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segunda-feira, 29 de julho de 2013

A RELAÇÃO COM OS MATERIAIS



“Convém ao arteterapeuta o conhecimento tanto de técnicas expressivas como de teorias psicológicas que levem em consideração o processo de formação de imagens e de construção das representações, como elementos fundamentais e essenciais ao domínio de sua `arte`” Maria Cristina Urrutigaray *

            Costumo dizer que a arteterapia é um saber peculiar por ser a intercessão entre dois campos distintos: a psicologia (e terapias) e a arte. Creio ser difícil encontrarmos um profissional completo, que saiba transitar bem entre ambos os saberes e considero que esta deva ser a motivação dos profissionais da arteterapia. Considero um desafio meu, uma arteterapeuta que veio da psicologia, me aprofundar no estudo da arte, suas técnicas e teorias.
            Em decorrência disto, tenho pensado sobre a formação do arteterapeuta. Não apenas o Curso de Formação de Arteterapia, mas a formação continuada que é necessária para se manter atuando na profissão. Em seu dia a dia, o arteterapeuta depende da sua criatividade pois esta é sua ferramenta de trabalho.
            Vejo que para o arteterapeuta é fundamental manter a “chama” da criatividade acesa. Outro dia, assisti a entrevista de um grande compositor da música brasileira, que dizia o quanto ele passava seus dias ouvindo, ouvindo e ouvindo músicas, pois isso mantinha sua mente ativa e de alguma forma ia lhe oferecendo “material”  para as futuras composições.
            É importante que o arteterapeuta não descanse no conhecimento que já tenha adquirido. É importante que ele se mantenha criando em sua terapia pessoal, em aulas, cursos, oficinas, pois do contrário corre-se o risco de que seu olhar como terapeuta se torne viciado e embotado. É necessário que se busque: 
“A profunda relação do arteterapeuta com o material... Assim, trabalhar com a Arteterapia não se resume apenas à utilização de materiais diversificados mas também comporta um profundo trabalho de treinamento em conhecimentos psicológicos, filosóficos e artísticos, e em oficinas laboratoriais, onde possam ser testadas práticas que pretendem ser usadas... compreendendo previamente os seus verdadeiros alcances.”  Maria Cristina Urrutigaray,* pag35 e 36

            O paciente de arteterapia, por definição, está em busca de sua criatividade para se expressar em outras linguagens além da verbal. É essencial que o arteterapeuta tenha percorrido e explorado este caminho anteriormente, para que possa dar subsídios,  suporte e segurança ao seu paciente, balizando-o  em sua busca.



* "Arteterapia - A transformação pessoal pelas imagens"
* Veja a página "RECOMENDO" deste blog.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

SURREALISMO E ARTETERAPIA

           


              Tenho estudado sobre o movimento surrealista e tenho me encantado com as possibilidades  que as técnicas deste movimento trazem para o setting arteterapêutico! Deixo aqui minha sugestão aos arteterapeutas que se aprofundem neste tema (aliás, na História da Arte como um todo, que creio eu ser uma lacuna nos nossos estudos).
            Liderado pelo poeta André Breton, seu primeiro manifesto é lançado em 1924, ao qual revelava a total influência dos estudos de Sigmund Freud, que na época cunhava a teoria psicanalítica. Os artistas em suas produções faziam livre uso de conceitos como o inconsciente, a importância do mundo onírico e o uso da técnica fundamental da psicanálise: a associação livre. As obras deste movimento trazem um sentido de afastamento da realidade comum e têm um caráter anti-racionalista.
            Interessante ressaltar que nesta época os artistas estavam tomados com o horror da I Guerra Mundial. Assim como os artistas do movimento “Dada”, suas obras refletem seu questionamento “para onde a razão nos levou?”, seus posicionamentos opostos às tendências construtivas e formalistas na arte e das tendências ligadas ao chamado “retorno à ordem”.
Como crítica à racionalidade burguesa, os artistas valorizavam o imaginário, o fantástico e os sonhos. Buscavam a idéia de acaso e escolha aleatória. Para isto, lançavam mão de variados procedimentos e métodos com o intuito de driblar os controles conscientes e a liberação de imagens e impulsos primitivos.
Nas artes plásticas, o automatismo amplamente explorado na linguagem falada e escrita buscou técnicas que permitissem a criação livre de imagens como, por exemplo, o desenho automático e a pintura com areia utilizadas por Andre Masson. Outro caminho explorado foram os desenhos colaborativos como o jogo cadavre exquis, que serviram de isnpiração para algumas obras de Joan Miró. Max Ernst desenvolveu o frottage onde decalcava texturas de madeira, folhas e objetos transformando-as em novas imagens. Na segunda década do movimento os artistas voltam seu interesse para os sonhos e a produção de pinturas oníricas. Nesta fase, destacam-se Salvador Dali, René Magritte, Max Ernst e Yves Tanguy.

Sobre estes procedimentos e métodos, a medida que avancem os estudos,  pretendo continuar escrevendo textos como sugestões de reflexões, teorias e técnicas que  podem ser utilizadas no trabalho do arteterapeuta. Aguardem!

