Por: Maria Cristina de Resende
Quando pensamos em
Arteterapia e sua história qual o nome que nos vem à mente ou nos é apresentado:
possivelmente Dra. Nise da Silveira.
Entretanto, a mesma sempre
enfatizou que sua prática NÃO era Arteterapia, e logo, me vem à questão: como
usar um nome como referência para uma prática quando este nome não a reconhece
como fonte legítima de seu trabalho?
Precisamos então buscar na
história da Arteterapia seus fundadores, sua constituição técnico-teórico que
permita que pensemos as bases da construção de nossa prática profissional.
Ao buscar estas bases
cheguei a um nome quase não mencionado pelo meio da Arteterapia: Margarete
Naumburg, uma das primeiras teóricas da Arteterapia nos EUA e co-fundadora da
Associação Americana de Arteterapia.
Margaret Naumburg
Margarete começa sua
história contando sobre os difíceis anos de escola, tanto no período da
educação fundamental, quanto no ensino médio. Sua principal reclamação era a
rigidez e os formatos que pouco possibilitava o desenvolvimento da criatividade
da criança e do adolescente. Mas em 1912, já adulta, ela entra em contato com
uma nova prática na educação: o método de Maria Montessori, na Itália. Aqui, a
criança é observada a partir das fases do desenvolvimento infantil, priorizando
a experimentação de seu mundo subjetivo e também de tudo que o mundo oferece a
ela. Notadamente influenciado pela psicanálise, este método encanta Margarete
que leva para Nova York esta nova possibilidade de ensino.
Juntamente com a observação
do desenvolvimento infantil e a liberdade de expressão, Margarete começa a
introduzir os conceitos da psicanálise na Educação justificando que até o
momento este campo tratava apenas com a superfície da mente, a consciência.
Para ela era imprescindível que a abordagem da educação sofresse ajustamentos
que contemplassem essa nova perspectiva.
Aqui é preciso destacar que
neste momento da história da humanidade, o início do século XX, é marcado por
inúmeras transformações tanto no campo das ciências humanas, quanto nas
ciências exatas. A psicologia começa a se estabelecer como cadeira científica,
a psicanálise revoluciona o modo de pensar o homem quando introduz o conceito
de inconsciente enquanto instância reguladora de sua mente e de seus atos. Na
arte observamos a revolução da arte abstrata, na política e na economia temos a
1ª e a 2ª Grande Guerra. Ou seja, o mundo está mudando, e com esta mudança
novas formas de pensar o mundo, de estar no mundo e de enxergar a si mesmo
precisam ser reformuladas.
Nessa busca, um dos pontos
fundamentais em que Margaret se apoia é no fato dela não poder se apresentar
como psicanalista, uma vez que sua formação vem da Educação, ainda que seus
princípios da educação estejam baseados na psicanálise. Logo, ela combina suas
bases da Educação, campo em que é reconhecida e respeitada e alia aos
ensinamentos da psicologia e psicanálise através da arte. Aqui Margarete já tem publicado seu primeiro
livro “A criança e o mundo”[i],
de 1928, e em 1943 ela se junta ao Comitê de Arte na Sociedade Americana de
Educação que estudava Arteterapia no Museu de Arte Moderna de Nova York.
Nasce então, o interesse
pela terapia ocupacional, um dos grandes campos em que a Arteterapia bebe na
formulação de sua prática. Nesta época, esta área da saúde estava ganhando cada
vez mais espaço nos EUA uma vez que fora muito atuante nos militares
sobreviventes da guerra, no tratamento dos sintomas do pós-guerra, hoje
conhecidos como Stress Pós-Traumático.
A terapia ocupacional é
conhecida desde a antiguidade, quando os egípcios indicavam atividades
ocupacionais como passeios, alfaiataria, musica, pintura e outras atividades
para os que tinham a “mente agitada”. Nos templos de Esculápio, tais atividades
faziam parte do tratamento que os sacerdotes ofereciam aos enfermos que
buscavam a cura através do Deus Médico.
Mas a metodologia de tal
prática diverge daquela que Margarete estava formulando, e mesmo assim era
reconhecida e administrava cursos para os alunos desta área.
