Por
Eliana Moraes
elianapsiarte@gmail.com
“O mundo necessita de
poesia,
cantemos, poetas, para
a humanidade;
...
Nosso destino, poetas,
é o destino
das cigarras e dos
pássaros:
- cantar diante da
vida,
cantar
para animar
o labor do Universo,
cantar para acordar,
ideias e emoções;
porque no nosso canto
há um trigo louro,
um pão estranho que
impulsiona
o braço humano,
e os cérebros orienta,
uma hóstia
em que os espíritos
encontram,
na comunhão da beleza,
a sublimação da existência.
O mundo necessita de
poesia,
cantemos alto, poetas,
cantemos!”
Gilka Machado em Poesias Completas
O
ano de 2016 começa a caminhar para o fim deixando alguns rastros de seus
efeitos. Recentemente ouvi uma “brincadeira inocente” que me causou impacto: “Esse ano, a ‘Retrospectiva 2016’ vai ter que
durar cinco horas!”
Que
ano! Particularmente, 2016 foi um dos anos mais desafiadores da minha
biografia, e tenho apurado a minha escuta para não poucas pessoas reconhecendo
o quão difícil foi. Ampliando nosso olhar para o social, não faltaram
movimentações surpreendentes e notícias estarrecedoras na cidade/estado em que
resido, Rio de Janeiro (e penso que os leitores de outros estados não fogem à regra),
no nosso país, no mundo... Hipnotizados pela contemplação, poderíamos passar
horas e horas mencionando os eventos que nos estarreceram. E em mim, uma sensação tem sido constante nos últimos
tempos: “Está estranho.”
Nas
esferas coletiva e pessoal, 2016 quebrou muitas das minhas certezas, seguranças
e zonas de conforto e com ele um convite ao desfazer-me do que não cabe mais...
ao vazio... e ao início de movimentos intuitivos àquilo que realmente me faz sentido.
Neste
texto, alguns sentidos que me responderam.
Comecei
a estudar História da Arte em 2009 com a Flávia Hargreaves, sem ter a menor
ideia da proporção que este estudo tomaria em minha vida. Em 2016 experimentei
a convicção de que estudar a História da
Arte me faz sentido, pois ela contribui para minha compreensão sobre o mundo em
que vivo e minhas articulações sobre o estar neste mundo.
Lembrei-me
de Pablo Picasso que ao descrever seu processo criativo sobre a colagem disse:
“... se um pedaço de jornal pode converter-se numa garrafa,
isso também nos dá algo para pensar a respeito de jornais e garrafas. Esse
objeto deslocado ingressou num universo para o qual não foi feito e onde em
certa medida, conserva sua estranheza. E foi justamente sobre esta estranheza
que quisemos fazer com que as pessoas pensassem, pois tínhamos perfeita consciência
que o nosso mundo estava ficando muito estranho e não exatamente tranquilizador.”
Ao
longo da história a arte desempenhou muitas funções, e no século XX a expressão
política através da arte teve papel fundamental. Exemplo disto foram os dadaístas
que assaltados pelo horror da Primeira Guerra Mundial, buscavam através da arte
chamar a atenção daqueles que pudessem ouvir:
“Em Zurique, em 1915, tendo perdido o interesse pelos
matadouros da guerra mundial, voltamo-nos para as Belas Artes. Enquanto o troar
da artilharia se escutava a distância, colávamos, recitávamos, versejávamos,
cantávamos com toda nossa alma. Buscávamos uma arte elementar que pensávamos,
salvasse a espécie humana da loucura destes tempos.” (STANGOS)
Neste
contexto, pensar sobre meu ofício como arteterapeuta neste mundo que caminha
para a estranheza foi uma segunda experiência. Tenho colocado nas aulas e
supervisões para arteterpeutas que cada vez mais tenho a convicção de que nosso
trabalho é micropolítica, aquela que fazemos a cada ato. Ao proporcionarmos ao
nosso paciente/cliente um encontro com a arte – em qualquer formato dentre a riqueza
de possibilidades que a Arteterapia nos oferece – somos agentes transformadores, de vidas e do social.
Promover a arte mobiliza consciência, senso crítico, pensamentos, emoções,
expressões, ações e movimentos individuais e coletivos.
Ser arteterapeuta faz
sentido, pois este ofício compõe meu estar no mundo. Através dele exerço a
minha micropolítica disponibilizando a arte para sujeitos que intuitivamente
buscam saúde em um mundo adoecido.
Desde
2013, com o nascimento do blog Não Palavra, a escrita vem ganhando espaço no
meu caminho profissional. Inicialmente com o objetivo de registrar o dia a dia
de estudo e prática, hoje o blog tem conquistado seu espaço como um veículo de
troca de conteúdo sobre a Arteterapia, em teoria, práticas e profissão. Vejo
que este espaço tem ampliado seu alcance e contribuído para o estudo,
articulações, e descobertas de arteterapeutas, estudantes e curiosos. Perceber
a evolução deste trabalho me estimula a continuar.
A escrita me motiva e
compartilhar aquilo que aprendo com quem partilha da jornada comigo, tem um
sentido especial para mim. Este é um sentido tão profundo que registrei-o no meu
corpo: aspas nos punhos, que dentre outros significados, simbolizam minha escrita e
minha motivação em compartilhar o conhecimento.
2016
caminhando para o fim, deixando rastros de pensamentos e reflexões costurados
pelo fio da arte, pois ela faz sentido. Gilka Machado, grande poetisa
brasileira, nos diz que o mundo necessita de poesia e convoca aos poetas que
cantem. Eu tomo a liberdade de ampliar esta ideia, afirmando que o mundo necessita de arte e aceito o convite.
De minha parte, o que estiver ao alcance das minhas mãos... será feito.
Referências
Bibliográficas:
MACHADO,
Gilka. Poesias Completas.
STANGOS, Nikos.
Conceitos da Arte Moderna.