Por Maria Cristina de Resende
crisilha@hotmail.com
Dando
continuidade aos textos acerca dos saberes que contribuíram para a construção
da Arteterapia, hoje abordaremos as contribuições que a Psicologia forneceu e
como hoje ambas dialogam no setting e
na relação paciente-terapeuta.
A
psicologia enquanto cadeira científica é bem jovem, pois até o final do século
XIX víamos sua atuação dentro da filosofia, da teologia e da biologia. Em 1892,
Théodore Flournoy – médico e professor de Filosofia e posteriormente de
psicologia – recebeu a cadeira de psicologia da Universidade de Genebra,
consagrando sua liberdade dos sistemas filosóficos e ganhado status de ciência (SHAMDASANI,
2005). A partir deste ponto uma profusão de teorias começou a se desenvolver e
no início do século XX podemos observar inúmeras teorias e teóricos da nova
psicologia.
“Parece que hoje todo o mundo está
publicando uma Psicologia”, escreveu William James em 1893 para seu amigo e
colega psicólogo, Théodore Flournoy. Brotavam de todo lado manuais, princípios,
esboços, introduções, compêndios e almanaques de psicologia.
Periódicos, laboratórios, cátedras,
cursos, sociedades, associações e institutos de psicologia eram fundados a
rodo. Uma verdadeira horda de testemunhas foi chamada e interrogada: o louco, o
primitivo, o gênio, o degenerado, o imbecil, o normal, o bebê, e, por fim, mas
não em último, o rato branco. Novos personagens entraram socialmente em cena: o
esquizofrênico, o narcisista, o maníaco-depressivo, o anal-retentivo, o oral-sádico,
e todos os “vertidos” – invertidos, pervertidos, introvertidos, extrovertidos.
(SHAMDASANI, 2005)
Livro Teorias da Personalidade de Susan C. Cloninger,
Editora Martins Fontes.
Com a publicação de Freud em 1900, A
Interpretação dos Sonhos, a mente humana começou a ganhar infinitas possibilidades
de estudo, pois Freud traz para esse cenário o conceito de inconsciente
enquanto instância, o que mudaria toda a percepção do homem sobre sua mente. Nesta
nova ótica o homem deixa de ser dono de sua própria casa e se torna refém de
uma instancia desconhecida e inacessível.
Jung, tempos depois nos apresenta a
psicologia analítica, posteriormente chamada de psicologia complexa, hoje
conhecida como psicologia Junguiana. Nela, o autor traz uma instância ainda
mais profunda, o inconsciente coletivo, onde residem forças chamadas de
arquétipos, termos derivado da filosofia, arché,
ou aspectos primordiais, que também encontramos em Nietzsche e seus imperativos
categóricos. A consciência tampouco tem acesso a essas forças e apenas recebe
delas as imagens arquetípicas, ou seja, fragmentos que chegam à consciência
travestidos com os aspectos pessoais de cada indivíduo.
O acesso a estes conteúdos se dá através
dos sonhos, dos atos falhos, das psicopatologias e das projeções, por exemplo.
Cena de Alice no País das Maravilhas, de Walt Disney, 1951.
Aqui podemos delinear um ponto de diálogo entre psicologia e Arteterapia, pois
a expressão através da arte e dos materiais plásticos é uma das possibilidades
de construir um caminho direto para tais conteúdos e abrir o diálogo com o
inconsciente e suas imagens, logo, a Arteterapia é, por excelência, a abordagem
terapêutica que fornece inúmeras possibilidades de acesso a aspectos
anteriormente desconhecidos pelo homem. Podemos comprovar esse fenômeno quando
observamos o trabalho de Nise da Silveira, seguidora da psicologia Junguiana, com
pacientes psiquiátricos usando materiais expressivos como argila, pintura e
desenho e possibilitando assim, a comunicação desses pacientes com seus conteúdos
inconscientes.
Nesse caldeirão de “novas psicologias”,
outros autores construíram seus caminhos após entrarem em contato com a Psicanálise.
