar com uma poesia em forma de teatro, uma peça em forma de toque, aquele toque mágico na alma e no coração.

Antes da peça começar o José Regino, diretor da peça, preparou o público com uma fala fundamental, pedindo sabiamente que os pais resistissem a tentação de direcionar o olhar dos bebês, que os deixassem livres para absorver a experiência da forma que fossem capazes, ou que fosse interessante pra eles. Lembrando que a peça não era interativa e portanto os bebês não poderiam se aproximar do cenário.

Entramos no teatro e me deparei com um cenário forrado de sacos plásticos, percebi que já me sentia em casa, era uma peça que já falava a minha língua. O espetáculo iniciou e cada vez fui me encantando mais, as duas atrizes Caísa Tibúrcio e Nara Faria iniciaram uma interação de encantamento e descoberta com o espaço e com a plateia, representando o olhar dos bebês e das crianças sobre o mundo. Assim, gradativamente todo o público estava conectado com elas vivenciando todas as descobertas e achadouros do universo da criança e da poesia de Manuel de Barros.

"Achadouros", teatro para bebês. Brasil

E foi através desse olhar compartilhado que dos sacos de plástico surgiu uma galinha, um cachorro, um peixe, um rebanho de ovelhas, uma revoada de borboletas, o fundo do mar, o céu e o infinito, esse infinito mágico da intimidade e esse encantamento do olhar lúdico sobre o mundo. Saí de lá levitando de felicidade e para completar minha alegria pude ir na terça-feira no bate papo com José Regino, e ouvir por três horas a história por detrás daquela bela peça e os caminhos para a chegada no teatro para bebês.

Oficina: Desmontagem artística - Teatro para a primeira infância - Brasil
E eu que estava engatinhando no trabalho para bebês hoje me sinto mergulhando de cabeça nesse universo encantado, agradecida pela oportunidade de receber tanto de todos esses profissionais e tentando compartilhar um pouco da minha descoberta com vocês. Muito feliz de ter a certeza de que hoje somos muitos que olhamos para infância com o intuito de aprender mais do que ensinar, e que percebemos que o trabalho com bebês se faz pela verdade e pelo afeto.


Referências Bibliográficas:


Companhia de Música Teatral , Projecto Opus Tutti , ‘Manual para Construção de Jardins Interiores’, Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, Portugal.


Companhia de Música Teatral , Projecto Opus Tutti, ‘Ecos de Opus Tutti: Arte Para a Infância e Desenvolvimento Social e Humano’, Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, Portugal.


Site Grupo Germinarte- Portugal CLIQUE AQUI
Canal you tube, OPUS TUTTI CLIQUEAQUI
Site da peça Achadouros CLIQUE AQUI
Peça ‘Achadouros’ - Brasil CLIQUE AQUI


Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com

Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.



A Equipe Não Palavra te aguarda!

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Sobre a autora: Maria Matina



Maria Matina é artista, educadora e arteterapeuta, nasceu no Rio de Janeiro numa família de artistas. É coordenadora e co-fundadora da Casa Benet Domingo, atualmente divide-se entre a Europa e o Brasil realizando projetos artísticos e culturais e em busca de parcerias institucionais para a Casa.

2 comentários:

  1. Maria Matina...o que dizer deste encantamento que elevou meu coração e capturou minha emoção para este universo que faz parte de mim ha tanto tempo? Maravilhoso... Parabéns, mil vezes! Gratidão de novo a Deus, por saber que existem pessoas assim, que fazem da Arteterapia algo incrivelmente multifacetado e simples, profundo e grande; capaz de alcançar do longevo ao bebezinho! Parabéns ao Não Palavra! Acertou de novo!

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  2. Que alegria ter sua companhia nessa busca de fazer e aprender a fazer arte com os bebês. Que possamos abrir e explorar muitas caixas de saberes e sentires ao lado desses pequenos mestres.

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