Por Eliana Moraes
elianapsiarte@gmail.com
No último dia 24 de outubro,
no II Ciclo de Palestras Não Palavra, apresentei o tema “Arteterapia: reflexões sobre a clínica”. Nesta ocasião, dentre
outros pontos, abordei a importância de cada profissional buscar e desenvolver
o seu estilo como arteterapeuta
clínico.
Apurando minha escuta sobre os
textos do grupo Não Palavra neste ano e a troca com outras arteterapeutas que frequentam
nosso espaço nos cursos, grupo de estudos e supervisões, percebi que a clínica
da arteterapia é um tema que tem nos atravessado, cada uma em sua
singularidade. Partindo do princípio que a riqueza da Arteterapia está em sua
pluralidade, cabe ao arteterapeuta buscar aquelas referências que lhe respondem
em suas interrogações e aplicá-las em sua prática.
Quanto ao desenvolvimento do
meu próprio estilo, compartilho que cada vez mais tenho me amparado na teoria
da psicanálise para embasar a minha escuta sobre o paciente e o manejo clínico,
e nas teorias e história da arte para me fornecerem instrumentalização teórica
e prática quanto ao ato de criar no
recorte da clínica arteterapêutica. A construção do estilo é por definição
um caminho individual, porém acredito que da mesma forma que ouvir sobre o
estilo de alguém que autorizo colabora para a minha construção, aqui
compartilho um fragmento do meu percurso, caso possa colaborar para o desenvolvimento
do estilo de outros.
Hoje trago a experiência que
vivi ao visitar a exposição “Mondrian e o
movimento De Stijl: arte, arquitetura e design da Holanda no início do século
XX” em cartaz no CCBB-RJ até 9 de janeiro de 2017. Exposição tão rica de
conteúdos históricos e artísticos, que conta o quão é extensa a influência de Mondrian, também se revela muito inspiradora
para nossa prática como arteterapeutas. Recomendo àqueles que residem no Rio de
Janeiro que não percam esta oportunidade. Eu mesma pretendo voltar, pois penso
que apenas uma visita não é suficiente para absorver tanta riqueza!
Mondrian
e o Movimento “Stijl”
Piet Mondrian nasceu em 1872
na Holanda. Seus primeiros trabalhos se configuram como pinturas figurativas um
tanto tradicionais, sob a influência de pintores pós-impressionistas como
Vincent Van Gogh, Jan Toorop, Georges Seurat e Paul Cézanne. Entre 1912 e 1914
Mondrian residiu em Paris, aproximando-se de Pablo Picasso e do Cubismo,
impulsionando-o em direção à abstração completa em 1917 até chegar em seu
inconfundível estilo geométrico, o “neoplasticismo":
“... sua ênfase recaiu sobre linhas verticais, horizontais e planos coloridos.
Por meio de tais relações efêmeras, Mondrian reinterpretou as formas esféricas
em termos de um jogo dinâmico entre forças interiores e exteriores, percebendo
analogias mais profundas com oposições entre energia e matéria, espaço e
tempo.” (texto extraído do folder da
exposição)
“De
Stijl” (que, não por acaso significa estilo), revista fundada em 1917, tornou-se um movimento artístico e
a mais importante contribuição da Holanda para a cultura do século XX. Fundada
pelo escritor, crítico de arte, poeta e artista plástico Theo van Doesburg,
propunha reunir o que havia de mais moderno em termos de arte, arquitetura,
ofícios, música e literatura a cada mês.
Século XX, um século tão
marcado pelas duas grandes guerras mundiais, deixou a humanidade estarrecida se
perguntando sobre o que o homem era capaz de produzir para si. Em meio ao caos, a destruição e o horror, muitos
dos movimentos artísticos desta época buscavam na arte alguma forma de
expressão, orientação e possíveis respostas sobre novos caminhos para a
humanidade. Não diferente disto, De Stijl
se mostraria em sua filosofia como o
antídoto para o individualismo daquela época. A abstração radical revelaria
o modelo e transformaria a vida em arte. As pinturas abstratas de Mondrian se
mostravam como o modelo de uma nova
consciência.
A exposição mostra como Mondrian
e seus companheiros da revista De Stijl criavam a partir de uma visão de mundo
e de uma arte que seria revolucionária. Defendiam:
“... uma arte moderna que pretendia
transcender divisões culturais e se
transformar numa linguagem universal, baseada na pureza das cores primárias, na
superfície plana das formas e na tensão dinâmica característica das telas
mais conhecidas de Mondrian.”
“Em suas composições, o artista buscou
realizar um equilíbrio e uma harmonia
que se estenderiam a todo o espaço da área de uma construção e se firmariam
como um modelo para as relações harmoniosas
que imaginava para a vida dos povos num futuro utópico.” (texto extraído
das legendas da exposição, grifos meus)
Em 2017 completa-se cem anos
do lançamento da revista De Stijl, por artistas que chegaram às linhas retas e
as cores primárias na busca de uma linguagem visual de aplicação mais
universal, menos individualista. Podemos pensar que estes artistas eram
movidos por um desejo utópico de que
assim o ser humano poderia se comunicar e se relacionar harmoniosamente apesar
de tanta diversidade e pluralidade.
