Por Eliana Moraes
elianapsiarte@gmail.com
Tenho me dedicado atualmente a dois
objetos de estudo e pesquisa: o trabalho com grupos em Arteterapia (1) e as
especificidades da Arteterapia como saber, prática e profissão. Durante o
primeiro semestre estive pensando sobre o fenômeno da projeção/transferência no
setting arteterapêutico (2) (3). A proposta de hoje é fazer uma articulação
entre estes dois temas.
No contexto da clínica, temos a projeção
de um sujeito (o paciente) para outro ser humano (o terapeuta, que se apresenta não
como sujeito, mas como função), e assim é denominado o fenômeno da
transferência. A outra via deste fenômeno, do terapeuta ao paciente,
contratransferência (4).
Já em grupos terapêuticos a configuração
é outra:
“A
prática da terapia grupal tem algumas características que a diferencia do
atendimento individual, sendo que a primeira delas é a presença de vários
pacientes/clientes no setting terapêutico. Essa simples constatação já implica
uma maior complexidade dos habituais fenômenos da transferência e
contratransferência, que são inevitáveis... O grupo se configura como um
jogo de espelhos, onde cada pessoa pode se ver refletida na outra, olha e é
vista ao mesmo tempo por outras pessoas que não apenas o coordenador do grupo,
que se encontra igualmente exposto.” (SEI,
2010 p 51)
Uma especificidade da
Arteterapia se dá pela introdução de um terceiro elemento na relação projetiva
dentro do recorte clínico: o "material", ao qual divide com o
terapeuta o fenômeno da projeção (aqui entendendo o material de forma ampla: o
material plástico, o agir criativo, a imagem). Nas palavras de Cláudia Brasil:
Na relação terapêutica estabelecida em consultório, em que apenas
duas pessoas se encontram, as projeções e a transferência são experimentadas de
forma direta à pessoa, sem intermediações. Por isso, o uso de materiais plásticos e de recursos técnicos criativos
promove o deslocamento da transferência entre duas pessoas e passa a ser uma
tríade, na qual o terceiro elemento
é o material utilizado. Assim, os complexos ativados
são projetados para além do terapeuta, nos materiais. Nessa perspectiva, tanto
o terapeuta quanto o cliente podem observar o produto final e a energia do
complexo pulsando nas cores e formas. (BRASIL, 2013)
Partindo destes princípios,
cabe pensarmos sobre os fenômenos da
transferência e contratransferência no contexto de grupos arteterapêuticos,
pois a trama de forças projetivas se darão de forma específica. É
necessário que o arteterapeuta perceba e visualize esta intensa dinâmica e se instrumentalize para manejá-la de forma consciente
e consistente.
Podemos destacar quatro fluxos
projetivos:
-
A transferência/contratransferência entre paciente e terapeuta: de
fato, todo processo terapêutico contempla estes fenômenos e desta forma cabe a
todo terapeuta se aprofundar nestes conceitos.
A teoria nos diz que ao
projetar conteúdos próprios no terapeuta, o paciente repetirá com ele seu modo
de se relacionar, que é muitas das vezes sua fonte de angústia. Ao terapeuta
cabe visualizar este convite à repetição, não ceder a ele e cooperar para a
transformação dessas repetições “irresponsáveis” em “memórias” conscientes.
Assim o terapeuta faz outros convites: a tomada de consciência de si por parte
do paciente e a partir daí uma atualização de suas modalidades de
relacionamento.
Em grupo esta dinâmica se
repete com cada participante simultaneamente.
-
A projeção a partir da entrada do terceiro elemento, o material: na
dinâmica de espelhamento característica do processo terapêutico, o material
será um objeto que se relacionará tanto com o paciente quanto com o terapeuta “...não
apenas como um depositário de imagens, mas como troca significativa...”
(BRASIL, 2013 p 53) de energia psíquica e projeções, muitas vezes tornando-se
até o centro do processo. Ao terapeuta cabe estar o mais consciente possível de
suas questões pessoais e consequentemente de suas próprias projeções para
deslocar-se delas e manejar com as projeções do paciente.
Naturalmente, em grupo esta
dinâmica se repete com cada participante simultaneamente.
-
A transferência entre pacientes: em grupo terapêutico, para
além da relação paciente/terapeuta, haverá outras pessoas na mesma condição de
sujeito compondo o grupo e assim as relações se manifestarão de forma natural,
a partir da oportunidade de cada “eu” se revelar em suas interações com os
outros e se fazer nos vínculos apresentados. A relação com outros sujeitos
atualizada dentro do setting terapêutico abrirá um campo para atuações não
inócuas, mas propícias para a percepção de si e ao autoconhecimento.
Ao terapeuta cabe proporcionar
e sustentar um ambiente propício para escuta, tomadas de consciência e movimentos
de mudança de sujeitos (de) em relação.
-
A projeção pela presença do terceiro elemento dos outros pacientes: a prática nos mostra que a observação
do material do outro é bastante mobilizadora de questões individuais e
coletivas. Mais uma vez, entendendo material de forma ampla: os materiais
plásticos, todo o agir criativo e a imagem produzida pelo outro podem capturar
o olhar do participante de um grupo de forma intensa. Além disto, esta
oportunidade de observação mostra-se bastante enriquecedora na construção do
sujeito em terapia.
Aqui reside uma grande especificidade da
Arteterapia como técnica para grupos terapêuticos. E cabe ao arteterapeuta
instrumentalizar-se para visualizar e manejar as possibilidades que se abrem a
partir dela.
Este texto é um resumo de um dos temas
abordados no curso “Grupos em Arteterapia” ao qual tenho me dedicado, no desejo
de compartilhar o que pude aprender na prática com grupos arteterapêuticos e o
posterior aprofundamento teórico. Em agosto se inicia a segunda turma deste
curso presencial. E seu conteúdo foi adaptado e está sendo produzido em curso on line para os interessados pelo tema
que estão longe geograficamente. Vai ser um prazer compartilhar com você este
caminho de estudo e prática em Arteterapia!
Informações e inscrições para o
curso presencial e online escreva para elianapsiarte@gmail.com
(1) Veja
textos anteriores
“Arteterapia ‘High
Touch’ – Reflexões sobre o trabalho com grupos arteterapêuticos”
“Arteterapia em
Grupo: Um depoimento”, “
“Grupos Arteterapêuticos – Um estudo (Parte 2)”
“A arte como instrumento em grupos terapêuticos – Especificidades da
Arteterapia”
(2)
Veja textos anteriores
“O manejo do fenômeno da projeção
em Arteterapia (Parte I)”
“O manejo do fenômeno da projeção
em Arteterapia (Parte II)
(3)
Veja minicurso on line
“O fenômeno da projeção/transferência em Arteterapia” no site
www.centrodehumanas.com.br
(4) Sobre
este tema, sempre cito e indico o livro “O encontro analítico: Transferência e
Relacionamento Humano” Mario Jacoby
BIBLIOGRAFIA:
BRASIL, Claudia. Cores, Formas e Expressão: Emoção de lidar e Arteterapia na Clinica
Junguiana. Ed. Wak. Rio de Janeiro, RJ. 2010.
SEI, Maíra Bonafé. GONÇALVES, Tatiana Fecchio. (Org). Arteterapia com Grupos: Aspectos
teóricos e práticos. Ed. Casa do Psicólogo. São Paulo, SP. 2010.
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