Ainda em 1943 ela publica um
caso clínico no artigo “Arte Expressiva de uma criança e a Guerra”[ii],
seu trabalho clínico começa a se desenvolver, cursos são ministrados,
atendimentos clínicos são realizados, e aos poucos a teoria começa a ficar cada
vez mais consistente e em 1950 ela é um dos nomes mais importantes dessa nova
abordagem. Em 1949 o seguinte artigo é publicado:
“O significado psicoterapêutico da
produção artística de uma Escola de Meninas”, proclamando: Arteterapia – o uso
dos desenhos para o estudo dos problemas emocionais de crianças e adultos – é
agora um procedimento estabelecido pela psiquiatria. E ele continua: ‘Uma das
pioneiras mais conhecidas no campo da expressão artística espontânea é a Dra.
Margaret Naumburg, de 59 anos de idade.
Nascida em Nova York artista-psiquiátrica, que dedicou os últimos dez
anos de sua vida para sua própria forma de Arteterapia’. Mesmo não sendo
médica, artista nem psiquiatra, ela continua a luta para achar seu lugar
profissional no mundo”.[iii]
O fato de buscar este lugar,
ainda não definido, nos faz pensar até hoje sobre o lugar do Arteterapeuta hoje
no paradigma atual do sistema de saúde brasileiro. Quem é este profissional?
Qual sua formação? Como ele esta sendo preparado para lidar com as demandas
médicas, acadêmicas, técnico-teóricas atuais?
Para Margarete esta
preocupação ficou cada vez maior a partir dos anos 50, quando a falta de
características próprias da área em que batalhava para fundamentar, foi
estreitando cada vez mais suas possibilidades de atuação, até que em um
encontro médico anual o Dr. René Spitz, psicanalista, a lançou um desafio:
“Não esta claro em minha mente sobre
os aspectos essenciais da situação terapêutica de um lado, e dos procedimentos
terapêuticos de outro. Eu sinto muito forte que em algum momento nós
precisaremos diferenciar claramente as diferenças básicas da terapia analítica
e da Arteterapia....Eu gostaria de pleitear aos arteterapeutas que façam um
paralelo entre os procedimentos usados por eles contra os procedimentos da
análise clássica – tal confronto irá nos ajudar muito a entender muitos dos
aspectos da arteterapia que até este momento, não estão suficientemente claros,
pelo menos não para mim”.
Este desafio tomou Margarete
profundamente e dez anos depois de muita pesquisa, estudos e dedicação ela
responde em 1966 através do livro “Arteterapia dinâmica orientada: Seus
princípios e práticas”[iv].
Aqui ela retira o termo “analítico” de seus textos para diferenciar que sua
prática era sim diferente da psicanálise freudiana.
E com esta referência de
estudos para os alunos e profissionais da Arteterapia fica a reflexão: você é
um analista que usa expressões artísticas no consultório ou um arteterapeuta
que compreende a dinâmica psíquica a partir da teoria freudiana, ou Junguiana,
ou gestáltica, ou comportamentalista, ou humanista, ou qualquer teoria da
personalidade que atenda seu estilo de trabalho?
Está claro para você, aluno
ou profissional, qual o seu campo de atuação e quais são as bases que fundamentam
esta prática que defendemos hoje como legítima de atuação terapêutica?
Para mim, está claro que a
Arteterapia é um hibrido de diversas fontes teóricas: terapia ocupacional,
história da arte e teorias da arte, educação, psicologia, psicanálise e
psiquiatria. E para que possamos estar defendendo nossa prática perante o meio
médico e acadêmico é preciso estabelecer uma relação profunda entre tais campos
e a nossa prática atual, formatar seu campo teórico próprio a partir de
conceitos consistentes e de metodologia própria, baseada na pesquisa, na
teorização e na experiência prática.
Para saber mais sobre o
artigo sobre Margarete Naumburg acesse o link abaixo da Universidade da Pensilvânia, fonte principal deste artigo.
CONTATO: naopalavra@gmail.com
[i] The Child and The World
[ii] Children´s Art Expression and War
[iii] Tradução livre da autora
[iv] Dymanically Oriented Art Therapy: Its
Principles anda Practices.