Frederick Perls ou Fritz Perls desenvolveu a Gestalt-Terapia desdobrando os
saberes da Teoria da Gestalt, do teatro, da Fenomenologia, do Existencialismo e
de sua experiência pessoal com artes. Teoria que muito acrescenta à prática da
Arteterapia no que diz respeito a percepção e leitura de imagens, pois tanto
aqui quanto na Teoria da Arte (próximo texto da série), observamos conceitos
retirados da teoria da ótica - da física - que são utilizados na compreensão do funcionamento da nossa
capacidade perceptiva e dos seus atravessamentos nas questões emocionais.
Gestalt possui como melhor tradução a palavra forma, ou seja, a teoria da forma
nos revela como nossa consciência busca “boas formas” e em quais armadilhas
podemos cair durante essa busca. É uma teoria que não leva em conta as forças
advindas do inconsciente, visto que não se trabalha com esta instancia, apenas
com a consciência, resquício da fenomenologia, entretanto é importantíssimo o
seu estudo, uma vez que sempre olhamos para as imagens do inconsciente através
da consciência, ou seja, é com ela e através dela que percebemos o mundo, seja
o nosso mundo interno e desconhecido ou o mundo sensorial, das nossas relações.
Melanie Klein e Donald Winnicott também
desenvolveram suas teorias sobre desenvolvimento infantil e suas nuances afetivas
importantíssimas para aqueles que buscam especializar-se nos atendimentos
infantis.
E diante desse gradiente com tantas
nuances, teorias e possibilidades de abordagens teóricas surge um questionamento
importante: a Arteterapia se baseia em que teoria da psicologia? O
arteterapeuta precisa ser psicólogo? É preciso realizar especializações em
teorias da psicologia após a formação em Arteterapia?
Antes de responder a esses
questionamentos é importante destacar o território da Arteterapia no meio de
tantas abordagens psicológicas. A Arteterapia enquanto outra possibilidade de
abordagem e de atuação clínica e institucional de desenvolvimento mental,
emocional e cognitivo e enquanto formação de profissionais que atuem com este
objetivo tanto no acompanhamento clínico quanto institucional precisa se bastar
enquanto teoria e prática metodológica, e para tanto precisamos observar as
interseções entre Arteterapia e psicologia na sua prática, estruturar e fortalecer
suas bases teóricas.
A Arteterapia é uma área do saber que
considero um hibrido e sua construção deriva de muitas fontes. Da psicologia
podemos destacar primordialmente a relação paciente-terapeuta, chamada de
transferência, um conceito base para o entendimento de qualquer metodologia
terapêutica. O estudo da mente, do comportamento, do aprendizado e das forças
advindas do inconsciente ou dos fenômenos dados à consciência é importante em
qualquer prática terapêutica onde se lida com o outro. Conhecer o funcionamento
da mente humana a partir de qualquer teoria da personalidade ou usando qualquer
área de estudo da psicologia – social, aprendizagem, organizacional,
institucional, etc – é fundamental para quem deseja enveredar pelo caminho das
práticas terapêuticas, porém, não podemos confundir Arteterapia com tais
teorias e mais ainda, não podemos colar a prática da Arteterapia com nenhuma delas,
pois é preciso construir uma identidade e uma metodologia próprias da
Arteterapia que ofereça ao profissional uma formação completa, ou seja, um
entendimento do homem em seus diversos contextos de atuação no mundo para que,
ao lidar com a subjetividade do outro, seja um paciente individual, um grupo,
uma empresa, uma escola ou uma instituição de saúde o arteterapeuta possa
oferecer as ferramentas necessárias para aquela demanda.
Caso tenha dificuldades em postar seu comentário, nos envie por e-mail que nós publicaremos no blog: naopalavra@gmail.com
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Referências Bibliográficas:
PAÍN, Sara. Os Fundamentos da Arteterapia. Editora Vozes, Petrópolis. 2009.
CLONINGER, Susan C. Teorias da Personalidade. Editora Martins Fontes, São Paulo.1999
SHANDASANI, Sonu. Jung e a Construção da Psicologia Moderna. Editora Idéias e Letras, São Paulo. 2011.
GINGER, Serge. Gestalt a Arte do Contato. Editora Vozes, Petrópolis. 2007.
MARCONDE, Danilo. Iniciação à História da Filsofia. Editora Zahar, Rio de Janeiro. 2007.
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