“O cuidado de crianças e
adolescentes com transtornos mentais graves exige uma dedicação quase exclusiva
de suas mães, seja na atenção diária ou no acompanhamento aos locais de
tratamento. Muitas vezes, elas anulam suas próprias vidas para viver em função
do filho doente. Portanto, oferecer a elas um espaço de cuidado no próprio
local de atendimento de seus filhos é fundamental para evitar o seu próprio
adoecimento.” (SÉRVULO, 2015, p.6)
Há
mais de 10 anos, trabalho como psicóloga em um Centro de Atenção Psicossocial
Infantojuvenil (CAPSi) da região metropolitana de Belo Horizonte (MG). Entretanto,
até bem pouco tempo, quase não se ouvia falar, em nosso estado, da aplicação da
Arteterapia nos equipamentos do SUS (Sistema Único de Saúde). Considerei,
então, como um duplo desafio iniciar a minha prática neste local e com um
público que, muitas vezes, fica esquecido: as mães. A proposta seria, portanto, promover um grupo
de Arteterapia com elas.
Este
grupo, em particular, foi realizado com 5 mães de pacientes do CAPSi. O convite
foi aberto a outros pais, que, no entanto, não se interessaram ou não deram
continuidade. Foram realizados encontros semanais, de 2 horas de duração cada,
totalizando 34 encontros.
No grupo, as mães poderiam, além de falar sobre suas
dificuldades, materializar seus conflitos, expressando suas emoções e
elaborando melhor a doença do filho através da expressão artística. Mais do que
isso, a ideia era oferecer um espaço para que elas pudessem, talvez pela primeira
vez, deixar de representar unicamente seus papéis de mães, para se enxergarem
em sua totalidade. Ali, naquele espaço protegido, não só os filhos, mas elas
também poderiam ser cuidadas.
Como bem descreveu Rufatto (2006),
“Ao perceber e
trazer para o espaço grupal as diferentes manifestações das crianças, o grupo
acaba por se deparar com seus próprios limites. Antes de saberem como lidar com
os filhos, esses pais passam a observar manifestações em si, que anteriormente
reconheciam apenas nos outros.” (RUFATTO, 2006, p. 21)
Frequentemente, as
dificuldades vivenciadas pelas mães eram expostas através de queixas. Com a
prática da Arteterapia, elas poderiam expressar livremente seus sentimentos,
sem o receio das críticas, tão comuns nas relações cotidianas. Dessa forma,
seria possível uma comunicação mais aberta e compreensiva entre elas. (CARDOSO
& MUNHOZ, 2013)
Com o grupo,
esperava-se contribuir para a melhora na qualidade
de vida dessas mães, facilitando o seu processo de autoconhecimento e promovendo
a melhora na autoestima e no autocuidado. Através dos materiais plásticos e das
várias técnicas de Arteterapia, as mulheres por trás das mães começaram a
surgir. Elas começaram, então, a perceber o que impedia seu desenvolvimento
pessoal e a se enxergar enquanto pessoas com desejos e necessidades, além das
obrigações de mãe e de cuidadora de uma criança doente.
Lembro-me
até hoje da emoção de uma das mães ao se dar conta que abrira mão do sonho de
ser bailarina para cuidar do filho. Com lágrimas nos olhos, ela mostrou sua pintura
de uma sala de balé: uma imagem que ficara guardada e uma emoção que ficara
calada por muito tempo...
Acompanhá-las
nestes momentos de descoberta foi uma experiência muito intensa e gratificante.
Certa vez, uma mãe se surpreendeu ao desenhar, a partir de uma imagem abstrata
que pintou, um rosto escondido por trás das folhagens. “Esse rosto ficou muito estranho,
né? Acho que tem a ver com algo que ainda está escondido em mim e que preciso
descobrir”. E,
com o tempo, o estranhamento de entrar em contato com a sua sombra cedeu lugar
a um genuíno desejo de se descobrir, de ir ao encontro da sua essência.
Ao final
do grupo, ficaram registradas para sempre, na minha consciência e no meu
coração, as belas imagens produzidas a partir do sofrimento, dos medos, das
alegrias e, principalmente, da força daquelas mulheres. E ficou também o desejo
de levar essa proposta para tantos quantos forem os lugares onde existam mães,
onde existam mulheres, onde existam pessoas que, por vezes, se perdem ou se
escondem em seus papéis, deixando de experimentar este novo e verdadeiro olhar sobre si mesmas.
Este
texto foi baseado em fragmentos do meu Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado em novembro de 2015 como exigência parcial
para obtenção de título de Especialista em Arteterapia pela FAVI – Faculdade
Vicentina em convênio com o INTEGRARTE – Centro de Atividades, sob orientação
do Prof. Dr. Celso Luiz Falaschi. Se alguém se interessar pela leitura do texto
original, basta solicitar pelo e-mail janainaservulo@gmail.com,
que terei o maior prazer de compartilhar!
Para visualizar o vídeo
realizado com as imagens produzidas pelas mães e alguns momentos significativos
do grupo, acesse minha página do facebook: @artisticamente7
e clique em vídeos.
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências:
CARDOSO, Ângela Maria; MUNHOZ, Maria Luiza P. Grupo de espera na
clínica-escola: intervenção em arteterapia. Revista da SPAGESP – Sociedade
de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, n. 14, 43-54,
2013.
RUFATTO, Amaury Tadeu. Reflexões sobre o trabalho de
orientação em grupo para pais em uma instituição que atende crianças com graves
comprometimentos emocionais. Revista da SPAGESP – Sociedade de Psicoterapias
Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, v.7, n. 2, p. 18-22, Ribeirão
Preto, dez. 2006.
SÉRVULO,
Janaína de Almeida. Um novo olhar para
dentro de si mesma: uma experiência com mães de pacientes atendidos no
CAPSi. 2015. 19 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização). FAVI
(Faculdade Vicentina), em convênio com o INTEGRARTE- Centro de Especialidades.
Belo Horizonte, 2015.
URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação
pessoal pelas imagens. Rio de Janeiro: WAK, 2008.
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Sobre a autora:
Janaína
de Almeida Sérvulo
Graduada
em Psicologia pela UFMG, com especialização em Arteterapia pela FAVI, em
convênio com o INTEGRARTE.
Atua
como psicóloga e arteterapeuta em clínica particular em Belo Horizonte-MG e na
rede pública da região metropolitana. Experiência de mais de 15 anos com
atendimento individual e em grupo a crianças, adolescentes e adultos.
Para
conhecer mais sobre seu trabalho, visite a página do facebook: @artisticamente7
Parabéns ao NÃO-PALAVRA!
ResponderExcluirParabéns por excelente trabalho com estas mães, que precisam tanto de um carinho e um segundo olhar sobre sua vida.
ResponderExcluirNão há no mundo alguém que ame mais a seus filhos quanto uma "mãe especial" chamo assim carinhosamente,porque é ser abençoada duas vezes. Porque seu amor é maior? pelo simples fato de que falam por elas e por seus filhos, são boca, braços, pernas, e inteigência.
Sensibilidade que floresce a cada instante em um jardim, que muitas vezes tem alguma erva daninha para tentar impedir seu crescimento.
Também sou "mãe especial".
Que lindo! Parabéns também por ser uma "mãe especial"!
ExcluirParabéns Janaína pelo seu trabalho que acompanhei de perto durante o nosso curso, tanto seus relatos como sua apresentação no final do curso. Muito bom e profundo. Abçs
ResponderExcluirObrigada, querida!
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