* Este texto foi escrito juntamente com minha parceira de estudo e trabalho Flavia Hargreaves - Arteterapeuta e Professora de Artes Visuais
* Quadro "A Metamorfose de Narciso" de Salvador Dali

segunda-feira, 8 de julho de 2013

O RACIONAL E A ARTE


Tenho escrito textos para este blog abordando a possível dificuldade de expressão verbal que o processo da psicoterapia pode se deparar. Hoje porém, eu gostaria de falar de um outro fenômeno. Falo de pessoas que têm bastante facilidade com a expressão verbal, que de fato “sabem falar” muito bem sobre si. Pessoas cultas, inteligentes, que já fazem psicoterapia há um bom tempo ou até profissionais da área psi (eu me reconheço neste perfil em minha terapia pessoal). São pessoas que sabem discorrer muito bem sobre qualquer questão que abordem. Porém, um olhar apurado observaria que estes pacientes têm a tendência de explicar, racionalizar, sem um “mergulho profundo” em si e em suas questões.
Penso que a arteterapia é um excelente recurso pra este perfil de paciente pois o tira do “lugar conhecido”, do “lugar fácil de se transitar” que é a fluência verbal. Tenho acompanhado pacientes com esta característica que, ao ser convidado a falar em outra liguagem, sentem o impacto e podem se reconhecer  neste verdadeiro desafio. Este “tirar o tapete” confortável do paciente pode trazer muitas reflexões para o processo terapêutico. Susan Bello diz

“A arte, de acordo com Jung, é um meio... de expressão oposto ao logos (o intelecto) que se comunica por palavras. A palavra, Jung acreditava, é uma característica [que] limita os modos pelos quais podemos nos expressar. Aprendemos a expressar a mente racional com palavras, mas outras formas de percepção podem não se transcrever tão claramente dessa maneira. A arte expressa um contexto de pensamento que não é linear, desafiando construções racionais de causa e efeito, às vezes, as defesas do intelecto.”pag 34 – 35,

            Esta autora escreve sobre a técnica da Pintura Espontânea (em breve escreverei sobre seu livro “Pintando Sua Alma – Método de desenvolvimento da Personalidade Criativa”) e defende:


“Quando a mente está num estado alterado (...diferente da consciência racional controladora do ego), é capaz de acessar impulsos da mente inconsciente... [que] podem manifestar-se numa variedade de modos: pensamentos intuitivos, insights, um desejo forte de fazer alguma coisa sem saber porquê, experiências espirituais e excepcionais etc. Pessoas que recebem esses impulsos podem espontaneamente expressar suas inspirações em imagens simbólicas e outras formas criativas.” Pag 25 – 26

segunda-feira, 1 de julho de 2013

O REPETIR, A ATUAÇÃO E O ATO CRIATIVO

            Há duas semanas escrevi um texto chamado “Repetição Criativa”, ao qual abordava a repetição verbal, quando um paciente se percebia falando repetidamente sobre sua questão. Mas hoje eu gostaria de falar do “Repetir” de outra forma.
Estive estudando o texto de Freud “Repetir, Recordar e Elaborar” de 1914. Meu interesse se deu pelo fato de estar intrigada com os conceitos de atuação e repetição, ao observar alguns pacientes. Nas palavras de Freud:

“... podemos dizer que o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber o que está repetindo.”

“Enquanto o paciente se acha em tratamento, não pode fugir a esta compulsão à repetição; e. no final, compreendemos que esta é a sua maneira de recordar.”

“Podemos perguntar o que ele de fato repete ou atua (acts out). A resposta é que repete tudo o que já avançou a partir das fontes do reprimido para sua personalidade manifesta – suas inibições, suas atitudes inúteis e seus traços patológicos de caráter. Repete também todos seus sintomas, no percurso do tratamento.”

            Ao longo do processo terapêutico ou em cada sessão podemos observar pequenas atitudes – atuações – de pacientes que, estando o terapeuta atento pode entender como repetições de suas dinâmicas, que ele não se percebe, ou não recorda senão apenas em forma de ações. Exemplos clássicos como sua forma de lidar com o compromisso na terapia (pontualidade, assiduidade, pagamento), como se posiciona perante o terapeuta... Ou ainda as repetições em sua história de vida, seus sintomas físicos, episódios repetitivos, sensações frequentes, e muitas outros.
            Freud continua o texto defendendo pela teoria da psicanálise, que o instrumento principal do processo analítico para trabalhar este fenômeno reside no manejo da transferência. Entretanto, me motivei a escrever este texto ao perceber na minha prática como arteterapeuta, que vejo o Ato Criativo também como uma atuação e consequentemente é por definição uma repetição dos padrões de comportamento.
            Quando o paciente tem dificuldade de iniciar um trabalho, quando este trabalho fica vazio ou cheio, demasiadamente organizado ou desorganizado, com cores intensas ou cores pastéis, se se debruça sobre ele ou o executa de forma rasa, seus movimentos corporais, ou até mesmo quando projeta em mim como terapeuta alguma sensação em meio à sua criação (ver texto “A transferência e Arteterapia”), são apenas algumas das maneiras do paciente atuar no ato criativo.
Enfim tenho visto que a arteterapia é uma técnica bastante propícia para que estas repetições se presentifiquem durante o processo terapêutico. A arteterapeuta Maria Cristina Urrutigaray também defende esta ideia em seu livro*. Em suas palavras:

“... atuação autônoma atualizada em comportamentos... encontram na arteterapia um continente adequado à sua manifestação.” (pag 79)

“A materialização, proporcionada pelas formas surgidas, propicia o confronto com realidades subjetivas não conscientizadas, apesar de atuadas nos comportamentos emitidos.” (pag 83)


 * "Arteterapia - A transformação pessoal pelas imagens"