Não nos parece um desejo tão atual?
Não nos parece um desejo tão atual?
Arteterapia:
História da Arte para quê?
Desde 2009 Flávia Hargreaves e
eu nos dedicamos ao estudo da História da Arte e suas possíveis aplicações na
prática da Arteterapia, dentre movimentos artísticos, artistas, suas biografias
e processos criativos. Denominamos nossa pesquisa como “Arteterapia: História da Arte para quê?” e a aplicamos em nossa prática, escrevemos e compartilhamos em palestras e cursos
diversos.
A partir da inspiração em Mondrian
e seu processo criativo, hoje destaco três possibilidades que levei para minha
clínica. As imagens que ilustram este texto foram produzidas em atendimentos
arteterapêuticos e sua publicação foi autorizada por seus autores.
Percebo que Mondrian dialoga
em vários aspectos com a estrutura histérica a partir da teoria psicanalítica.
Não cabe neste texto me aprofundar nesta relação pois demanda uma profunda
articulação teórica. Mas em linhas gerais, Mondrian e seu intenso investimento
para o “simplificar” e chegar aos elementos mais básicos como as linhas, as
cores primárias e as relações entre elas, traz respostas à esta estrutura
psíquica que muitas vezes apresenta questões terapêuticas como os excessos, a
falta de limite, os transbordamentos e invasões, oscilações, misturas e falta de
contorno, equilíbrio e organização. Neste trabalho a paciente produziu esta
imagem enquanto refletia sobre suas questões terapêuticas: limites e
prioridades.
A exposição também me inspirou
para uma proposta que foi feita ao grupo arteterapêutico, a partir de uma das
legendas sobre o processo de Mondrian até chegar às suas obras tão
características:
“A esta altura, suas pinturas não faziam
mais nenhuma referência à realidade e seus escritos também deixavam claro que o artista não desejava mais ‘expressar
intenções’, mas apenas ‘evidenciar relações’. Fez experimentos em seu
ateliê com pedaços de papel colorido que montava na parede, ficando muito
satisfeito com o efeito de sua obra.” (Grifos meus)
Partindo do princípio que é
objeto de um grupo terapêutico o pensar sobre as relações, inspirei-me em
Mondrian ao propor que o grupo vivenciasse esta experimentação com pedaços de
papeis coloridos que inicialmente seriam produzidos de forma coletiva e em
seguida relacionados e organizados em uma composição individual. Foi
interessantíssimo perceber como as questões levantadas pelas participantes
estavam diretamente ligadas à suas biografias e desafios pessoais.
A exposição também aborda a
ligação do neoplasticismo com a arquitetura e traz maquetes criadas por Theo
Van Doesburg. Em sua filosofia:
“... os artistas da De Stijl não buscavam
a padronização. Eles se empenhavam em encontrar
soluções específicas e desafiadoras para determinadas pessoas, espaços ou
circunstâncias, tanto na arquitetura como no mobiliário ou na pintura.” (texto extraído do folder da exposição, grifos meus)
Para uma paciente que está se
pensando sobre novas possibilidades e outras construções que lhe tragam mais satisfação
profissional e pessoal, propus um trabalho com inspiração nas maquetes de Van
Doesburg, pois neste contexto o processo criativo que desafia a saída do
bidimensional para o tridimensional mostra-se disparador de grandes reflexões,
além de mobilizador de movimentos físicos, cognitivos e psíquicos.
Maquete de Van Doesburg
Considerações
Finais
Na última semana mergulhei em
um profundo diálogo com Mondrian, um artista que olhos mais desatentos podem
vê-lo como "sem graça" ou "bobo". Mas o processo de gestação deste texto, que se
estende desde a minha primeira visita à exposição até esta publicação, foi um
grande desafio para mim. Pude me ouvir o quão difícil foi selecionar e
sintetizar em um breve texto tudo que Mondrian tem me tocado e me provocado a pensar. Percebi que este fato nada mais é do que o reflexo de uma das
grandes lições que o artista me trouxe até o momento, que também coopera para meu estilo: quanta coisa é possível criar e influenciar a partir do que há de mais
simples! Mondrian nos ensina que simplificar
não é empobrecer, mas um processo (que sim, demanda muito trabalho) de
limpeza de ruídos e excessos para a
abertura do novo e quantas possibilidades couberem em nossas mãos!
Comentário de Diana Baptista enviado por email:
ResponderExcluirEliana, demais o seu post, é isso mesmo! Cheguei a pensar que Mondrian fosse sem graça mesmo, mas depois de uma sessão de arteterapia, entendi que o simples é imprescindível e completo mesmo parecendo mínimo, ainda mais nesta confusão que temos tido na nossa cabeça, no dia a dia de tantas informações. Não tão distante deles, estão as nossas guerras neste mundo atual, guerras por dentro e guerras por fora, porém, que nos atingem de outras formas. Aproveitei a inspiração reflexiva e fiz arte também com ele aqui, https://www.facebook.com/facedecoracao/photos/a.837044556403200.1073741831.780700408704282/1119564081484578/?type=3&theater. Bjus Diana
Parabéns !!! Eliana, gostei bastante do seu estudo sobre esse grande artista Seu texto é muito esclarecedor sobre a obra de Mondrian
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