Por Eliana Moraes
A
formação de Arteterapia no Brasil se dá basicamente por embasamento teórico na
Psicologia Analítica de Carl Jung e é inquestionável sua contribuição teórica
para esta prática terapêutica. Entretanto, percebo que ao aceitarmos o convite para
o aprofundamento na teoria junguiana, somos sutilmente convidados a torcer o
nariz para Freud, psicanálise e afins (o inverso também é verdadeiro).
Lembro-me
dos tempos da faculdade em que eu frequentava paralelamente grupos de estudos
freudianos e junguianos e quando observava algum olhar de interrogação sobre
esta prática, pensava: “Pessoal, Freud e
Jung brigaram em 1913, mais de cem anos se passaram, a gente não precisa
continuar brigando.”
Penso
ser um engano deixar de estudar as teorias desenvolvidas a partir de tanto
estudo e observação apurada do ser humano (tão plural) justificando-se por passagens
da biografia do teórico, seus afetos e desafetos. E penso que não há como um
terapeuta que se proponha a trabalhar com o conceito de inconsciente não ler
Freud, o primeiro a sistematizar este conceito e seus desdobramentos.
Desta
forma, eu uma arteterapeuta (por formação, vocação e prática) venho me
aprofundando nos estudos sobre a psicanálise e articulando com a prática da
Arteterapia. Esta é uma teoria que contribui muitíssimo para o olhar e o manejo
na clínica e tem sido um caminho instigante pensar sobre os encontros e desencontros
entre estes dois saberes.
Uma
articulação que venho me debruçando se dá na associação entre o divã e a
Arteterapia. A ideia de se deitar ao divã no setting psicanalítico assusta
muita gente. Eu particularmente não compreendia a potência desta prática até me
submeter a ela (sim, sou paciente de psicanálise ortodoxa desde 2014).
Um
dos motivos pelos quais se usa o divã é para que o paciente se liberte do olhar
do analista, pois de costas o paciente não poderá buscar sutis expressões
faciais, qualquer sinal em seu olhar - aprovação, espanto, decepção.. - ou que
busque nele uma “resposta” que influencie ou contamine o fluxo do seu discurso.
O paciente se liberta da expectativa de manter um diálogo construído, coerente
(racionalizado) com seu analista, e nesta configuração segue trilhando um caminho
muito próprio, e a partir da associação livre vai adentrando por caminhos
desconhecidos e profundos que lhe pertencem.
Neste
sentido, cada vez mais tenho explorado o potencial de não estar no campo de
visão do meu paciente. Posso pedir que ele “simplesmente” colora um desenho ou
“apenas” fique manipulando um pedaço de argila enquanto fala. Percebo que este procedimento coopera para que o
paciente rebaixe sua consciência (resistência), desloque um pouco da
expectativa do diálogo com sua terapeuta e fale mais livremente. Abre-se um
campo para o espontâneo (tão potente!) e percebo que no fim deste processo,
fatalmente tanto a expressão verbal quanto a imagem surgida falaram surpreendentemente.
Em
outro momento, quando o paciente mergulha em um processo criativo, em um
profundo diálogo com o material (consigo mesmo), me desloco para uma posição
lateral, para que ele tenha espaço para “caminhar”. Este formato coopera para
que o paciente invista de si naquela produção, responsabilizando-se como autor
e protagonista de sua obra/vida. Ele caminha, pensa, (se) cria e (se) constrói.
Muito
se brinca com a imagem do analista desatento, sentado, cochilando enquanto o
paciente fala sem vê-lo. Mas esta imagem não é real se estamos falando de um
terapeuta com comprometimento ético e que tem amor pelo seu paciente. Este
lugar de estar ao lado sustentando
pela transferência um campo de batalha interna, um espaço de autoconhecimento e
promoção de saúde para um sujeito, deve ser ocupado por alguém consciente e
preparado para sua tamanha responsabilidade.
Em
um próximo texto darei seguimento a esta instigante investigação sobre os
encontros e desencontros entre duas das minhas grandes paixões: a Psicanálise e
a Arteterapia.
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